Os acidentes com carretas, velocidade excessiva e cuidados preventivos

Por Márcia Pontes, Especialista em Trânsito

Os últimos dois dias (17 e 18/01/17) foram marcados pelos acidentes envolvendo carretas, veículos grandes, que pesam toneladas e precisam de mais tempo para fazer uma parada suave, imaginem uma parada de emergência. Falamos muito em excesso de velocidade, quando os motoristas trafegam acima  permitida na via, mas pouco falamos e explicamos sobre a velocidade excessiva, aquela em que, mesmo trafegando abaixo da permitida, o motorista coloca movimento demais no carro de acordo com as circunstâncias.

Nesta terça-feira (17) duas carretas colidiram próximo a uma lombada eletrônica em Apiúna, justamente onde os motoristas são forçados a diminuir a velocidade.

 

 

Algumas horas depois, duas mulheres de 22 e 35 anos foram prensadas contra duas carretas; um vídeo gravado pelas câmeras de uma empresa que já registrou muitos outros acidentes no trevo da Dudalina mostra nas imagens que a carreta da frente para, o Celta se aproxima e para atrás; segundos depois uma carreta vem se aproximando sem controle e prensa o veículo.

 

Foto: PRF Blumenau

 

Pelas redes sociais os comentários foram de comoção e revolta. Mas alguns dando a entender e questionando o porque da condutora não ter feito uma manobra evasiva para o acostamento. Como sempre, quem está de fora tem solução para tudo, ignorando as características dos veículos, dos condutores e as Leis da Física que determinam conceitos fundamentais de velocidade e inércia.

 

Carretas exigem mais cuidados dos motoristas

Enquanto um veículo de passeio chega a pesar cerca de pouco mais de 3 toneladas, uma carreta pesa cerca de 33 toneladas. Uma carreta de 2 eixos, por exemplo, tem, tanto o cavalo mecânico quanto o semi-reboque dois eixos cada e um comprimento em torno de 18 metros. São mais pesadas, levam mais tempo para frear, quase o dobro do que um veículo de passeio leva. Carregadas então, tem-se a soma do peso da carreta mais a velocidade jogando o veículo para a frente mesmo durante a frenagem.

 

 

Isso faz aumentar a distância de frenagem e de parada total do veículo, o que vai requerer do motorista ainda mais cuidado: pisar no acelerador como se pisasse numa casquinha de ovo e treinar bem o pé para utilizar o freio e as mãos para evitar uma tragédia maior. Quando uma carreta quando tomba, ela o faz em L, onde o semi-reboque sai da trajetória, vai para a contramão ou acostamento e vem arrastando tudo que vê pela frente. O próprio cavalinho ou cabine da carreta é empurrado enquanto o motorista tenta frear.

As aulas de perícia em acidentes de trânsito tanto na graduação em Segurança no Trânsito quanto na especialização em Planejamento e Gestão do Trânsito eram as preferidas de toda a turma que se formou e se especializou junto comigo. Conteúdo casado com direção defensiva, que na Europa já evoluiu nas grades curriculares para Direção Preventiva, nos levava a investigar para tentar compreender as causas do acidente.

Carretas e veículos maiores e mais pesados precisam de mais tempo para parar completamente. Fato. Se estiverem carregadas, precisarão de mais tempo ainda.

Quando o motorista tenta frear ele deixa marcas de pneus no asfalto e em uma manobra evasiva tenta com as mãos no volante “tirar” o veículo da trajetória da rota de colisão. Naquela colisão da Dudalina a carrega montou sobre o Celta.

No filme que circula em redes sociais vemos que depois que o Celta parou e ficou aguardando a vez de seguir a carreta já vem arrastando e prensando o veículo menor. Velocidade excessiva? Muito movimento para um veículo pesado diante das circunstâncias? Porque o tempo de parada total não foi menor? E o tempo de reação desde que o condutor avistou o veículo parado e colocou o pé no freio para iniciar a frenagem?

Evidentemente, só uma perícia feita por técnicos com formação para isso irá revelar as causas, mas o fato é que as leis da Física não enganam.

De tudo o que li em uma tragédia dessas,  foram alguns motoristas questionando ou até criticando o porque da motorista do Celta não ter tirado o carro para o acostamento. Pura lei da Física, meus caros, aquela que os condutores não levam em conta quando dirigem acima da velocidade permitida ou mesmo em baixa velocidade. Não cabe culpar a motorista por não ter feito o que, na teoria, muitos fariam.

Primeiro, o Celta estava parado, em inércia total. Jamais você vai esperar que uma carreta venha sem frear na traseira do seu carro. A carreta vinha em uma dada velocidade e a frenagem indica ter sido tardia. Se você vai atravessar uma rua como pedestre em velocidade de 2km/h ou 5km/h que seja e vem um carro a 60, 50 ou até 40km/h, é cientificamente óbvio que o carro chegará a colidir com o pedestre, ainda mais se por algum motivo o motorista não freou como deveria. Até que a condutora percebesse a chegada da carreta em velocidade excessiva, colocasse a primeira marcha e iniciasse o movimento rumo ao acostamento, sairia de uma inércia para uma manobra de fuga e talvez não evitasse o acidente.

Se o condutor da carreta tivesse percebido antes a fila se formando e aliviado no freio para fazer a entrada suave na fila, pararia a tempo.

 

Cuidados básicos

Velocidade excessiva e excesso de velocidade são temas que abrem as minhas palestras de Direção Preventiva nas empresas, geralmente contratadas pelos gestores de frota. Peso Total Bruto do Veículo, velocidade, reflexos, percepção visual e auditiva, distância de frenagem, o quanto frear e posição das mãos para uma manobra de fuga são conceitos e práticas que norteiam todo o conteúdo.

Para condutores parados em filas de congestionamento, manter a distância segura do veícul0o da frente já contando com uma manobra evasiva de emergência, ficar ligado nos retrovisores de fora e de dentro são apoios importantes para perceber um veículo vindo em sua direção com velocidade excessiva e tentar buscar a fuga.

Muitas vezes, colocar o veículo em ponto morto e deixar o freio de mão puxado atrasa uma manobra de fuga. Ficar com o carro engatado na primeira marcha e deixar o carro no ponto de saída ideal apenas levantando o freio para ele começar a se mover antecipa a manobra evasiva.

Temos de levar em conta o tempo de CNH dos condutores, a perícia, a habilidade, os conhecimentos de direção preventiva que tem e não só os teóricos, mas também a prática, os treinos simulando diversas situações em ruas mais calmas.

Não é à toa que a parte de Normas de Circulação e Conduta do CTB determina que os veículos maiores devem cuidar dos veículos menores e todos juntos pela segurança dos pedestres.

Nunca tente ultrapassar uma carreta na rodovia e, se puder, mantenha-se longe delas. Evite trafegar com veículos menores entre carretas e caminhões para evitar o efeito sanduíche. Na hora de parar numa fila já venha “puxando” no freio, freando bem de longe para dar tempo de o condutor de trás perceber se estiver distraído. Pelo retrovisor de dentro fique de olho nele e se for necessário, faça a manobra evasiva.

Não se distraia com pensamentos, com celular, com o rádio do carro, com a paisagem ou mesmo conversando com o carona: olho vivo em quem vem se aproximando atrás.

Nas rodovias, trafegando, existe um empuxo que tende a sugar motos e motonetas ou até carros menores para debaixo da roda das carretas; se for na parte da frente, trafegando ao lado da cabine dos caminhões e carretas, a tendência é a força jogar para a contramão ou acostamento. Cuidado!

Quanto ao processo de formação de condutores, capenga e que não forma como deveria, essas são questões a serem abordadas com profundidade e exemplos. A sociedade está carente de condutores preventivos, mas se estes não forem devidamente formados, atualizados, tragédias continuarão a ser chamadas de “fatalidade”, como algo que não se pode prever e evitar. Cada um fazendo a sua parte e dirigindo como se tudo fosse dar errado reforça os cuidados e prevenção.

Sair de casa de manhã bem cedinho se perguntando o que vai fazer hoje para não se machucar e não machucar os outros no trânsito também evita acidentes.

 

Obs: o texto é de responsabilidade de Márcia Pontes.