Urda Alice Klueger | Escritora, historiadora e doutora em Geografia
Foi em 1955? Começo de 1956? Não sei, só sei que era muito pequenina, e que depois meu pai me levou lá me segurando pela mão, para ver aquele monte de destroços empretecidos pelo fogo, como num exorcismo, mas já era tarde. Já tomara conta de mim aquele uivo que já não sairia da minha alma e que me marcaria indelevelmente e faria com que eu nunca esquecesse, desde aquele tempo, o nome dela: Rua Capitão Euclides de Castro.
A já longa vida foi passando e muitas outras coisas foram acontecendo naquela rua: houve um tempo que levava sapatos para um sapateiro, ali, que se chamava Gramkow, se não me engano – era um polaco, com certeza. Houve um tempo em que entrava numa loja chamada “Casa das Noivas” para comprar flores de tecido, lá na década de 1980, para com elas prender os cabelos – quantas fotos tenho dessa época, quando transitava por uma juventude partida, capenga, que só tinha nexo porque eu escrevia…
Também há que se lembrar que ali ficava a velha Casa Brueckheimer, onde se podia comprar quase que de tudo e onde os funcionários quase sempre estavam mal humorados, e também a nova Loja de Móveis Ideal, com móveis tão lindos, tão preciosos, que faziam com se ficasse sonhando com eles. Era a nova Loja de Móveis Ideal porque um dia houvera a velha, a do incêndio e do uivo e não era possível esquecer.
Agora fizeram lá uma rua muito charmosa, sem trânsito de veículos, cheia de conforto e de coisas bonitas para a gente da cidade, onde se pode passar a tarde sentada num banco confortável, saboreando um bom livro, como esse de Gregory Haertel, que estou a ler, mas o uivo continua ali. Noutro dia tentei levantar dados daquele incêndio numa página da Internet que cuida do passado de Blumenau e onde há mais de 26.000 participantes, e descobri que quase ninguém, mais, se lembra dele, quiçá do uivo. Fiquei achando que eu era a última pessoa, ainda, a lembrar, e então entendi que deveria escrever sobre ele.
Pois um dia, lá na minha primeira infância, a velha Loja de Móveis Ideal (penso que também era fábrica) queimou inteiramente, ali, e as pessoas comentaram os detalhes e eu ouvi, inclusive dos uivos daquele cachorro que estava amarrado lá dentro e que queimou com ela, sem ninguém poder entrar para salvá-lo. O cachorro viu sua morte chegando inapelavelmente, e uivou o quanto pode para tentar escapar do maior horror da sua vida, inutilmente. Eu tinha três ou quatro anos, apenas, mas os uivos daquele cachorro desconhecido entraram na minha pequena alma de então e ficaram por toda a vida. Nunca mais pude ir à Rua Capitão Euclides de Castro sem ouvi-los. Estão lá, ainda, mesmo agora que há aquela rua bonita onde se pode passear como se nunca houvesse acontecido uma tragédia ali. Passo por lá e os ouço, e como são fortes dentro de mim…
(Para Luis Angel Ramil e para aquele cachorro)