Obras de Elke Hering são expostas no Instituto Collaço Paulo, em Florianópolis (SC)

A exposição traz uma nova abordagem analítica das obras de uma artista ousada, que desafiou os paradigmas em um contexto pouco receptivo à criação vanguardista.

Elke Hering | Foto: acervo familiar

A genialidade da desenhista, pintora, gravadora e escultora Elke Hering está reunida em uma mostra em Florianópolis. Na quinta-feira (20/07/23), a vitalidade dessa artista blumenauense é resgatada pela pesquisadora Denise Mattar na exposição “Elke Hering – Metamorfoses”, que contou com a consultoria de Daiana Schvartz.

Quem estiver pela capital catarinense, pode ver os seus trabalhos entre às 13h30 e 18h30, no Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação. A iniciativa dá visibilidade à arte feminina e marca o primeiro ano do espaço inaugurado em 31 de julho de 2022.

A exposição traz uma nova abordagem analítica das obras de uma artista ousada, que desafiou os paradigmas em um contexto pouco receptivo à criação vanguardista. Suas obras dialogam com as expressões artísticas e intelectuais de sua época.

Construção de uma exposição

Marcelo Collaço Paulo, Jeanine Gondin Paulo e Rafaela Hering Bell, filha de Elke, estabeleceram uma parceria de anos para concretizar a inauguração da mostra. Obras, conseguidas em São Paulo e Santa Catarina, compõem o acervo do casal. Através de conversas, buscas incessantes por material e a disponibilização do maior número possível de trabalhos, o acervo que agora se apresenta é fruto deste encontro. “Nasce uma exposição da conjugação do amor da filha por sua mãe e obra, e a obstinação dos colecionadores”, diz Marcelo.

Rafaela lembra que conheceu o casal de colecionadores Marcelo e Jeanine, há alguns anos. “Quando ele começou a falar sobre a criação do Instituto Collaço Paulo e da possibilidade de uma exposição de minha mãe, nos unimos em prol de conseguir obras de peso. Garanto que essa exposição será a mais completa e fascinante dos últimos anos, por conter muitas fases da obra de Elke. Os espectadores ficarão surpresos com a trajetória dessa artista tão completa que foi a minha mãe. Minha gratidão”, afirma ela.

Cartão, técnica mista, década de 1970 | Foto: Eduardo Marques

Permanente movimento

A vasta experiência da curadora Denise Mattar, com conhecimento do modernismo brasileiro e um currículo que inclui atividades nas principais instituições do Brasil, possibilitam uma oportunidade única de análise e legitimidade.

A mostra reúne 75 trabalhos, apresentados em sete núcleos:

  • A Descoberta (1956-1957)
  • Tempos Difíceis (1958-1960)
  • Novos Ares (1962-1963)
  • Alemanha Outra Vez (1966-1967)
  • Pop Art (1968-1975)
  • Corpos e Fragmentos (1978-1986)
  • Luz! (1986-1994)

A exposição traz um conjunto expressivo de esculturas, desenhos, aquarelas e pinturas em diversas técnicas. Segundo Mattar, as obras demonstram a associação contínua entre vida e personalidade, transitando entre força e fragilidade, beleza e dureza, frieza e calor. Na produção escultórica, há alternância entre elementos como ferro duro e retorcido, pele plástica e colorida sobre volumes macios, organicidade da madeira e rigidez do cimento, bem como corpos fragmentados de bronze com o brilho e o mistério do cristal.

O Labirinto, década de 1980 | Foto: Eduardo Marques

No conjunto dos trabalhos, criados entre 1956 e 1994 no Brasil, nos Estados Unidos e na Alemanha, a poética de Elke envolve representações em que o corpo ocupa uma centralidade. Boa parte de suas imagens evocam o corpo como expressão de um lugar ou de um sujeito, no caso, apontam para uma base de autoconhecimento, de busca de identidade, ou seja, a construção de si mesma diante dos embates existenciais.

Trata-se, portanto, não de um ativismo pró-feminista, mas sim de obras que friccionam a própria alteridade, associadas à pesquisa constante sobre as correntes artísticas do seu tempo. A exposição é elucidativa sob o ponto de vista biográfico, demonstra os percursos geográficos e resultado de suas experiências transnacionais. Sobressai nesta trajetória o pleno domínio do desenho, do sentido da cor, da forma e do espaço que se concretiza numa produção que se faz conhecer melhor no Instituto Collaço Paulo.

Tinteiro, 1972 | Foto: Eduardo Marques

Entre algumas curiosidades da mostra estão “Tinteiro”, realizada em 1972 com plavinil, uma fase que remete à arte pop e, pelas cores, ao modernismo brasileiro, seis pequenas esculturas em cristal, e a rara escultura “Figura No 1”, que integrou o 22º Salão Paranaense que está no núcleo Novos Ares, do período em que a artista esteve na Bahia nos anos 1960.

Casal, década de 1980 | Foto: Eduardo Marques

No uso do mármore, do ferro, do plavinil, da madeira, do bronze, do chumbo, do cristal, das tintas – não importa a materialidade, o certo é que a exposição oferece uma inédita oportunidade para conhecer o segundo núcleo de arte catarinense mais importante da Coleção Collaço Paulo, que dá sentido social ao Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação.

A curadora Denise Mattar, que vive em São Paulo, põe sua expertise para instaurar um outro pensamento sobre Elke Hering, alinhando vida, obra e trajetória dentro do circuito de arte brasileira. A exposição pode surpreender os visitantes.

O resultado da pesquisa curatorial, conceitos, expografia e montagem apontam a consistência de um conjunto de trabalhos que se abrem para reflexões sobre a arte no plasma da alteridade feminina – um tema caro nos dias atuais.

Série Floração, década de 1970 | Foto: Eduardo Marques

Elke Hering (1940-1994) – Breve Biografia

Elke Hering nasceu em Blumenau no ano de 1940 e começou os seus primeiros estudos artísticos em 1957. Entre 1958 e 1960, estuda na Academia de Belas Artes de Munique, Alemanha, onde tem como professor Anton Hiller (1893-1985) e recebe menção honrosa.

Ao voltar para o Brasil decide, em 1962, estudar escultura em Salvador (BA), com Mário Cravo Jr. (1923-2013). Em 1965, conquista o primeiro prêmio de escultura, no 1º Salão Pró-Arte Nova de Blumenau e no Salão Paranaense de Belas Artes, Curitiba (PR). Em 1966, retorna a Munique.

Em 1970, com o marido, o poeta Lindolf Bell (1938-1998), funda a Galeria Açu-açu, espaço emblemático no campo da cultura da cidade e de Santa Catarina. Elke deve ser pensada também como alguém que ativa inúmeros encontros, reflexões e debates que estimulam jovens criadores.

Em 1984, inaugura o Ateliê Elke Hering, onde dá vazão ao seu refinado pensamento estético e estrutura uma carreira de êxito nacional e internacional. Participa dos mais importantes certames de artes visuais, em mostras individuais e coletivas, realizadas em São Paulo (SP), no Rio de Janeiro (RJ), Curitiba, entre outras cidades. Ao morrer, em 1994, deixa um valioso legado. Um expressivo volume de trabalhos – desenhos, pinturas e esculturas – hoje integra a Coleção Collaço Paulo.

No início da década de 1990, ela foi diagnosticada com câncer de mama. No dia 19 de fevereiro de 1994, Elke morreu aos 53 anos, deixando eternizado o seu legado. Quatro anos depois, em 10 de dezembro, foi a vez do timboense Lindolf partir aos 60 anos, sendo até hoje um dos poetas mais citados na Literatura Catarinense. Do amor do casal Hering Bell, nasceram os filhos Pedro, Eduardo e Rafaela.

Equipe Técnica

  • Curadoria, expografia e textos: Denise Mattar
  • Assistente de curadoria: Felipe Barros Brito
  • Consultoria: Daiana Schvartz
  • Colaboração: Rafaela Hering Bell
  • Produção: Francine Goudel
  • Coordenação de acervo: Cristina Maria Dalla Nora
  • Montagem: Flávio Xanxa Brunetto
  • Material educativo: Joana Amarante e Ana Martins
  • Cenografia: Guilherme Isnard
  • Revisão e edição de textos: Néri Pedroso
  • Material gráfico: Ana Lucas
  • Fotografia: Eduardo Marques
  • Acervo Rafaela Bell

Exposição “Elke Hering – Metamorfoses”
Data: de 20 de julho a 2 de dezembro de 2023
Horários: seg/sex – 13h30 às 18h30 | Sáb – 10h30 às 15h30
Local: Instituto Collaço Paulo – Centro de Arte e Educação
Endereço: Rua Desembargador Pedro Silva, nº 2.568, no bairro Coqueiros, em Florianópolis (SC)
Acesso: gratuito