Urda Klueger: Ah! O lago Titicaca

 

Por Urda Alice Klueger | Escritora, historiadora e doutora em Geografia

Era bem assim que eu pensava nele desde que o vi pela primeira vez, numa foto no meu livro de Geografia, lá nos tempos de Ginásio: “Ah! O Lago Titicaca!”. Aquela foto em preto e branco do meu livro de Geografia acompanhou-me pela vida afora e, muitos anos depois, em 1993, acabei indo conhecer o lago mais alto do mundo. Nessa época, eu já tinha visto muitas outras foto­grafias do mesmo, já falara com pessoas que o conheciam pessoalmente – enfim, era quase uma expert em Lago Titicaca.

Meus sonhos para o Lago Titicaca eram lindos: eu caminharia durante horas pelas praias que o margeiam, dentro de uma tarde idílica e amena, vendo os mais incríveis panoramas; eu passearia de barco, lentamente, sobre as suas águas que sabia azuis, numa perfeita comunhão com a natureza andina, por horas inesquecíveis, nascidas do sonho suscitado por um livro de Geo­grafia.

Na prática, não foi nada assim. Já fazia dias e dias que eu e minha amiga Sônia vínhamos viajando pelos alti­planos bolivianos, região extremamente árida, seca, e carente de oxigênio (está-se a 4.000 m de altitude). Apesar da aridez e do mal-estar da altitude, é lindo conhecer a Bolívia, com sua cultu­ra tão diferente da nossa, e eu achava que chegar ao Lago Titicaca seria a parte mais linda da viagem.

Saímos, enfim, uma manhã, de La Paz para o Lago Titicaca. Não é longe, e a aproximação dele deu uma melhorada na aridez geral e apareceram arvorezinhas, roças, vegetação em geral, e, principalmente, o estupendo azul do Lago, a se esgueirar pelos entremeios da paisagem de morrinhos, tão lindo ao sol que a minha alma parecia florescer – estava, enfim, chegando ao meu livro de Geografia do Ginásio!

Atravessamo-lo no Estreito de Quitina, e como fiquei surpresa ao ver nele navios de verdade, e a Capitania dos Portos à sua beira! Era uma travessia pequena, que se fez de bal­sa, e eu ansiava por chegar à Copacabana, às suas margens, onde nos demoraríamos por mais de um dia!

Copacabana é a praia do boliviano. Estação balneária muito freqüentada no verão, estava quase abandonada quando lá chegamos, no mês de maio. Além do Lago, a cidade tem a nos oferecer o Santuário de Nossa Senhora de Copacabana, a padroeira da Bolívia, uma praça, diversas ruas, um banco, e um mingintório público (onde se faz xixi), palavra nova do espanhol para mim.

É claro que Sônia e eu dirigimo-nos ao Lago tão logo arranjamos hotel e comemos alguma coisa. Meu coração ba­tia forte de emoção (e de falta de oxigênio) enquanto negociava com um barqueiro um passeio pelo Lago. Embarcamos, eu a molhar a mão na água límpida e gelada da esteira do barco, crente estar vivendo um dos maiores sonhos da minha vida – quando o barqueiro voltou. O passeio todo durara 15 minutos, e não houve o que fi­zesse o safado do barqueiro voltar para a água.

Braba com ele, era hora da outra parte do sonho: longas caminhadas à beira do lago mais alto do mundo. Dei os primeiros passos confiante, mas, 20 metros depois, tive que desistir: a altitude me tirava as forças, o coração dispara­va, a cabeça parecia que ia explodir diante do esforço. Tivemos que contentar-nos, eu e Sônia, em ficarmos sentadas num pedaço de madeira, enquanto, na nossa frente, uma família boliviana apro­veitava para lavar roupa dentro do Lago gelado.

Quando o mal-estar da altitude melhorou um pouco, voltamos lentamente à cidadezinha de Copacabana, passando pelo mingintório público. Gastamos uns 15 minutos conhecendo o Santuário de Nossa Senhora de Copacabana, e depois descobrimos que nada mais havia para fazer às margens do Lago Titicaca. Tu­ristas de todas as partes do mundo, tão aborrecidos quanto nós, espalhavam-se pela praça ou compravam algum artesanato. Todos falavam um pouquinho de espanhol, e quando conversávamos com algum, o papo era invariavelmente o mesmo:

– Vocês são de onde?

– Somos do país tal.

– E vão até onde?

– Vamos a Machupichu.

E aí acabava o vocabulário deles, e o tédio voltava para todos nós. O que foi bom, no Lago Titicaca, foram as trutas, enormes trutas grelhadas que se comia por três dólares, regadas a cuba-libre. Mas os sonhados passeios transformaram-se em desilusão.

Blumenau, 18 de agosto de 1996