Quando falar de flores é quase um crime

Por Daiana Schvartz*

“Was sind das für Zeiten, wo Ein Gespräch über Bäume fast ein Verbrechen ist”, Bertold Brecht

Tempos sombrios estes em que as casas legislativas atuam na restrição da democracia, promovendo a censura e o cerceamento da liberdade de expressão. O caso de Blumenau é sintomático, a cidade que foi precursora em diversas linguagens artísticas, teve há poucos dias um projeto de lei que dispõe sobre a “Proibição de exposição artística ou cultural com teor pornográfico, nos espaços públicos no município de Blumenau”. Apesar do autor da proposta, o vereador Almir Vieira (PP), já ter retirado o projeto, diante de sua evidente inconstitucionalidade, somente considerarmos a sua redação já expressa um ataque a democracia, liberdade de expressão e um insulto a obra e trajetória dos artistas de Blumenau.

Assim como seu projeto, a compreensão de Almir Vieira sobre o tema é simplista, pois entende por teor pornográfico todas as manifestações artísticas que expõem a nudez humana. O desrespeito aos artistas é tamanho que os considera incentivadores de pornografia por utilizar a nudez e o erotismo como forma de expressão. O vereador parece desconhecer que a nudez se fez presente ao longo de toda a história da arte, em diferentes sociedade e épocas, desde a Vênus paleolítica, passando pelos templos de Khajuraho, pelas gravuras japonesas, pela “A origem do mundo” de Courbet e até mesmo pelo “Abaporu” de Tarsila do Amaral, a imagem do corpo nu foi e é uma referência fundamental de expressão artística.

A cidade que o vereador Almir Vieira sonha é uma cidade sem as poesias de Lindolf Bell, sem as esculturas de Elke Hering, sem os desenhos de Nestor Jr, sem os romances de Gregory Haertel, sem o teatro de Carlos Jardim e Pepe Sedrez. Triste destino de uma cidade sem os seus artistas, cuja arte periga estar sob a tutela de falsos moralistas. Uma sociedade silenciada pela impossibilidade de expressar artisticamente a nudez e o desejo, é a mesma dos gritos contidos por uma violência misógina, abusiva e sádica às escondidas.

A cidade dos que pensam de forma totalitária, é uma cidade sem arte, justamente porque a arte é o espaço de liberdade mais importante que a humanidade criou ao longo de sua história. Não é à toa que em todos os regimes de exceção, buscam estabelecer os seus limites e perseguem seus artistas. Hoje lutar em defesa da arte é a tarefa mais urgente da democracia.

* Graduada em Artes Visuais pela FURB, Mestre em Teoria e História da Arte pela UDESC e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS.

O artigo é de responsabilidade da autora.

 

Pintura “Segundo Corpo”, realizada em 2012, pela artista plástica Daiana Schvartz.