*Por Ana Calçado
Nacionalmente falando, maio é conhecido como o mês das mães. Porém, embora a data seja sinônimo de afeto e reconhecimento, evoca também muitas reflexões. Uma delas é sobre a baixa presença das mulheres no mercado de trabalho, notadamente no setor de inovação.
Para se ter uma ideia, de acordo com o estudo Female Founders Report 2021, elaborado pela Distrito em parceria com a Endeavor e a B2Mamy, mais de 90% das startups no Brasil ainda são fundadas somente por homens. Isto demonstra, sobretudo, o quão pouco o ecossistema de startups mudou em relação a diversidade e inclusão de gênero em dez anos, quando este ainda engatinhava.
Mas não para por aí. Este cenário assusta ainda mais quando olhamos para as startups Deep Techs. De acordo com a Women TechEU, na Europa, onde as Deep Techs representam mais de um quarto do ecossistema de startups, menos de 6% destas são fundadas ou cofundadas por equipes exclusivamente femininas.
Como um Clube do Bolinha, parece que o empreendedorismo inovador é “coisa de homem”. Mas, será mesmo? O que se precisa entender é que o verbo empreender deve ser conjugado por todas as mulheres que aspiram criar um negócio, realizar seu propósito e ser bem-sucedidas. A mulher deseja conquistar o lugar que ela escolheu estar e não aquele que dizem que ela deve ocupar.
Assim, falar sobre a dor e os desafios da representatividade feminina no ambiente de trabalho é fundamental. Para além de um problema na criação de empresas inovadoras, essa desigualdade de gênero é manifestada nas mais diferentes fases dos negócios. Nesse sentido, a ausência de mulheres fundadoras por si só não reflete o cenário como um todo.
O investimento em organizações chefiadas por mulheres e a própria permanência das mães no mercado, por exemplo, também são impactados. Como demonstração de que este ainda é um lugar de baixa cultura de inclusão, uma publicação da “Harvard Business Review aponta que os investidores privilegiam os pitchs masculinos em detrimento dos femininos até mesmo quando os argumentos de venda são idênticos.
E, por fim, ainda falta apoio ao equilíbrio entre vida pessoal e profissional das mulheres, principalmente das que são mães. Afinal, somente o acesso ao ambiente de trabalho e às oportunidades não significa o desenvolvimento de uma realidade de equidade consolidada. Ser mãe e profissional bem sucedida, aos olhos de muitos, é praticamente impossível. Pra se ter uma ideia, a produtividade de pesquisadoras é impactada até quatro anos após o nascimento do primeiro filho, enquanto o mesmo não acontece com os homens. Pelo contrário, ao se tornarem pais, a taxa de produtividade entre cientistas homens pode até aumentar.
Sendo assim, clichê ou não, lugar de mulher é muito mais do que onde ela quiser. Hoje o setor de inovação ainda é um local de perpetuação de estereótipos, isto é, seja em prol da ciência ou da inovação, historicamente, os homens ainda são mais incentivados a desenvolver uma postura “empreendedora” e a lidar com riscos.
Não à toa, a jornada pela paridade de gênero no mercado de trabalho, incluindo o ecossistema de ciência, tecnologia e inovação certamente ainda percorrerá um longo caminho e requer mudanças culturais, como na responsabilidade no cuidado com os filhos.
*Ana Calçado é CEO e presidente da Wylinka, organização sem fins lucrativos que transforma o conhecimento científico em soluções e negócios que melhoram o dia a dia das pessoas e fomentam o desenvolvimento econômico, social e sustentável do Brasil. Pós graduada em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral, com estudos de pós graduação em Inovação pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT — profesional education), mestre em Ciências de Alimentos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e graduada em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Ana também é doutoranda pela USP em Administração e pesquisadora em Inovação e Gestão Tecnológica.