Uma gata cega apareceu em minha vida

 

Por Susane Bohmann | Médica Veterinária (CRMV – SC 7779)

Sempre dizem que quem procura acha, quem pede recebe. E eu mantinha sim a curiosidade de saber como é cuidar de um gato cego afinal, eles são mais complexos. Como estudante de Oftalmologia Veterinária e amante do comportamento animal, cada oportunidade que tenho para descobrir o mundo sob o ponto de vista deles, unindo as duas linhas, me encanta.

Felinos são diferentes de cães, isso todo mundo sabe, mas e cego? O que mudaria no manejo, no comportamento, nas lições? Enquanto um cão gosta de se expor, gatos são mais reservados e desconfiados então, como passar confiança para um cego?

Foi assim que a Deep apareceu na minha vida. Trazida ao meu consultório, a tutora temporária contou como a encontrou na rua. Explicou que não poderia ficar com ela, pois seus cães não a aceitaram e por ser cega, temia por sua vida. Foi então que resolvi trazê-la para casa, estudar o que poderia tê-la deixado cega (pois seus olhos são perfeitos) e como seria sua interação com o novo ambiente. Ela tem um temperamento doce e por sorte, deixa ser manipulada. Sua barriguinha estava muito dura e dois dias depois que estava comigo, durante sua castração, descobrimos que ela estava com fecaloma – fezes desidratadas que ficam estagnadas no reto. Causa? Provavelmente puro estresse. Medo. Ameaças. A importância de fazê-la sentir-se segura tornou-se prioridade.

 

 

Então o trabalho começou. Muita observação dos seus gostos e do comportamento de um felino cego em si. Foi possível perceber que ela gosta de cantos, atrás de objetos que possam esconder seu corpo. Gosta de silêncio, pois cada barulho a deixa em estado de alerta. Ela precisa que nada a ameace para que consiga defecar e urinar normalmente. Para isso, ganhou um canto com porta fechada e apenas visitas minhas para lhe fazer carinho. Aos poucos a porta foi ficando aberta e os outros animais da casa passaram a visitá-la com supervisão e delicadeza. Coloquei-a para dormir comigo e assim como meu cão nos primeiros dias de cegueira, dormiu muito perto do meu rosto, sinal que se sente protegida comigo (ufa, missão cumprida).

Nos momentos de tensão, seguia as dicas da Temple Grandin, autista e mestre em comportamento animal, que, por seu grande poder empático, desenvolveu várias técnicas para acalmá-los. Logo, envolvia-a numa toalha com leve pressão sobre o corpo e ela relaxava. Jamais a toquei sem avisar verbalmente que estava me aproximando, repetindo sempre o mesmo som, para que associasse à minha presença.

Resultado? Muito rom rom, barriguinha pra cima e amassa pãozinho onde suas patas conseguem tocar. Sua vontade de se mostrar confortável trouxe muito conforto para mim também além de experiência, para poder ajudar outras pessoas que passarem pelo mesmo com seu animalzinho. Por enquanto não estou colocando desafios maiores dos que ela já enfrenta afinal, primeiro precisa adaptar-se ao novo ambiente e descobrir seus lugares preferidos. Mantenho os potes no mesmo lugar, sua caminha e a caixa de areia também. Em breve, como ela é muito esperta, vamos evoluir juntas em outras etapas!

 

* Susane Bohmann (CRMV – SC 7779) é médica veterinária formada no Instituto Federal Catarinense (campus Araquari) e Pós-Graduanda em Oftalmologia Veterinária pela ANCLIVEPA (SP). Tem seu consultório veterinário anexo ao Pet Shop Mr. Pet’s, na Rua Gustavo Zimmermann, bairro Itoupava Central. Email: susaneb.vet@gmail.com