Os desafios e dilemas do mundo digital que afetam a sociedade e os negócios

 

Entrevista, texto e foto: Claus Jensen

Há algumas semanas atrás, Walter Longo, Presidente do Grupo Abril, esteve em Blumenau para uma palestra. Participei do evento e aproveitei para conversar com esse profissional que tem uma larga experiência em publicidade e comanda um dos maiores grupos de comunicação da América Latina.

O que mais me surpreendeu é a simplicidade e humildade, escondidos atrás de uma mente genial, como você poderá conferir nesta entrevista muito interessante. Walter fala sobre tendências da sociedade e como um grupo que nasceu do papel consegue crescer no mundo digital. Uma excelente leitura para todos, em especial aos empreendedores, e quem trabalha com marketing, publicidade e internet.

OBlumenauense: Qual é a previsão dessa relação entre as empresas e o consumidor da era digital?

Walter Longo: Toda vez que há um movimento disruptivo na sociedade, grandes mudanças ocorreram. O mundo digital, que de certa maneira começou há 20 anos atrás, mudou tudo, não somente uma área ou outra. Mudaram as relações, os processos, o jeito de aprender e se comunicar. De forma genérica, a mudança mais importante foi a democratização do conhecimento. Qualquer pessoa no mundo, pode ter acesso a biblioteca nacional do congresso de Washington ao toque de um botão.Algo para comemorarmos com fogos, como se faz no Epcot Center da Disney. Mas nós não paramos para pensar como isso muda ou deveria mudar tudo.

O contraponto, é que se temos acesso a todo conhecimento do mundo, nós não estamos utilizando essa “benção”. Estou escrevendo um livro chamado Trilema Digital, que discute os fenômenos que ocorrem, frutos dessa maravilha que foi o acesso indiscriminado e democrático a todo conhecimento humano. Esse trilema está baseado, não nas coisas boas, mas nas preocupações que temos que ter no mundo digital.

 

 

O Trilema são três fatores, em que o primeiro se chama exteligência. Quando analisamos o mundo hoje, eu lembro que quando nós éramos pequenos, nós guardávamos tudo que sabíamos na nossa cabeça. Lembrávamos dos elementos de Mendeleev na química, os rios que banhavam a Mesopotâmia, as pirâmides do Egito, a carta de Pero Vaz de Caminha, porque tudo estava gravado em nossa cabeça. Com isso os neurônios faziam sinapses, que geravam ideias, insights e novos conceitos. Na sociedade atual, já que eu tenho tudo ao toque de uma mão, não guardo mais em minha mente, para deixar todo o conhecimento humano na nuvem, no celular e computador.

Na nossa época, tínhamos menos conhecimento mas ele estava fervilhando. Agora está remotamente guardado para quando eu precisar e enquanto não acessá-lo, deixo de gerar insights e ideias. Com isso estamos mais exteligentes enquanto rede e sociedade, e menos inteligentes como indivíduos.

Isso acaba afetando em muito o que chamamos de indigência cognitiva. 88% do que é consumido na internet é puro divertimento. Não é conhecimento, nem informação ou estudo. A internet torna os inteligentes mais inteligentes e os estúpidos mais estúpidos, gerando quase uma inequalidade cognitiva, que vai gerar uma inequalidade social. Não será mais uma divisão da sociedade entre os ricos e pobres; negros e brancos; e sim curiosos e descuriosos. Pessoas que entram na internet para não saber nada, somente para ficar twittando ou replicando aquilo que acham que as pessoas irão gostar. Esse é um primeiro grande desafio.

O segundo é chamado de tribalismo. Quando eu era pequeno e meu pai assistia música clássica na televisão, eu ficava com raiva. Mas não tinha outra opção senão assistir, porque era a única coisa que eu tinha para fazer em casa. Com isso eu aprendi a gostar e hoje tenho a assinatura da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), além de ganhar um novo prazer na vida.

Às vezes tinham na sala da casa umas seis ou cinco pessoas, assistindo o jogo do Palmeiras e São Paulo, e apesar de ser corinthiano, eu assistia porque todo mundo queria ver. Assim aprendi a ter prazer em ver o esporte futebol. Se eu via um cara de esquerda e direita conversando, apesar de ser direita, sabia que o outro tinha no seu ponto de vista algo de interessante. Eu trabalhava muito no contraditório, com algo que eu não queria. Ou seja, a sociedade de massa que nós vivemos, nos entregava aquilo que queríamos e não queríamos. Isso fez com que eu revisasse meus conceitos e paradigmas.

No mundo digital, nós só assistimos o que queremos, só seguimos quem concorda conosco, só ouvimos as músicas que gostamos, e com isso entramos na era do tribalismo. Estamos cada vez mais divisionistas, segregacionistas, sectários, enquanto o mundo está exigindo a aceitação das diferenças.Esse é o segundo dilema do mundo digital. Como vamos resolver a questão do conhecimento cada vez mais global com um comportamento tribal.

A terceira característica do trilema é o chamado compartilhamento. As novas gerações, principalmente os milênios, estão deixando de consumir. O bonito agora é compartilhar tudo. Consertar, construir, trocar e não mais comprar. Há um desprezo por ter marcas, carros, em que o importante não é ter, e sim ser!! Eu acho isso lindo, socialmente falando. Melhor para a saúde do planeta. Mas economicamente falando, ainda não encontramos um modelo de negócios para substituir o atual, baseado em vendas e evolução. Nós temos um grande dilema pela frente: até que ponto a evolução social encontrará um modelo econômico compatível com esse modo de pensar?

Esses três fenômenos sociais são preocupantes, mas eu sou um otimista e acredito que vamos encontrar uma saída. Só não sei qual é. Normalmente toda vez que o mundo enfrenta um problema que parece insolúvel, logo encontra-se uma solução. Isso porque o problema sempre vem antes da solução. Agradeço imensamente aos “arautos do Apocalipse”, porque são eles que nos alertam para os problemas que virão.

 

 

OBlumenauense: De que forma esse mundo digital ameaça as revistas impressas, que foi por onde o grupo Abril cresceu?

Walter Longo: O Grupo Abril é muito diversificado. Temos as revistas, sites, blogs; as áreas de eventos, exposições (como Casa & Cor), a maior gráfica da América Latina; a segunda maior empresa de logística depois dos Correios, um Big Data com 40 milhões de nomes, etc… Para uma empresa tão diversificada como essa, procurei criar um conjunto de crenças para orientar as ações de todas essas unidades, empresas e departamentos. Isso permite aos 1.500 colaboradores, ter uma noção não somente do que, mas do porquê eles devem fazer. Toda vez que formos desenvolver um novo conceito, projeto ou produto, nós filtramos pelas crenças para avaliar se aquela ideia está indo de encontro à essas crenças.

A primeira delas é que a migração para o mundo digital vai se dar pelo mecanismo de adição e não de substituição. Caberá ao digital responder as grandes perguntas de “ok e quando”; permitindo uma curiosidade mais genérica e diversiva. Ao papel, caberá responder o porque e como, para uma curiosidade mais epistêmica e profunda. Cada área dessas está em uma direção.

No caso do mecanismo de adição, a Veja cresceu em circulação e hoje tem 1,2 milhão assinantes, o site com 20 milhões de visitantes únicos, o Goread, distribuído com outras revistas que tem 300 mil assinantes, além do aplicativo, seminários, etc…

A segunda crença, é que Abril não é uma casa de mídia, e sim uma casa de marca (house of brand). Em cada uma posso desenvolver um sem número de projetos e negócios diferentes. A revista Exame é um epicentro de um ecosistema de outras coisas, seja oferecendo cursos de mentoria, educação a distância, Melhores & Maiores, seminários e eventos, aplicativos e outras coisas. Ela deixa de ser somente uma revista da editora Abril e passa a ser do grupo Abril, com muitas marcas, ou seja, uma house of brand.

A terceira crença, é que nós podemos e devemos ganhar dinheiro, não apenas na mídia, mas através dela. Ou seja, a mídia pode ser não só uma atividade fim, mas uma atividade meio também. Hoje nós desenvolvemos dezenas de novos projetos, onde eu uso toda a divulgação que eu tenho todo o poder, e ganho dinheiro nos negócios. Temos desde feiras, eventos e exposições, passando por produtos que nós vendemos e licenciamento de todas as nossas marcas. Ou seja, divulgo nas notícias o que eu faço, com isso consigo ganhar dinheiro no negócio e não necessariamente na mídia, como já faz o Sílvio Santos com o Baú da Felicidade e a Jequiti.

A quarta crença, é que devemos desenvolver dentro da empresa uma cultura autoral, sendo o protagonismo do artesão do conhecimento. Isso é algo que o mundo digital trouxe de novo. Há pouco tempo atrás, ninguém sabia quem era o editor da revista Elle, Cláudia, Exame; e achamos que isso estava errado. As pessoas mal sabiam quem era o dono e presidente das empresas. Hoje todo mundo sabe quem é o (Mark) Zuckeberg do Facebook e o Elon Reeve Musk da Tesla (PayPal e SpaceX). Então quero que a editora da Elle tenha mais seguidores no Instagram do que a revista. Quero que ela faça eventos, seminários, programas de TV, virando uma celebridade com a revista, não somente uma “pessoa” escondida atrás dela.