Intolerância religiosa é desamor, é crime!!

 

Por *Ademir Barbosa Júnior

A intolerância religiosa é ao mesmo tempo desamor e crime. Desamor porque uma religião só deve fazer o bem e respeitar o livre-arbítrio, portanto não pode, em nome do Amor, agredir a outrem que tenha concepções espirituais ou religiosas diferentes. Crime porque fere uma série de leis que garantem a liberdade de culto, uma vez que, num Estado laico religião é também questão de cidadania, o que preconiza o respeito aos irmãos ateus e agnósticos.
Além de irmãos, somos todos cidadãos. Na verdade, ninguém quer ser apenas “tolerado”, pois nenhum de nós é, por exemplo, lactose. O que se busca é respeito. Com o coração aberto, chega-se ao amor, à convivência com o diferente.

As religiões afrobrasileiras ou tradicionais de terreiro estatisticamente são as que mais sofrem com a intolerância. Demonizadas, folclorizadas, associadas a toda sorte de crimes e malefícios, seus adeptos são violentados simbólica e fisicamente, seus templos são invadidos e queimados e uma série de homicídios é computada. O início dessa discriminação está no processo colonizatório, é secular. O Povo de Axé tem se organizado democraticamente e feito fazer seus direitos. Nesse sentido, muito louvável foi a prova de Redação do ENEM 2016, que levou os candidatos a tratar de forma crítica e cidadã a realidade dos crimes de ódio religioso.

Em Blumenau, embora haja iniciativas interreligiosas louváveis, a discriminação institucional e da comunidade é muito forte. Por que, por exemplo, sacerdotes de Umbanda e Candomblé não são convidados para a cerimônia interreligiosa do aniversário da cidade?

Como podem diretores de agências municipais, por morarem próximos a templos afrorreligiosos, acionarem seus pares de outros órgãos para fazerem medições sonoras irregulares e com laudos com muitas lacunas, enquanto outros setores exigem alvarás para, por exemplo, cultos domésticos, quando o mesmo não acontece com o Evangelho no Lar (Espírita) ou a Novena de Natal (Católica Romana), vale dizer, lares que abrem suas portas gratuita e caritativamente para orações?

E o que dizer da população que desqualifica o Povo de Axé como demoníaco por participar de debates democráticos em escolas públicas, conforme as leis vigentes e a grade da disciplina Ensino Religioso? Vale lembrar: as religiões tradicionais de terreiro não são proselitistas.

O dia 21 de janeiro é marcado como Dia de luta contra a intolerância religiosa porque Mãe Gilda, ialorixá de Candomblé, morreu após ver sua foto num jornal neopentecostal que a acusava de demoníaca. Tive a alegria de estar em Salvador, BA, em 2009, quando da instituição da lei, numa linda celebração interreligiosa.

Costumo dizer que Deus é poliglota, fala todas as línguas. Cada religião ou filosofia espiritualista é uma dessas línguas. Deus entende todas. Quando aprendo a língua (isto é, a religião) do meu irmão, comunico-me melhor com ele. Em vez de perder minha identidade, eu a reforço, pois sempre falarei a língua de meu irmão, mas não perderei o sotaque. Esse é um dos princípios do diálogo inter-religioso.

Abraço, gratidão e Axé!

 

* Ademir Barbosa Júnior (Pai Dermes de Xangô) é sacerdote umbandista, um dos dirigentes da Tenda de Umbanda Iansã Matamba e Caboclo JIboia (TUIMCAJ), presidida por sua esposa, Mãe Karol de Iansã. Autor com mais de 60 livros e 38 revistas especializados publicados no Brasil e Portugal, prepara a publicação de novos livros e de 03 e-books em italiano. É Mestre em Literatura Brasileira pela USP, terapeuta holístico e professor.