Projeto Vila EnCantos e a proposta de criar escolas de músicas em todos bairros

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Em 2013 começou um projeto fantástico capitaneado pelo músico e atual Diretor de Cultura da Fundação Cultural de Blumenau, Carlos Schrubbe. Ele encarou começar o Vila EnCantos no distrito da Vila Itoupava, longe do centro, em um dos bairros mais enCantadores de Blumenau. O projeto é pessoal e começou antes dele assumir a pasta na Fundação.

Nesta entrevista, Schrubbe fala sobre a criação do projeto e seus novos planos para 2016. Ele pretende levar música de alta qualidade, através de aulas ministradas por grandes talentos, para todos os bairros da cidade. Um dado que chama a atenção é a dificuldade em conseguir recursos para a cultura. Confira a entrevista.

 

OBlumenauense: O que inspirou você a desenvolver o projeto Vila EnCantos?

Carlos Schrubbe: Sempre fui apaixonado por arte e música, mas sou formado como professor. Movido por essa paixão, comecei dando aulas na sala da minha casa no bairro Vila Itoupava, o que deixava minha mãe louca [risos]. Eu queria buscar um espaço maior, já que dentro do plano pedagógico que eu montei, uma das premissas é que os alunos aprendessem a ouvir música. Geralmente as pessoas entram e ouvem música em todo lugar, seja no carro, cozinha, tomando banho quando muitos até cantam. Mas ninguém para e realmente a ouve.

Assim eu promovi um concerto todo mês através de meus amigos, que são músicos de alto nível na cidade. Propus que eles se apresentassem com qualquer estilo musical, gratuitamente, ou pelo preço que eles cobram da mensalidade.

Isso tomou corpo e os familiares começaram a vir, pouco depois já tinham umas 500 pessoas. A partir daí fiz um plano de negócios e comecei a tratar o projeto como uma empresa. Isso tinha que gerar dinheiro. Então abri uma agência de artistas, com aqueles que passaram pelas três séries.

A primeira apresentação aconteceu em setembro de 2013 e a última encerramos no dia 29 de novembro do ano passado. Meu próximo passo é vender o trabalho deles pelo estado inteiro, fazer caixa e não depender somente do patrocínio dos concertos do Vila EnCantos.

Em 2015 dei passos maiores, porque parecia que alguns incentivos fiscais viriam. Por exemplo: iniciamos o ano com o concerto de Cristiane Roncaglio, que veio da Alemanha. Foi um grande concerto, inédito e histórico; que trouxe três expoentes da música mundial para Blumenau. Mas estou passando extremas dificuldades financeiras para conseguir patrocínio e até pagar algumas contas que eu tenho, porque as empresas não consideram a cultura como algo que dê retorno e até tem muita resistência.

 

OBlumenauense: Desde que começou até hoje, mudou alguma coisa na busca do entendimento da música como um investimento?

Carlos Schrubbe: Eu não tenho nenhum empresário, nem renda fixa no Vila EnCantos. O único retorno é dos agenciamentos que eu faço. Isso me permite ganhar algo encima de tudo que já foi investido no projeto.

Continua a resistência em dar dinheiro para a cultura. A única felicidade e orgulho, por isso que o projeto ainda existe, são as pessoas da Vila Itoupava, que após jantarem às 19h, vão ouvir Mozart, Bach ou jazz. Durante as apresentações há muita educação e silêncio. Eu sinto que gostam do que ouvem.

 

Apresentação do Jazzn' Loft Trio | Foto: Luís Carlos Kriewall Filho
Apresentação do Jazz’n Loft Trio | Foto: Luís Carlos Kriewall Filho

Geralmente falam que ninguém gosta da música clássica, porque é música de velho e chato. Isso na Vila Itoupava não existe, porque quando as pessoas tem acesso, elas param para ouvir músicas diferentes.

Um concerto de jazz que aconteceu no inverno de 2014, um dia frio, encheu de gente e todo mundo amou. É um estilo musical que por aqui [Vila Itoupava] quase não se ouve, já que é mais comum apreciarem as bandas com músicas alemãs.

 

OBlumenauense: De que forma você avalia a importância de investir em cultura?

Carlos Schrubbe: Existe o coeficiente numérico da cultura. Fundamentando de forma técnica a questão das finanças, vamos a um exemplo simbólico e bem fácil de entender. Tomando R$ 2,00 como exemplo, metade do dinheiro que o músico ganha em seu cachê, ele re-investe na sua educação e instrumento. Desse total, R$ 0,50 volta para o próprio negócio. E assim gira o ciclo, economicamente falando. Por fim, retorna cerca de 120% do que o investidor gastou institucionalmente.

Fazendo as contas, eu já empatei R$ 120 mil no projeto Vila EnCantos e estou no departamento de cultura da cidade. Então estou ganhando teoricamente 120% do meu investimento, através de um prêmio e outras coisas institucionais por investir em cultura.

A empresa não gasta 1 centavo para autorizar a sua renúncia através dos impostos, que retornam através de projetos culturais. Existem várias possibilidades e mesmo assim as empresas não compreendem isso e não investem. Cidades catarinenses tem muitos projetos culturais, como o FEMUSC (Festival de Música de SC) em Jaraguá do Sul ou a Casa de Cultura de Chapecó, que forma muita gente.

O elo de nossa sociedade é a cultura. Problemas como tristeza e depressão, também são resultado tanto da falta de investimentos na área, quanto da pouca presença das pessoas em eventos culturais. Talvez as pessoas economizariam mais em remédios.

 

OBlumenauense: Como tem sido a frequência do público durante os concertos?

Carlos Schrubbe: Em 2015 nós tivemos seis concertos. Eles geralmente começam em abril e terminam em novembro, sem falhar um mês. No ano passado deixamos de realizar apenas dois eventos. Em termos de público, somente o Gala Konzert reuniu 800 pessoas, enquanto o de menor participação, foi com Sérgio Lamarca, com apenas 50. Ele é um violinista do Rio de Janeiro que mora em Itajaí e foi o último a se apresentar no Vila EnCantos.

 

Espetáculo Gala Konzert, no dia 12/03/15 | Foto: Luciano Bernz

Mas artisticamente falando, foi um ano que o projeto movimentou muito a cultura em Blumenau. Mas aí acontecem problemas como empresas que prometeram patrocínio e não deram, mesmo depois do concerto realizado, como aconteceu em 2014. Quando vou cobrar o compromisso que a empresa assumiu, eles dizem que não tem dinheiro. Serei obrigado a pegar um empréstimo para poder pagar todo mundo. É lamentável. Uma cidade tão bonita como a nossa, que até os anos 70 e 80, manteve uma das orquestras de câmara mais respeitadas do mundo.

Eu, estando no mais alto cargo da cultura na cidade, me considero competente na gestão cultural, não consigo fazer com que esse quadro mude exponencialmente. Porque para pequenos eventos que fazemos com expertise administrativa, não há dinheiro.

 

OBlumenauense: Existe um projeto para transformar os vídeos que você gravou das apresentações em um DVD. Como ele será comercializado?

Carlos Schrubbe: Sim, quero produzir 2 mil cópias de um DVD com cada um dos 32 espetáculos apresentados na Vila EnCantos. Estamos falando de um investimento na ordem de R$ 300 mil, isso sem contar a edição do material, que são outros R$ 40 mil. É um dinheiro que eu não tenho.

Por isso vou escrever um projeto para a Lei Rouanet e conseguir os recursos, que envolvem várias questões, inclusive os direitos autorais das músicas. Mas o resultado final seria um acervo único que o Estado de SC teria de sua música,  que não existe ainda.

A qualidade da gravação será de HD, com qualidade de cinema e digitalização de estúdio. O trabalho mais difícil eu já fiz. Agora só falta transformar em DVD e comercializar.

 

OBlumenauense: Quais são os seus projetos para 2016?

Carlos Schrubbe: De janeiro à março, eu capto os recursos para viabilizar os concertos, quando em abril anuncio a agenda do ano inteiro. Mas meu objetivo nesse ano é principalmente educacional. Pretendo colocar aulas de músicas de alta qualidade, com preços acessíveis e professores de alto nível em todos os bairros da cidade. A ideia é criar orquestras por Blumenau, com meu acompanhamento e investimento.

 

OBlumenauense: Você já tem uma ideia do quanto seria esse valor da mensalidade?

Carlos Schrubbe: Hoje uma aula musical de alto nível custa em torno de R$ 350 mensais. Meu objetivo é viabilizar por R$ 100, o que representa menos de 50%.

 

OBlumenauense: Onde elas seriam ministradas nos bairros?

Carlos Schrubbe: O objetivo é que em cada clube de caça e tiro dos bairros, funcione uma escola de música durante a semana.