E se a BR-470 tivesse a mesma importância da Copa e das Olimpíadas?

 

Por Márcia Pontes, Educadora de Trânsito

No dia em que os políticos e gestores desse país derem à BR-470 a mesma importância e valorização que dão para realizar a copa do mundo ou uma Olimpíada, quem sabe a manutenção, iluminação, sinalização e duplicação saiam do papel e se tornem realidade! Quem sabe, a vida comece a ser respeitada, valorizada e protegida!

Se dirigir na BR 470 no trecho entre Indaial e Apiúna durante o dia é perigoso, dirigir à noite é mortal! Isso explica tantos acidentes: breu total, sem iluminação, sem elementos refletivos, elementos refletivos danificados ou ineficientes, falta pintura de linha de bordo branca rente ao acostamento e quando existem e o motorista a segue com os olhos como a única forma de não sair da pista, elas somem. Em alguns trechos, absolutamente, não tem como não usar o farol alto, mas o problema é que ao passarem uns pelos outros, os motoristas não retornam ao farol baixo, aumentando o risco de ofuscamento, saída de pista e até de colisão. Logo após a ponte do Rio Benedito, um pouco a frente do trevo de Pomerode no sentido a Indaial o breu se intensifica. Há lugares que mesmo com farol alto o condutor não sabe se está na sua pista, na contrária ou no acostamento.

Encontrar um buraco pelo caminho é o que de pior poderia acontecer, mas ter de parar para trocar um pneu ou para chamar e aguardar socorro em caso de falha mecânica do veículo poderia representar, sem medo de errar, a própria desgraça ou a própria morte.

Para piorar, somam-se os riscos da falta de segurança pública: os assaltos, suspeitos caminhando pelo acostamento numa escuridão dessas, dois ou três que caminham fazendo algazarra e sem sentirem-se ameaçados por nada; grupos de travestis, alguns, visivelmente entorpecidos, que não hesitam em abordar os motoristas que estão utilizando algum tipo de espaço sinalizado para retorno nesses pontos escuros da 470.

Para dizer a verdade, eu sempre evito dirigir à noite na BR-470, mas às vezes os compromissos de trabalho cobram e não tem como evitar. Confesso que foi uma das experiências mais perigosas que já vivi ao volante nesses anos de habilitação.

Por alguns momentos, até dá para entender a afirmação de alguns sobre quando a rodovia mata ou ajuda a matar, mas rapidamente a lucidez é retomada e sabemos bem que quem mata são as pessoas com poder de decisão para a segurança no trânsito e nada fazem.

Quem mata, ajuda a matar e expõe milhares de pessoas a riscos nas rodovias é aquele ou são aqueles que deveriam iluminar e não iluminam; que deveriam fazer a manutenção e conservação da via e não fazem. São aqueles que deveriam sinalizar e não sinalizam. É quem deveria providenciar o corte da vegetação que invade a pista e encobre as placas e não providenciam. É de quem deveria antes de tudo, pegar o seu carro e sair dirigindo à noite para saber o tamanho do problema que tem para resolver.

Não é raro que quem decide e tem a caneta na mão não tenha formação na área de segurança no trânsito. Muitas vezes, sequer tem o Ensino Médio concluído e só chegou ao cargo por apadrinhamento ou indicação política de quem precisa acomodar aliados em cargos prometidos. Não sobrou mais nada para este aqui? Coloca em cargo de trânsito então. Ou alguém vai dizer que é novidade?

Muitos gestores do trânsito nas cidades e nas rodovias decidem de gabinetes e sequer vão até o local: alguns mandam assessores, engenheiros, arquitetos, técnicos e mal lêem o relatório e os estudos técnicos, mas pegar o volante do carro e dirigir à noite em rodovias esburacadas, mal iluminadas, sem sinalização, isso eles não fazem. Quando fazem, é à luz do dia.

Durante o dia é uma coisa: há a luz natural e não se sente na pele o breu e os perigos de uma rodovia que necessita urgentemente de iluminação, pintura, sinalização, limpeza, acostamento e segurança. Não se sente na pele as ameaças diuturnas que motoristas de todos os tipos enfrentam.

Sinceramente? Se eu fosse gestora dessas rodovias me sentiria com sangue nas mãos!

Mas, o pior de tudo é saber que a realidade por trás dessas palavras e desse desabafo verdadeiro e mais que pontual, mais uma vez tenderá a passar batida, sem eco, sem resposta enquanto a melhor resposta que se poderia ter são o atendimento a essas necessidades que ameaçam milhares de vidas pela BR-470 e demais rodovias do país.

A duplicação da BR-470 é um clamor da população que já se encaminha para meio século de promessas, de discursos, de imbróglios políticos, de enrolação, de burocracia e de tantas outras coisas.

Se os telhados de escolas públicas ameaçam desabar na cabeça dos alunos, fiação elétrica exposta, chove mais dentro da sala de aula do que fora e nem isso se consegue resolver por conta da burocracia e de outros atropelos…. se uma obra em escolas públicas, que custa bem menos, eles não têm prazo, nem solução e nem iniciativa para resolver, imaginem uma obra como a duplicação da BR-470, ainda que sejam pastas diferentes!

Antes mesmo de se falar em duplicação, enquanto essa tão sonhada duplicação não sai do papel, o mínimo que exige o direito fundamental de proteção à vida, o dever de ofício, o bom senso, a lucidez humana é providenciar i-me-dia-ta-men-te a iluminação, pintura da sinalização, manutenção e conservação das placas, colocação de elementos refletivos, o corte da vegetação que avança sobre o acostamento. Providenciar acostamento inclusive.

Essa duplicação vai demorar, serão mais alguns anos de enrolação, de promessas, de discursos e enquanto se fecha os olhos para os perigos que estão lá na via agorinha mesmo, milhares de vidas estão sendo colocadas em risco! Acidente? Ah, mais de 90% são causados por falhas humanas, repetem os políticos e os encostados nos cargos de decisão porque parece que foi a única coisa que leram e viram na vida sobre segurança no trânsito.

Tomar a decisão de não sinalizar porque será dinheiro jogado fora por causa da duplicação é contar com o ovo no fiofó da galinha sem fertilidade para botar ovos. É assumir a sua parcela de culpa em cada acidente, cada ferido, cada óbito. E mesmo que essa duplicação saia do papel em breve, não se deve pensar no custo da tinta, dos tachões e dos elementos refletivos gastos para sinalizar e iluminar, mas sim, na quantidade de vidas sem preço que podemos salvar.

Muito fácil empurrar tudo para as costas de todos os motoristas, culpar a rodovia, repetir jargões e clichês quando se ignora a própria iniciativa e o próprio dever de ofício de fazer alguma coisa urgente para evitar mais tragédias.

Nem todo motorista que se envolve em acidentes na BR-470 é irresponsável, imprudente ou negligente. Nem todo motorista dirige bêbado ou sob efeito de drogas. Nem todo motorista corria demais no momento do acidente. Muitos estão sendo vítimas do descaso, da desídia, do abandono das rodovias e da paralisia generalizada de políticos e gestores públicos caídos de paraquedas em cargos que exigem 24 horas por dia de dedicação para salvar vidas.

Muitos que se envolveram no acidente foram pedestres ou ciclistas que caminhavam pelo acostamento em um trecho mal iluminado e foram atropelados por um motorista que não enxergava nada. Muitos motoristas provocaram o acidente depois de cair em um buraco, de sair da pista porque não sabiam se estavam na mão certa, no acostamento ou se encaminhando para uma ribanceira.

Repito: quem sabe, o dia em que os políticos e gestores desse país derem à BR-470 a mesma importância e valorização que dão para realizar a copa do mundo ou uma Olimpíada, a manutenção, iluminação, sinalização e duplicação saiam do papel e se tornem realidade! Quem sabe, a vida comece a ser respeitada, valorizada e protegida!

A cada morte, a cada acidente, a cada ferido ou inválido na BR-470, quem deveria fazer alguma coisa e não faz também tem sangue nas mãos. Sangue de inocentes que essas pessoas, políticos e gestores ajudaram a vitimar e a matar.