Força-tarefa resgata dois trabalhadores em situação análoga à escravidão em SC

A alimentação se resumia a um pão com mortadela no café da manhã e purê de batata ao meio-dia. Eles não tinham carteira assinada e nem receberam EPI.

Uma força-tarefa do Grupo Especial de Fiscalização Móvel resgatou dois trabalhadores que viviam em situação análoga à de escravidão, numa propriedade de cultivo de cebola em Bom Retiro (SC). A operação ocorreu entre os dias 7 e 14 de janeiro, após denúncia encaminhada à Procuradoria do Trabalho de Lages (SC). Participaram integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU), da Auditoria Fiscal do Trabalho (AFT) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Na notícia de fato (NF), o grupo contou que chegou em Santa Catarina em setembro de 2022 para fazer a poda seca em um pomar de maçã, em São Joaquim (SC). Pagaram R$ 700,00 pelo transporte de um ônibus clandestino vindo de Centro Novo (MA), com a promessa de ganhar mensalmente R$ 1.400,00, livre das despesas com moradia e alimentação. Passados dois meses, eles foram dispensados sem ganhar nada pelos serviços prestados e deixados na rodoviária do município. No local receberem uma nova proposta de trabalho do mesmo aliciador que os trouxe do Maranhão.

Segundo o MPT, no relato, eles contaram que em seguida foram levados de táxi até uma propriedade em Bom Retino (SC), por ordem de um dono de terras conhecido como “Pina”. Começava ali mais dois meses de atividade irregular pela qual receberiam R$ 2,00 por saco de cebola colhido, com uma jornada das 6h às 18h30.

A alimentação se resumia a um pão com mortadela no café da manhã e purê de batata ao meio-dia. Eles não tinham carteira assinada e nem receberam EPI (Equipamentos de Proteção Individual).

Foto: MPT/DPU/MT/PRF

Após a denúncia feita no MPT em 02/01/2023, nos dias 6 e 7 de janeiro a equipe de inteligência da Polícia Rodoviária Federal – PRF de Santa Catarina fez o rastreamento e conseguiu as coordenadas de 3 alojamentos de responsabilidade do empregador Pina.

No primeiro alojamento a equipe de fiscalização encontrou 17 trabalhadores, a maioria vinda do Nordeste. Eles disseram que trabalhavam para o senhor Pina há 4 dias, sem registro e receberiam por peso de saco de cebola colhido. Para ganhar R$ 2,00 precisariam colher 30kg, R$ 3,00 por 40kg e R$ 4,00 por 50kg.

O alojamento é uma casa de alvenaria em péssimo estado com apenas um banheiro. A água encanada vinha provavelmente de um poço, e segundo foi apurado apresentava um “gosto ruim”. As camas eram em número insuficiente obrigando muitos a dormirem em colchões diretamente colocados no chão do imóvel.

Dois homens que estavam no ônibus utilizado para transportar os trabalhadores até as lavouras, disseram que estavam alojados em outro local com mais 7 pessoas. Chegando na propriedade, a equipe identificou as condições degradantes de trabalho e de vida dessas pessoas. Os outros que deveriam estar na casa haviam saído ou foram retirados do local, antes da fiscalização chegar. Foram encontrados somente os pertences pessoais dos dois que estavam no ônibus.

Este segundo alojamento, era uma casa “meia água” de madeira com frestas, construída no meio de eucaliptos, com cobertura de telhas de fibrocimento. Não havia água corrente e nem instalação sanitária. O banho e as necessidades fisiológicas eram feitos no mato, inclusive à noite, sem qualquer conforto e privacidade.

Foto: MPT/DPU/MT/PRF

A água usada para beber e cozinhar, era transportada de um poço até a casa em um galão de 20 litros. Ela também era usada para higienização do corpo, das mãos, de roupas e utensílios de cozinha.

Na casa onde dormiam em um triliche, não havia armários individuais para guardar os objetos pessoais, ou um local adequado para higienização das roupas e utensílios de cozinha. O local onde eram armazenados os agrotóxicos utilizados na plantação da cebola no mesmo ambiente onde as refeições eram preparadas.

Somente dois trabalhadores foram resgatados, os outros estão desaparecidos. As diligências continuam e em breve eles devem ser alcançados pelo MPT para serem retirados com segurança da região. Dentre eles, dois do Mato Grosso do Sul que conseguiram fugir, denunciaram o caso à polícia e buscaram uma rede de televisão do estado para fazer a denúncia.

Foto: MPT/DPU/MT/PRF

No último alojamento inspecionado havia 7 trabalhadores, seis deles vindos da cidade argentina de Bernardo de Irigoyen, que faz fronteira seca com Dionísio Cerqueira (SC). Eles entraram no Brasil de forma informal e nenhum tinha registro. A remuneração também era por produção nos mesmos valores dos demais.

Diante de todas as irregularidades apuradas, o empregador que já tinha sido notificado em 2021 pelas mesmas infrações, foi preso em flagrante. No entanto, foi solto no dia seguinte após pagar fiança e responderá em liberdade pelo crime previsto no Artigo 149 do Código Penal.

Ele assinou um termo de juste de conduta (TAC) perante o procurador do Trabalho Mateus de Oliveira Biondi, representante da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo). A multa é de RS 4,5 mil de verbas rescisórias para os dois trabalhadores resgatados e mais R$ 500 de dano moral individual. O empregador também teve que registar todas as 33 pessoas localizadas em suas propriedades fazendo a colheita de cebola.

De acordo com o procurador Mateus, a atuação da força-tarefa foi uma resposta rápida das instituições para essa grave violação dignidade dos trabalhadores. “Situações como essas devem ser notificadas ao Ministério Público para que possam ser investigadas o quanto antes”, alertou.

Fonte: Ministério Público do Trabalho de SC

Foto: MPT/DPU/MT/PRF