Por Márcia Pontes, Especialista em Trânsito
Na entrevista coletiva desta terça-feira (10/01/17) a prefeitura de Gaspar vai ter muito o que explicar sobre a inauguração à toque de caixa da Ponte do Vale, já que as consequências de entregar a via sem a devida sinalização podem ser desastrosas.
Primeiro, porque nenhuma via pavimentada poderá ser entregue após sua construção, ou reaberta ao trânsito após a realização de obras ou de manutenção, enquanto não estiver devidamente sinalizada, vertical e horizontalmente, de forma a garantir as condições adequadas de segurança na circulação. Isso é o que diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) em seu artigo 88 e que traz em seu parágrafo único que nas vias ou trechos de vias em obras deverá ser afixada sinalização específica e adequada.
Segundo, porque nenhum condutor poderá ser autuado por quaisquer infrações cometidas o complexo da Ponte do Vale segundo o art. 90 do CTB, justamente, por falta de sinalização adequada; e, terceiro, qualquer cidadão que se machuque ali ou perca a vida em um acidente de trânsito poderá ingressar com ação indenizatória contra a prefeitura pleiteando o ressarcimento dos danos.
Para piorar, o titular da Secretaria de Planejamento, que também é engenheiro, afirmou em entrevista à uma emissora de rádio em Gaspar que ainda não conhece o cronograma para que toda a infraestrutura básica seja feita. Algumas placas de sinalização já foram implantadas no local, mas, ainda assim, continua longe do ideal.
Não existe segurança mínima
Quando se fala em segurança no trânsito não existe o mínimo porque o mínimo é muito pouco em se tratando de vidas que podem ser perdidas, principalmente, quando se rasgam alguns fundamentos do CTB para inaugurar um complexo viário antes do Natal, como se isso fosse mais importante do que entregá-lo à população como deveria ser: devidamente sinalizado.
Que segurança se pode ter em uma via às escuras, sem sinalização eficiente vertical e horizontal, sem placas nos cruzamentos, na rotatória, sem calçadas e passeios para pedestres e ciclistas. Estes trafegam pela Ponte do Vale caminhando pela pista de rolamento em disputa de espaço com os motorizados.
Sobre a inexistência de iluminação e de entregar à população uma via às escuras, com uma rótula não sinalizada, sem a junta das placas de concreto em cima da ponte; ainda que reconhecendo publicamente que é “fundamental” e que seja “muito delicado”, o gestor entrevistado afirmou há cerca de uma semana: “a gente ainda não sabe efetivamente o que requer para que seja feita”. Tomara que já tenham a resposta para a entrevista coletiva de terça-feira, dia 10 de janeiro.
Motoristas infratores não poderão ser autuados
Outro fato é que os condutores que cometerem quaisquer infrações de trânsito por mais graves que sejam na Ponte do Vale não poderão ser autuados com base no artigo 90 do CTB: “Art. 90. Não serão aplicadas as sanções neste Código por inobservância à sinalização quando esta for insuficiente ou incorreta.”
Vejam que o CTB fala em não aplicação de todas as sanções previstas no CTB e ainda que os condutores sejam autuados, qualquer defesa prévia apresentada aos órgãos julgadores de infrações fundamentada no artigo 88 e 90 invalida a autuação. Sabem porque? Porque a correta sinalização da via é condição primordial para abri-la ou não à circulação do público. É imperiosa mediante disposição do próprio CTB, que cabe ao município mediante o compromisso assumido no artigo 24 de cumprir e fazer cumprir as leis de trânsito no âmbito de suas competências.
O próprio Secretário de Planejamento da prefeitura de Gaspar admite em entrevista à rádio Sentinela que a obra foi entregue inacabada.
Sim, a sinalização é critério básico, é fundamento, mas mesmo assim foi referida como “uma medida pequena, mas muito relevante” pelo secretário de Planejamento de Gaspar. A tal medida “pequena, mas relevante” refere-se à colocação de sinalização vertical (placas de sinalização) informando aos condutores e usuários da Ponte do Vale a velocidade regulamentada na via sem iluminação e sem calçada para pedestres e ciclistas.
O secretário de Planejamento admite: “infelizmente, a obra não está concluída, ela não tem iluminação, ela não tem toda a sinalização horizontal e muito menos placa de regulamentação e advertência, que é o mínimo que a gente precisaria ter para abrir uma obra desse vulto.” Então, se a municipalidade reconhece isso, porque passaram por cima do art. 88 do CTB e do bom senso e entregaram a obra inacabada colocando os seus usuários em risco?
A explicação é que de que, embora a empresa responsável estivesse no local, ela nada poderia fazer neste sentido porque a sinalização não estava no seu cronograma de trabalho até a inauguração no dia 23 de dezembro. Só após a inauguração é que foram colocadas algumas placas de regulamentação de velocidade, de parada obrigatória e de advertência de curva, segundo o secretário de planejamento de Gaspar, que também é engenheiro, “para deixar os usuários minimamente informados a respeito da velocidade regulamentar da via.” E complementa que “segurança é muito necessário numa obra como essa”. Ao que pergunto: “Muito? Quanto?”
Ora, se em todos os aspectos da vida o mínimo é muito pouco e ninguém compra alguma coisa com qualidade e com segurança mínima, imaginem em se tratando de segurança no trânsito!
Questionado sobre a inexistência de calçadas e espaços seguros para os pedestres e ciclistas, que estão expostos ao perigo de transitarem na pista de rolamento, disputando espaços com os carros, o secretário de planejamento afirma que “é ruim, a gente não quer ver nenhum desgosto ou uma tragédia nessa ponte.” Mas, quando afirma que “visto que ela é fundamental para a cidade e para o Vale todo”, mais parece tentar justificar a medida precipitada de abrir a via à circulação de pessoas e veículos.
Município tem o dever de indenizar em caso de acidente
É claro que ninguém quer ter o desgosto de assistir ou noticiar e se responsabilizar por uma tragédia em cima da Ponte do Vale porque a obra passou por cima do próprio CTB, do bom senso e entregou uma obra que não poderia ser entregue sem a devida sinalização, em estar acabada e entregue com as condições mínimas de segurança. Agora resta torcer para não nenhum acidente seja provocado ali porque existe a responsabilidade civil objetiva do município, que deverá indenizar os prejudicados.
O §3º, do artigo 1º, do Código de Trânsito Brasileiro, determina: “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.”
O artigo 37, caput, da Constituição Federal determina: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
§ 6º, do inciso XXII: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Dessa forma, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal, em caso de omissão a responsabilidade da Administração Pública está assentada na ocorrência de dois pressupostos: a falta do serviço que incumbia ao ente público realizar e a culpa por não haver realizado, sendo assim, demonstrando por meio de prova documental que os danos causados foram provocados por falta de sinalização e/ou entrega da obra inacabada, tem o cidadão direito à indenização.
Vamos aguardar até terça-feira, na entrevista coletiva, para obter respostas para essas e outras questões relacionadas à Ponte do Vale.