Edith Gaertner foi uma mulher que esteve à frente do seu tempo. Enquanto as mulheres tinham uma vida voltada para as lidas domésticas, esta blumenauense, nascida em 22 de março de 1882, teve uma trajetória singular.
Filha do comerciante e cônsul da Alemanha, Victor Gaertner, conviveu muito pouco com o pai, que veio a falecer quando ela tinha seis anos de idade.
A mãe, Rose Sametzki Gaertner, desempenhou o seu papel de líder em casa e na comunidade local. Soube conciliar as responsabilidades domésticas e os seus trabalhos artísticos. Em 1860 Rose liderou a implantação do Theaterverein Frohsinn, reunindo pessoas para representar peças teatrais.
Edith Gaertner era a caçula de uma família de oito filhos. Seus estudos realizaram-se na Escola Nova, tendo como professor o Pastor Hermann Faulhaber.
Em sua época de juventude, os sonhos de uma jovem de sua idade estavam voltados para o casamento. No entanto, os de Edith foram canalizados para uma força maior que lhe despertou outras aspirações. A veia artística prevaleceu. Com o falecimento da mãe, em 1900, Edith procurou dar novos rumos à sua vida. Dotada de temperamento independente, espírito vivo, desembaraçado, e possuidora de um charme cativante, com 20 anos viajou sozinha para Buenos Aires, onde residiam um irmão e uma irmã. Trabalhou como governanta de uma família numa fazenda do Uruguai e permaneceu no emprego por aproximadamente um ano.
Edith Gaertner encenando um espetáculo na Alemanha, no início do século XX
O grande sonho de Edith era o teatro. Na Argentina conheceu Elenora Duse, atriz de renome que fazia uma turnê em Buenos Aires. Apoiada pelos irmãos, Edith viajou para a Alemanha, onde cursou por um período de quatro anos a Academia de Arte Dramática, em Berlim.
Viajou por toda a Alemanha e principais cidades da Europa, trabalhando em peças nos mais renomados palcos de teatro de Viena, Dresden, Leipzig e outros. Suas interpretações foram sempre bem recebidas pela crítica que a destacava pela excelente dicção e expressão mímica. Do repertório das suas representações constam peças de Goethe, Schiller, Molière, Shakespeare e outros expoentes do mundo das artes cênicas.
Pouco ou quase nada se sabe do cotidiano de Edith Gaertner na Alemanha. Os registros fotográficos mostram uma mulher voltada para o mundo artístico. As duas décadas que conviveu com o mundo cultural europeu transformaram-na numa mulher independente, habituada a tomar as suas próprias decisões.
Retornar a Blumenau, em 1924, foi uma contingência do destino. A doença dos irmãos solteiros, Erich e Arnold, fizeram-na abandonar a carreira artística para administrar a casa.
Naquela época a Alemanha vivia os efeitos do pós I Guerra Mundial e da grande crise econômica que atingiu o país. Edith voltou à Alemanha em 1928 e permaneceu naquele país por mais de um ano. Visitou amigos e reviveu sua época de teatro.
Viajou em seguida para a Argentina, em visita à irmã que lá residia, permanecendo por vários meses.
Retornando ao Brasil modificou radicalmente os seus hábitos e estilo de vida. Do constante e assíduo contato com o público, preferiu refugiar-se no silêncio da sua propriedade, entre livros, animais, o grande jardim e o verde do parque nos fundos da casa. Suas relações de amizade estavam restritas a determinadas famílias. Foi dentro desta magia da natureza, lembranças, leituras, aves e animais, que Edith Gaertner passou os últimos anos de sua vida.
Os tempos eram outros e a devassa da II Guerra Mundial não a motivou a visitar a Alemanha.
Edith recolheu-se para o seu mundo interior. No despontar da década de 1950, Blumenau vivia a efervescência dos festejos comemorativos do Centenário da cidade.
Numa aura de retorno ao passado, as lembranças da infância vivida, a magia da festa e a ameaça de perder parte do patrimônio nos fundos do Ribeirão Garcia, para dar lugar à abertura de uma rua, fizeram-na tomar uma atitude. Para evitar a dilapidação do seu patrimônio, um dos mais expressivos referenciais da colonização alemã, preservado desde sua construção em 1864, doou para a municipalidade uma área de 1.775m².
Edith Gaertner no horto de sua residência em Blumenau, nos anos 20.
A escritura de doação foi realizada no Registro de Imóveis – 1º Ofício Roberto Baier, em 27 de agosto de 1951. A doação foi feita sob a condição de se manter a área tal como a deixara. Dessa forma, garantiu que ninguém iria perturbar o seu retiro enquanto vivesse e, após sua morte, este patrimônio histórico continuaria a ser mantido pela municipalidade.
Edith faleceu em 15 de setembro de 1967. A residência, o horto e outras benfeitorias foram incorporadas à Fundação Cultural de Blumenau, transformadas no Museu da Família Colonial e Parque Botânico Edith Gaertner.
O seu gosto pela natureza, as flores que alegravam o belo jardim e decoravam o interior da casa, os gatos – seus fiéis companheiros, a freqüência de passear no jardim, foram as imagens que Edith deixou registradas pela sua câmera fotográfica.
Blumenau a eternizou através de uma herma, que se encontra no espaço museológico do Museu da Família Colonial. Moldado pelo artista Miguel Barba, foi fundido em bronze em uma oficina de São Paulo. O pedestal, de granito lapidado, foi feito pela Marmoraria Haas, de Blumenau. Tem 1,60m de altura e o busto, 80 centímetros. A herma foi inaugurada em 15 de setembro de 1973.