Atores do espetáculo Entre Nós falam sobre os encantos e desafios da peça

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Entrevista e texto final: Claus Jensen

Às 19h deste domingo (10/4/16), será a última oportunidade de conferir a peça “Entre Nós” no Teatro Carlos Gomes. Ela vem da Bahia através de um projeto cultural da BR Distribuidora. Os dois atores estiveram percorrendo várias escolas essa semana.

Com bom humor e uma reflexão irônica, ele refletem sobre os diversos temas e afetos do mundo atual: família, estudo, trabalho, política, amor e sexualidade. A peça foi produzida pela Quatro Produções Artísticas da Bahia, e e está pela primeira vez em Santa Catarina.

No elenco, Igor Epifânio e Anderson Dy Souza que interpretam o papel de atores que tentam inventar na hora uma história de amor entre dois jovens gays. Para isso, eles enfrentam uma série de situações conflitantes e engraçadas até decidirem o destino dos personagens Rodrigo e Fabinho.

Os momentos são pontuados pela trilha sonora executada ao vivo pelo músico Leonardo Bittencourt, que também assina a direção musical. Com entrada a R$ 8,00 e R$ 4,00 (meia), as duas apresentações ocorrem no Teatro Carlos Gomes, em Blumenau, às 19h, respectivamente, e contarão com uma tradutora de libras para o público surdo.

Na quinta-feira (8/4/16) recebemos os atores nas dependências do site OBlumenauense, para conhecer um pouco mais da peça e o trabalho desenvolvido no processo de criação. Estiveram aqui o produtor da peça, Lucival França, os atores Anderson Dy Souza e Igor Epifânio, junto com a assessora de imprensa Nane Pereira.

 

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Produtor Lucival França, e os atores Anderson Dy Souza e Igor Epifânio

 

OBlumenauense: O espetáculo de vocês fala sobre o respeito à diversidade. Como vocês são recebidos pelas crianças quando fazem a divulgação nas escolas?

Igor Epifânio: Ele ainda é visto com muita polêmica e “olho torto”. As pessoas veem esses dois caras e acham que o espetáculo será mais trágico, até meio marginal. Mas quando assistem se surpreendem, porque tratamos o tema de forma leve, com a naturalidade que merece.

Anderson Dy Souza: Nosso público vai crescendo a partir do boca a boca. Ficamos um ano pesquisando o espetáculo, que foi criado inicialmente para as escolas. Mas como a verba atrasou, começamos a trocar e-mails entre nós, e conversar para ver no que poderíamos melhorá-lo. Acabamos acrescentando algumas influências pops e clichês, que geraram um espetáculo que é uma peça debate. Ela é feita para o adolescente. As pessoas se reconhecem, depois que vão para o teatro. O espetáculo acabou ficando mais família, onde muitos pais assistem e dizem “porque não trouxe meu filho?” A forma de falar e que os personagens são apresentados, se identificam muito com esse público e suavizam alguns diálogos que nós gostaríamos de ter em casa, mas não sabemos como começar.

 

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OBlumenauense: Como por exemplo?

Igor Epifânio: A peça conta a história de dois atores que tem que fazer um espetáculo, mas tem pontos de vista diferentes sobre ele. Enquanto estão construindo a peça, divergem suas opiniões, mas vão acrescentando personagens que somam treze no final. Nós fazemos os dois protagonistas que vão se apaixonando durante o espetáculo e os revezamos nos outros personagens. Os dois não tem problema com esse amor que vai surgindo, mas todo o entorno deles, é que problematiza isso e eles acabam afetados. Tem um personagem que é a melhor amiga de um na escola, outro que é homofóbico. Tem também o pai e a mãe que subvertem um pouco a lógica que estamos acostumados.

OBlumenauense: Então no palco são só os dois?

Anderson Dy Souza: Tem também o músico (Leonardo Bittencourt), mas como atores vamos, nos revezando nos personagens, sem troca de maquiagem ou figurino. Além disso ainda operamos a iluminação. E o que acho interessante, é que no espetáculo compartilhamos nossa dificuldade de aceitar e discutir o tema. Isso faz com que as pessoas se identifiquem, cria um pacto com o público e todo mundo fica mais a vontade para discutir. Nós não estamos aí para passar uma ideia e sim conversar a respeito.

Às vezes nós criamos esse tabu por medo de compartilhar uma dúvida, por receio dela parecer preconceituosa. Nós não percebemos isso, mas infelizmente faz parte de nossa sociedade. Então é a oportunidade de sentarmos juntos, olho no olho, e dizer: reconheço meu preconceito e vejo que não faz sentido.

OBlumenauense: Vocês já apresentaram em várias cidades do Brasil e também ganharam o prêmio Brasken. Quem é o autor da peça?

Igor Epifânio: João Sanches, que também é o diretor e iluminador do espetáculo. Eu já trabalhava com ele. Quando surgiu o projeto, sugeri seu nome e o convidamos para participar. Os textos do João já tem a tendência de trabalhar com essa cultura pop e metalinguagem.

Anderson Dy Souza: Nós convidamos João, porque não existia nenhum produto cultural (texto) que tratasse dessa temática de uma forma natural e séria. Sempre era marginalizado, com um travesti que se droga e cai na criminalidade. Não tinha a história de um homossexual que trabalha e estuda normalmente, tem uma vida saudável e é feliz. Justamente para trazer esse tema sem polêmica, tratando com bom humor e a naturalidade que é preciso. Ele trabalha muito com cultura pop e nosso público é adolescente. Por isso a obra do João veio a calhar.

 

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OBlumenauense: Quanto tempo levou a montagem da peça desde a escrita do texto?

Igor Epifânio: Essa peça já tem cinco anos. Nós ganhamos a verba de um fundo específico da Bahia e teve um delay de um ano para burocratizar a verba. Nesse tempo o João usou o material de nossas reuniões e criou um pré-texto. Quando entrou na fase de ensaios e definido o texto final, foram necessários apenas dois meses. Bem rápido. Nós estreamos nas escolas e dois meses depois nos palcos.

OBlumenauense: Como é viver de teatro, já que existe a mídia eletrônica, como TV, cinema e outros formatos?

Anderson Dy Souza: Existem duas mãos sobre a questão do consumo de teatro. Uma é que nós não temos o hábito de consumir esse produto cultural, que não faz parte da nossa educação familiar e escolar. É um desafio para as produções formarem um público para o teatro, porque a sociedade ainda acredita que ele é um sub produto da TV. Nós mesmos, profissionais de teatro, também temos dificuldade de entender como criar esse diálogo. É sintomático. Vindo dessa sociedade, o teatro parece ter um público elitista, reservado e muito segmentado. Eu critico um pouco essa falta de diálogo de nossa classe com o público, que é o elemento estruturante do fenômeno teatral. Muitas vezes temos um produto cultural interessante divulgado somente para um circuito fechado de teatro.

Igor Epifânio: Por exemplo, nós fomos às escolas hoje de manhã e possivelmente 80% daqueles alunos nunca foram ao teatro. Pela nossa experiência de circulação (viagens e apresentações) e o formato que fizemos pela BR Distribuidora, nós temos certeza que muitos estudantes que vieram assistir o espetáculo quiseram levar os seus pais. É um trabalho muito delicado, onde precisamos entender o teatro como um produto consumível. Nós estamos vindo pela BR com um ingresso com preço bem popular, mas geralmente o ingresso é caro. Por outro lado, não questionamos o preço que pagamos no cinema, evento ou show. Parece que há obrigação de ser gratuito.

O teatro é uma arte apaixonante, porque é uma arte do presente. Muitas pessoas falam que ele vai morrer, mas eu acredito que não. Hoje em dia nós tentamos ampliar essa experiência para outros produtos que fazemos, como por exemplo um solo que estou ensaiando chamado Mata Galinhas, que tem gastronomia envolvida.

Estamos ainda tentando moldar essa nova era tecnológica com o teatro. Tirar um pouco desse espaço, se for o caso tirar dele, tentando apresentar um novo olhar. O mais interessante nesse espetáculo é ser uma peça debate, que triangula entre os dois atores e o público.

OBlumenauense: Os atores e o público tem uma conversa direta?

Anderson Dy Souza: Sim, a todo momento, mas no final é o público que decide. Não é algo invasivo, não pegamos ninguém no palco ou platéia. É uma conversa honesta e confortável com o público o tempo todo.

 

Foto: Ricardo Castro
Foto: Ricardo Castro

 

OBlumenauense: De que forma funciona essa interação?

Igor Epifânio: Desde o início ele é posto a prova, já que os atores tem que construir aquele produto. E como eles divergem nas ideias, o público acaba sendo cúmplice dos dois, já que é como se ele tivesse que fazer esse espetáculo para eles. O tempo todo ele quer fazer de um jeito, o personagem de outro. Como eu discordo dele, busco o público como cúmplice das minhas ideias, cada uma ganhando corpo. E assim vamos sentindo pela reação do público, já vamos vendo como está aceitando e pensando a obra.

Anderson Dy Souza: Essa cumplicidade já acontece antes da peça, porque nós recebemos o público.

OBlumenauense: Vocês já tinham se apresentado aqui no Sul antes?

Anderson Dy Souza: Em Blumenau não, mas já estivemos em Maringá e anos atrás fizemos esse espetáculo em Curitiba. Mas sempre viemos a trabalho. Foi a própria BR que selecionou os locais.

OBlumenauense: Conheceram um pouco mais da parte cultural de Blumenau nesse período que estavam aqui?

Anderson Dy Souza: O visual da cidade é muito bonito, e nosso contato com as escolas foi bem interessante. Considero que público muito especial porque o espaço nesses locais não é adequado para a apresentação de uma peça de teatro. É um pátio com 400 alunos, no horário de intervalo, nesse calor, Mesmo assim participaram com a gente, com os olhos atentos, nos recebendo com odesconfortáveis, assistindoobrigados pela escola. maior carinho e atenção possíveis. O corpo docente, com a direção e os professores, foram todos super atenciosos conosco.

Igor Epifânio: A impressão que nos passaram foi muito boa. Porque o adolescente pega um pouco do público infantil. Se ele não está gostando, manifestam na hora. E como são só dois, sem microfone, temos o desafio de manter o público atento com as ideias que vamos propondo e personagens que vão aparecendo.

Como já fazemos o espetáculo há bastante tempo, tem umas piadas que já sabemos a reação e vamos sentindo como o público vai respondendo. E eles responderam em todos os momentos, portanto entenderam o texto. Se eles não pegam logo no começo essa disputa de cada personagem pela sua ideia, o entendimento é prejudicado.

Anderson Dy Souza: Falando de educação, temos uma ação bem bacana. Antes do espetáculo há uma sexóloga que faz um trabalho de preparação com os alunos. Nosso trabalho nas escolas se divide em três etapas. A primeira com a preparação da sexóloga, a segunda é a apresentação do espetáculo e depois a discussão dele. Outra é uma oficina de intercâmbio com a classe artística em cada cidade sobre a técnica e ética usada nesse trabalho.