Na queda de braço entre o estado, o Detran e o Seterb, a população paga a conta

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Por Márcia Pontes, Educadora de Trânsito

Na verdade, o título desse post deveria ser: “quando o que é ruim fica pior ainda”, por diversos motivos, e o principal deles é que nessa disputa sobre quem fica com mais dinheiro da arrecadação das multas, a população se estrepa, fica desguarnecida, a descoberto, ainda mais desprotegida. No país em que acidentes de trânsito ferem, sequelam e matam milhares de pessoas, mais do que as guerras do Oriente, mais do que o câncer e todas as doenças vasculares juntas, uma queda de braço entre Detran e órgãos executivos de trânsito de 70 municípios catarinenses impede os agentes de trânsito de autuarem os condutores por infrações de competência estadual.

O termo de convênio não foi renovado por questões de divisão de percentuais de arrecadação de multas. As consequências disso para a população? Vamos detalhar para que o nosso leitor entenda que a questão não se resume só ao preenchimento de um bloco de multas, mas afeta, sobremaneira, a própria segurança pública em Blumenau e no estado.

Vejamos a situação em nossa cidade: Blumenau é o terceiro dentre os 295 municípios catarinenses com mais mortes e outras violências relacionadas ao trânsito. Diariamente e a qualquer hora não são poucos os motoristas embriagados que provocam acidentes. O efetivo da GMT está desfalcado, não dá conta: por conta disso nunca tivemos fiscalização da Lei Seca, os condutores bebem e continuam dirigindo porque nada temem. Até as operações conjuntas entre GMT e PM diminuíram sensivelmente ou desapareceram. O sentimento de impunidade paira dentre aqueles que seguram o copo em uma mão e a chave do carro na outra.

É público e notório que há anos o efetivo da PM também é baixíssimo para Blumenau e Vale do Itajaí (e no estado é o menor nos últimos 4 anos), somado aos roubos, furtos, invasões de domicílios por bandidos e ladrões de todo o tipo. Eles são impiedosos: atiram por nada, assaltam à luz do dia, amordaçam e torturam idosos. O efetivo da Polícia Civil também não fica atrás e o trabalho que fazem chega a ser heroico para dar conta das investigações, diligências e prisões.

A acidentalidade em Blumenau sempre foi maior do que se divulga: mais próxima de acompanhar o dia das corporações, é a todo o momento acidente aqui, acidente ali, acidente acolá. Bombeiros, socorristas, médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde vivem pulando na chapa quente para atender vítimas de trânsito e pessoas que adoecem por causas naturais. E para piorar as coisas que já estavam tão difíceis, uma queda de braço entre o Seterb e o Detran consegue deixar tudo ainda pior em Blumenau. O round se repete em mais 69 municípios.

 

Entenda a necessidade de convênio com o Detran

As infrações de trânsito têm competências bem definidas na esfera federal, estadual e municipal: só quem pode autuar as infrações em rodovias federais é a Polícia Rodoviária Federal; nas rodovias estaduais e nos municípios, as infrações na esfera estadual só são lavradas pela Polícia Militar; os municípios, representados pelos agentes de trânsito, só podem lavrar as infrações relativas a circulação, estacionamento e parada. Para que os agentes de trânsito possam autuar as infrações de competência estadual, ou seja, da PM, é exigência ser integrado ao Sistema Nacional de Trânsito (e Blumenau é) e celebrar termo de convênio com o Detran.

Desta forma, os agentes de trânsito são autorizados a autuar todo o tipo de infração enquanto a PM pode desviar o foco de sua atuação mais para as questões de segurança pública: leia-se, correr atrás de bandido. Por isso, a importância da municipalização e das guardas de trânsito, porque nos municípios de trânsito não municipalizados quem faz tudo sozinha é a PM: corre atrás de bandido e autua os condutores infratores.

Até então, estava tudo certo, até que o estado, por meio do Detran, resolveu mexer no percentual da “divisão” das receitas arrecadadas com multas por radares eletrônicos.

 

Entenda o impasse

O que se sabe desse novo bendito termo de convênio que ninguém divulga é por outras fontes, já que as fontes oficiais não se pronunciam, não mostram o novo texto e mesmo sendo informação de interesse público alegam que “não podem divulgar”.

Lê-se em alguns dos principais jornais do estado com circulação em Joinville que o estado manteria 80% para si e 20% do faturamento bruto (e não mais líquido) com a arrecadação de multas iriam para a PM e Polícia Civil. Em outros, se lê que a arrecadação de multas para os municípios baixaria para 70% e 30% para o estado.

Na primeira versão das notícias, até então, de todas as multas aplicadas com radares, 80% ficava com o Detran e os outros 20% ficavam para as polícias Civil e Militar, já descontados o pagamento do aluguel dos radares, das despesas postais e bancárias, dentre outros gastos. Ou seja, tirava-se os gastos todos desses 20% e o que sobrava ia para a PM e Polícia Civil em cima do faturamento líquido.

Agora a coisa teria mudado de figura: o texto do novo contrato manteria os 80% para o Detran sem nenhum “desconto”, só que o cálculo dos 20% para as duas polícias seriam calculados em cima do faturamento bruto, do valor integral arrecadado, sem os descontos do parágrafo anterior. Aí os municípios berraram e se recusaram a assinar o novo termo de convênio alegando prejuízos.

 

PM e GMT têm atuações separadas

Se antes, com o convênio mantido, PM e GMT já não conseguiam trabalhar juntas nas operações de fiscalização por falta de efetivo, agora danou-se! Cada corporação trabalha separada e a GMT não pode mais autuar as infrações de competência estadual.

Infrações gravíssimas como dirigir ou entregar o veículo a pessoas sem ter CNH ou permissão para dirigir ou cassadas; com categoria de habilitação diferente; com CNH vencida a mais de 30 dias; sem usar óculos ou lentes; dirigir embriagado ou sob efeito de entorpecentes ou entregar a direção do veículo a pessoas sem condições de dirigir são infrações típicas estaduais e a GMT não poderá mais autuar.

Fazer manobra perigosa com o veículo, não prestar socorro às vítimas; portar placas diferentes ou alteradas; usar luz alta; som alto; sem placas ou com lacre violado; em mau estado de conservação; com defeito na iluminação; sem documentos de porte obrigatório; com licenciamento vencido; CNH falsa; luz de placa queimada; dirigir com crianças ou animais no colo ou à sua esquerda; de chinelos e dirigir com apenas uma mão são exemplos de infrações que a GMT não poderá mais autuar o condutor. Mas…. para quem pensa que a bandalheira está instaurada, engana-se: o agente de trânsito flagrando a infração, tem que acionar a PM para que os militares venham e façam a autuação.

De novo a questão financeira relacionada aos valores arrecadados com multas que está travando a assinatura do termo de convênio: antes, de todo o dinheiro que o município arrecadava com multas aplicadas pelos agentes, 70% ia para o município e 30% para o estado. Agora, tudo o que for arrecadado com multas aplicadas pelos radares e pelos agentes fica para a prefeitura. O que a PM autuar, fica para o estado.
Veículos que a PM apreende não podem ir para o depósito da prefeitura

Além do problema do excesso de tarefas (correr atrás de bandido e lavrar multas de trânsito que antes a GMT poderia fazer), a PM está às voltas com nova dor de cabeça: o que fazer com os veículos apreendidos? Para onde levar? Vai caber tudo no quartel? Isso porque sem convênio, a PM não pode levar os veículos que apreender para o pátio contratado pela prefeitura.

 

Laudos de acidentes passaram a ser feitos pela Polícia civil

Antes, até quando vigorava o convênio entre o Detran e o Seterb, os agentes de trânsito faziam o atendimento do acidente e também o laudo. Agora, é a Polícia Civil quem faz, com o pouquíssimo efetivo que sabemos que tem, sobrecarregando ainda mais os agentes.

Outra situação que mudou: antes (e por cerca de mais de 50 anos se fazia isso sem convênio algum), os agentes de trânsito de Blumenau atendiam as ocorrências de acidentes com vítimas fatais e, inclusive, liberavam os corpos. Na legislação, em caso de acidente com óbitos quem libera os corpos são os peritos do IGP. Agora, se do acidente de trânsito resulta necessidade de laudo, os condutores devem procurar a Polícia Civil. Em caso de óbitos no trânsito, o corpo fica no local até que a Polícia Civil chegue para liberá-lo, o que aumenta o sofrimento da família, o engarrafamento, compromete a fluidez, etc…

Trocando em miúdos: a PM pode estar em pontos distantes da cidade atendendo ocorrências de furtos, assaltos e roubos, mas terá de deslocar viaturas para atender ocorrências de acidentes de trânsito com vítimas e com embriaguez que antes a GMT fazia. Os agentes de trânsito só darão suporte e sinalizarão o local. Também não liberarão mais os corpos das vítimas fatais antes da chegada dos policiais civis e IGP. Para piorar, a Guarda Municipal de Trânsito não tem mais acesso aos bancos de dados de registros de infrações estaduais por conta do impasse.

 

População que se dane

Enquanto discute-se convênio, “divisão”, percentual de repasse, faturamento, arrecadação de valores de multa, quem leva a fatia maior e menor do bolo e outras coisas que só Deus sabe, a população fica desguarnecida e fragilizada mais uma vez.

Dos benditos e fiéis termos do contrato nem o Detran e nem o Seterb dão detalhes, não mostram as letras para que a população, a maior prejudicada, conheça cada linha. Será que é para não fortalecer o discurso de indústria da multa? Não está funcionando entre a população a estratégia.

Perde-se o banco de dados de informações que antes eram compartilhadas; o pouco efetivo da PM que se desdobre para correr atrás de bandido e autuar motoristas infratores; o ainda mais escasso efetivo da Polícia Civil que se vire investigando, fazendo diligências, registrando ocorrências e fazendo laudos de acidentes de trânsito que antes eram feitos pela GMT, de mãos e pés ainda mais atados.

E a segurança das pessoas no trânsito e a própria segurança pública ficam onde? Em que plano? Qual a prioridade? Como calar a boca de quem vive repetindo aos quatro cantos a cantilena da indústria da multa quando se fala e se prejudica tanto a população nesse momento em nome da arrecadação, percentuais, divisões e faturamento com valores arrecadados com multas? Blumenau teria um prejuízo de R$ 700 mil por mês com a não assinatura do convênio que se recusa a assinar porque os percentuais “não batem”.

E o pior é que essa vergonha, essa queda de braço, esse impasse, essa teimosia de todos os lados faz aparecer a palavra “prejuízo” para quem, afinal? Para as instituições? Para o estado? Para o município? Para o Detran? Para o Seterb? Ou para a população, que sempre fica em último lugar na escala de prioridades?

Divulguem logo esse texto do novo convênio e acabem com as dúvidas, as especulações e com essa sensação de “farinha pouca, o meu pirão primeiro”.