Os reféns da velocidade e a indústria de infratores

Foto: Marcelo Martins
Foto: Marcelo Martins

 

Por Márcia Pontes 

Falam-se muito na indústria da multa no país e não poderia ser diferente em Blumenau. Quase sempre as queixas vêm aqueles que já têm no prontuário de condutores algumas autuações e multas. Mas, o interessante disso tudo são as “desculpas” para tentar justificar o pé pesado: “o carro é potente e corre sozinho”, “nem percebi que estava correndo tanto” ou até quem culpe os fabricantes racionalizando que “se carros como esses foram feitos para correr e não podem correr, porque fabricam? ”.

Não ia ser difícil de acreditar que o motorista que abusa da velocidade ainda se sinta lesado e apele em seu socorro para o Código de Defesa do Consumidor. O fato é que o melhor redutor de velocidade que existe está dentro do carro e ao alcance do pé de todo motorista: o pedal de freio, sempre preterido pelo pedal direito.

Uma coisa são as reclamações e até fotos e vídeos que circulam pela internet mostrando alguns agentes (ou o que parece ser sempre o mesmo) escondido atrás de alguma coisa: pilastra, poste, cercas ou outros aparatos que tiram a visibilidade do que esteja fazendo ao manusear o secador de cabelo. Neste ponto os fiscalizados têm razão, não pode e não deve ser feito de acordo com a legislação. Já adiantando: não há necessidade de cone de sinalização de trânsito para as fiscalizações de velocidade!

Mas, como toda história tem dois lados, o que dizer de uma velocidade de 132 km/h, 129 km/h, 126 km/h e até 123 km/h em uma via em que a velocidade regulamentada é de 80km/h como a Via Expressa? Ou o dobro da velocidade: 120km/h na rua das Missões, em que o trecho com velocidade mais alta é de 60km/h? Que tal 118km/h na rua Bahia, em que velocidade máxima regulamentada é de 60km/h? O que você acha de 100km/h na rua Joinville, onde a velocidade máxima permitida é de 60km/h? Dirigir a 122km/h na rua das Missões não é mais do que o dobro do permitido? Como falar em indústria da multa nesses casos? Não está mais para indústria dos infratores do que indústria da multa?

 

Terra de ninguém!

Imaginem o país sem Código de Trânsito e as vias liberadas para velocidades absurdas, para os motoristas fazerem o que quiserem! Como será que ia ser? Se com a sinalização no solo, nas placas e suspensas como os semáforos já se vê absurdos, como seria se fosse tudo liberado à pampa? Certamente, o setor que mais iria crescer apesar da crise seria o de serviços funerários.

O fato é que para muitos condutores as ruas de Blumenau são território livre, terra de Marlboro, pistas de corrida e terra de ninguém. O seu carro roda em uma rua que fica dentro de um bairro, que fica dentro de uma cidade, que fica dentro de um país que tem legislação de trânsito específica e um Código de Trânsito que muda o tempo todo na tentativa de tentar coibir e punir os abusos. Nunca vi ninguém que respeitasse a velocidade da via ser autuado.

Quanto maior a velocidade, maior será o impacto da colisão, a gravidade e a letalidade, sobretudo para os pedestres, crianças e idosos. Além disso, quanto maior a velocidade, maior o chamado efeito túnel, que diminui o campo de visão do motorista.

A uma velocidade de 40km/h o campo de visão do motorista é de 100%. Ou seja, ele consegue ver tudo e perceber todos os estímulos do ambiente enquanto dirige. O aproveitamento do parabrisas é total. Já a 70km/h, o campo de visão é reduzido para 75%. Isso Significa que um pedestre caminhando na calçada que poderia ser visto por inteiro a uma velocidade de 40km/h já não será percebido pelo motorista com tanta facilidade assim.

A 100km/h o campo de visão do motorista cai para 45%. Ele já não percebe tanto os estímulos, não consegue ver as placas de sinalização de trânsito ou uma criança ou animal que atravesse a rua. O pedestre caminhando na calçada nem será visto.

Já a 130km/h o campo de visão do motorista cai para um ângulo de 30 graus. Ou seja, ele mal vê o que acontece à sua frente. Só enxerga um tantinho em linha reta, o que diminuir as suas atitudes preventivas ao volante. Tentar evitar um acidente a uma velocidade dessas é muito difícil por mais que o condutor seja daqueles que tenha mais braço do que um polvo. Dirigir não é no braço, é nos pedais e na consciência.

Hoje, na cidade, não dá para traçar um perfil do motorista que tem o pé pesado: há desde o garotão que mal saiu da autoescola e corre se sentindo habilitado porque já fazia isso antes; há o empresário que curte o importado evoluir “naturalmente”; há o habilitado e o não habilitado. Há os que fazem racha na rua Engenheiro Paul Werner, rua 7 de Setembro, das Missões ou qualquer outra. Há mulheres que afundam o pé de salto ou sem salto. Não tem hora para abusar da velocidade com exceção da hora dói rush, quando todo mundo fica parado e agoniado no trânsito que não anda. Quando começa a andar, recomeçam a correr.

Se o agente estava escondido no mato, atrás de placa, de poste ou debaixo da terra, prove isso na sua defesa de autuação e depois no recurso nas 3 instâncias que lhe são de direito. Junte as provas e abra um protocolo na Praça do Cidadão, no Seterb e no Ministério Público. Peça no balcão do Seterb a documentação com a data de aferição do radar eletrônico, que deve ser com data de validade de 12 meses. Se a aferição estava vendida à data da sua autuação, recorra e ganhará este round.

Mas, por favor, não seja hipócrita ao ponto de pisar fundo além da velocidade permitida na via, ser flagrado por um equipamento aferido e depois ficar fazendo beicinho com essa chorumela de indústria da multa esquecendo-se da indústria de infratores que a alimenta.

Vamos lá, motoristas de Blumenau: vocês nasceram e vivem em uma cidade de gênese industrial. Sabemos muito bem por aqui, como se acaba com uma indústria. Principalmente, parando de fornecer matéria-prima. Quer deixar de colocar seu rico dinheirinho na caixa preta… ops…. nos cofrinhos do Seterb? Então comece a boicotar o que você insiste em chamar de indústria multa e a usar o melhor redutor de velocidade que existe e que está bem ao alcance de seu pezinho de chumbo: o pedal de freio.

Porque fazer o velocímetro chegar a 122km/h em uma via de 60km/h está mais para a indústria dos infratores do que indústria da multa. E olha que não são casos isolados!

 

Relatorio_velocidade_10jan-31dez_2015