Urda Klueger: FIDEL E EU

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Na minha vida já fui mais de uma vez a Cuba, aquela ilha paradisíaca, mas lá só o vi pela televisão. Estive muito próxima dele fisicamente foi aqui no Brasil, naquele primeiro de janeiro em que um operário assumia, pela primeira vez, o cargo de presidente do Brasil. Eu estava dentro daquela multidão estimada em 200.000 pessoas que, espalhada pela Esplanada dos Ministérios, viera de todos os cantos do país para ver aquele acontecimento quase milagroso. Viajara num daqueles ônibus bate-volta que arfava de cansaço e que levou umas 30 horas para chegar até lá, ônibus bastante milagroso, também, pois foi nele que conheci a companheira Gina Couto, a mais guerreira das uruguaias e que um dia adotou o mundo como sua pátria grande. Há que falar da Gina, neste momento, lembrando que ela partiu faz tão pouco tempo!

Era aquele o tempo em que não se tinha medo de ser feliz, quando os muitos ônibus que enveredavam para Brasília vindos de todos os lados se encontravam nas paradas ou postos de gasolina e todos os que viajávamos éramos irmãos e nos abraçávamos, porque um tempo novo chegara e era a vez de se acreditar no futuro. E na tarde daquele primeiro de janeiro, lá na Esplanada dos Ministérios, pudemos ver, pela primeira vez, como os sonhos eram possíveis, quando nosso presidente operário assumiu – de quebra, pela primeira vez na vida estive assim tão perto de Fidel, que lá também estava e que até saiu por um momento para fora do palácio, para abanar para nós! Pelas minhas contas ele, então, estaria com 77 anos.

Lembro tão bem dos tempos seguintes em que nós, amigos, fizemos tantos planos para estar em Havana quando ele fizesse 80 anos… Penso, agora, que já não lembro o que nos impediu de ir ao aniversário mais ilustre que poderia ter ido, e também lembro que ele adoeceu pouco antes – com mais de 600 atentados contra sua vida no curriculum, não é estranho pensar que alguém fez alguma coisa para impedir que ele chegasse aos 80 – mas ele sobreviveu.

Na verdade, por todo o tempo ele esteve presente na minha vida e muitíssimo a influenciou, mesmo quando eu era uma recém-nascida e ele já era um político que concorria a um cargo de deputado, em eleição que foi cancelada, mas começando assim a dar seus passos para fazer diversas mudanças no planeta e a levar muitíssima gente a poder acreditar que um mundo melhor É possível.

Fui reencontrá-lo bem de perto quando fez 90 anos e traduzi um texto de Hernando Calvo Ospina, jornalista do Le Monde Diplomatique de Paris, que tivera, anos antes, a ventura de encontra-lo de verdade e no momento mais inesperado. Foi uma das traduções mais saborosas que fiz na vida (Eu, o rum e o Comandante), onde o autor deixa aflorar o lado mais humano que se possa imaginar desse ícone da História.

E eu cá e ele lá, era ele como um norte para a minha caminhada, a bússola na minha mão tantas vezes incerta, o traçado de rumo da minha embarcação frágil – li tantas coisas que escreveu, tantas das suas reflexões, quantas vezes me abriu os olhos e me fez ver o que eu não enxergava sozinha – e na última madrugada ele partiu. Só o soube hoje pela manhã, e como chorei, então, como chorei… Não foi nem de dor, mas de pena, pois como posso pensar que agora o mundo já não tem a ele? Como ficará o mundo agora?

Ouvi mais de um companheiro, hoje, dizer que é o fim de uma era, que com ele acaba-se um tempo e o mundo começará novo ciclo. Quero crer que será um ciclo do Bem, pois ele partiu, mas deixou os atos, os fatos, as reflexões, a sua lucidez ímpar, a raridade da sua inteligência incomparável, a grandeza da sua ternura…

Boa viagem, Comandante! A Gina deve estar por aí para lhe dar a mão! Hasta la vitória siempre!

Enseada de Brito, 26 de novembro de 2016.

Urda Alice Klueger