Meu herói Wilberto Boos

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Faz 58 anos que nasceu por aqui um menino que iria ser um exemplo de vida para mim. Das pessoas das minhas relações, nunca vi outra tão fiel a si própria quanto esse menino Wilberto Boos, que conheci quando já era garoto, e que, de perto ou de longe, sempre esteve assim ao meu alcance e ao alcance dos meus amigos e da minha cidade, com sua simplicidade, sua fragilidade (sofreu muitos acidentes, principalmente por atropelamento – em um deles chegou a perder um irmão), sua simpatia… e sua tremenda força.

Eu o conhecia por Boos – penso que era assim que a maioria das pessoas o chamava. Boos, o ciclista – pois ser ciclista foi sua grande marca neste planeta, embora não fosse ciclista de competições e de medalhas: Boos era ciclista para ser feliz. Sua atividade laboral acabou sendo uma oficina de bicicletas, e quantas gerações ele influenciou com sua arte modesta! Pessoas mais velhas do que ele, e pessoas da idade dele, e pessoas mais jovens que ele, e pessoas muito mais jovens que ele, e a garotada que está chegando agora… para todos o Boos foi exemplo e foi ideal, e ele sempre foi tão fiel a si mesmo que nunca precisou fazer nada para ser tudo, para que a gente quisesse ser como ele.

Um jornalista teve a sorte de gravar um depoimento dele, onde fica tudo explicado:

“Por que eu pedalo? Pedalando descubro ou descortino a cidade onde vivo. Pedalando, olho nos olhos das pessoas pelas quais passo e as cumprimento como amigos. Pedalando eu vejo pássaros e demais seres da cidade, vejo o rio e sua dinâmica nas marés. De bicicleta consigo ver, a cada curva, uma nova silhueta do verde que ainda emoldura nossa cidade. Sinto o vento, o calor, os cheiros da cidade, a chuva, o frio, as cores e, às vezes, também a dor. Sei que não conseguiria ver tanta coisa bonita não fosse com a bicicleta, simples,silenciosa, dinâmica.É minha incansável forma de viver e ser feliz.”

Esse era o Boos. Tão completo que era capaz de fazer a felicidade de uma praça toda só por estar lá, que estimulou tanta gente a fazer tantas viagens de bicicleta, que levou tanta gente a pedalar, liderança inconteste para as mais diversas idades, e como tantos, eu também não sabia o quanto ele pedalava com dor, sequela dos seus tantos acidentes.

Acho que foi em setembro que um AVC o pegou, mesmo sendo o atleta que era. Foi muito, muito penoso o calvário que ele teve que subir a partir daí, algo com noventa dias numa UTI. Era como se ele esperasse um momento grandioso para colocar asas nos seus pedais e sair voando para lugares que ainda desconhecemos. E houve um dia tão cheio de coisas boas que ele deve ter sabido que a hora chegara.

Na véspera, o mundo se enchera de coisas maravilhosas, de boas energias. Estados Unidos e Cuba reataram relações diplomáticas, depois de mais de meio século de separação; voltaram para casa os heróis cubanos que os Estados Unidos mantinha no fundo das suas prisões há 16 anos. Nesse mesmo dia, a União Européia reconheceu o direito da Palestina ser um Estado, e as FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e Exército do Povo) comunicaram que estavam entrando num período sem mais agressões por tempo indeterminado, o que está fazendo com que forças de todos os lados estejam a pressionar o governo de Bogotá a tomar também a mesma atitude. É verdade que há, ainda, muita coisa ruim acontecendo no mundo, mas eu diria que aquele foi um dia abençoado.

Parece-me ver o Boos então dizendo um “Ok!” para seus anjos da guarda, e se preparar para partir. E, na madrugada, num brilhante caminho de névoas iridiscentes, Wilberto Boos pegou sua bicicleta mais uma vez, já então uma bicicleta alada, e pedalou de novo, dessa vez dentro de tanta luz que nós ainda não temos condições de saber muito a respeito.

Até à vista, Boos! Tu foste e tu és meu herói! A gente se encontra mais para a frente!

Blumenau, 27 de Dezembro de 2014.

Urda-KluegerUrda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em Geografia.