A Páscoa é uma das celebrações cristãs mais importantes na Alemanha, marcada por uma combinação de rituais religiosos e costumes populares. Desde o Sábado Santo até a Segunda-feira de Páscoa, é comum que famílias se reúnam para decorar ovos coloridos, acender fogueiras (Osterfeuer) e organizar caças aos ovos para as crianças. As igrejas realizam missas especiais, e muitas cidades promovem procissões e festividades que simbolizam a ressurreição de Cristo e a renovação da vida. Essa celebração carrega um profundo significado espiritual para os cristãos, reforçando valores de fé, esperança e renovação.
No coração da Alta Lusácia, a cidade de Bautzen é reconhecida como a Osterhauptstadt (Capital da Páscoa) da Alemanha, um título que reflete a riqueza de suas tradições pascais. Habitada há séculos pelo povo sorábio, Bautzen preserva rituais únicos que combinam a fé cristã com expressões culturais distintivas. A mais emblemática dessas tradições é a Osterreiter-Prozession (procissão dos cavaleiros da Páscoa), um evento solene que reúne cavaleiros trajados de preto e montados em cavalos adornados para proclamar a ressurreição de Cristo em uma jornada entre cidades vizinhas.
A Páscoa na Alta Lusácia vai além de uma celebração religiosa: é um momento de reafirmação cultural e de união comunitária. A presença dos sorábios, a menor etnia eslava da Alemanha, confere à região um caráter singular, onde costumes antigos permanecem vivos. Durante a Semana Santa, Bautzen se transforma em um palco de devoção e beleza, com suas ruas enfeitadas, cerimônias litúrgicas e eventos tradicionais, como a Eierschieben (corrida de ovos) e o Osterblasen (música pascal de metais).

A ORIGEM DO RITO ANCESTRAL
As origens do Osterreiten remontam a tempos pré-cristãos, quando os povos germânicos realizavam cavalgadas rituais para celebrar a chegada da primavera. Esses passeios a cavalo eram uma forma de invocar bênçãos para a fertilidade da terra e afastar os maus espíritos do inverno. Nessas cerimônias, os cavaleiros percorriam os campos, entoando cânticos e fazendo oferendas para garantir boas colheitas no novo ciclo agrícola. Esse costume pagão refletia a forte conexão das antigas tribos germânicas com a natureza e seus ciclos, servindo como um elo espiritual entre o homem e o divino.
Com a difusão do Cristianismo na Alta Lusácia, que se intensificou entre os séculos X e XI, a tradição das cavalgadas primaveris foi ressignificada e incorporada ao calendário religioso. Os sorábios, um povo eslavo ocidental que habitava a região, já tinham contato com o Cristianismo anteriormente, mas a conversão em larga escala foi impulsionada por missionários germânicos e pela influência da Igreja. Assim, os antigos ritos de fertilidade deram lugar à celebração da ressurreição de Cristo, e a cavalgada passou a simbolizar a proclamação da vitória da vida sobre a morte. Desde então, os cavaleiros passaram a percorrer as aldeias na manhã do Domingo de Páscoa, levando a mensagem da ressurreição e pedindo bênçãos para as colheitas e o bem-estar das comunidades.
Durante a Reforma Protestante no século XVI, muitas práticas religiosas associadas ao Catolicismo foram contestadas, e em diversas regiões da Alemanha, as procissões e celebrações tradicionais foram modificadas ou suprimidas. No entanto, o Osterreiten demonstrou uma notável resiliência. Embora tenha sido proibido em algumas localidades sob influência protestante, em outras permaneceu, mesmo em áreas de maioria luterana.
Na Alta Lusácia, onde algumas comunidades mantiveram laços com o Catolicismo devido à sua ligação histórica com a Coroa da Boêmia, a cavalgada continuou a ser realizada, reforçando seu papel como expressão da identidade local. A Paz de Augsburgo, assinada em 1555, estabeleceu o princípio do Cuius regio, eius religio (A religião do governante determina a religião da região), garantindo que as tradições católicas pudessem ser preservadas em territórios onde a fé romana ainda prevalecia. Isso permitiu que a cavalgada pascal continuasse a ser realizada nas comunidades católicas da região.
Mesmo diante de mudanças políticas e sociais, o Osterreiten sobreviveu e manteve sua relevância na Alta Lusácia, especialmente entre os sorábios ao redor de Bautzen. Durante o século XX, enfrentou desafios adicionais, como a vigilância nazista e as restrições impostas pelo regime da República Democrática Alemã (RDA), que via as manifestações religiosas com desconfiança. No entanto, com a reunificação da Alemanha, o Osterreiten voltou a crescer em popularidade, atraindo não apenas fiéis, mas também visitantes que buscam testemunhar essa tradição centenária. Hoje, mais do que uma celebração religiosa, a cavalgada pascal simboliza a continuidade cultural e a preservação da identidade sorábia ao longo dos séculos.

COMO ACONTECE O RITUAL NA ATUALIDADE
No Domingo de Páscoa, a cidade de Bautzen desperta ao som dos cascos dos cavalos e dos cânticos entoados pelos cavaleiros do Osterreiten. Vestidos com sobrecasacas pretas, camisas brancas engomadas e cartolas imponentes, os cavaleiros seguem uma tradição de séculos, montando cavalos adornados com arreios refinados e laços bordados. Os mais experientes lideram a procissão, carregando estandartes religiosos, crucifixos e imagens de Maria, simbolizando a missão de proclamar a ressurreição de Cristo. Esse espetáculo visual, repleto de simbolismo, não apenas mantém viva a fé católica na região, mas também fortalece a identidade cultural sorábia.
A jornada começa logo pela manhã, quando os cavaleiros saem de Bautzen e percorrem os campos e aldeias vizinhas em direção a Radibor. Antes de partir, eles dão três voltas ao redor da igreja local, recebendo a bênção do pároco e iniciando sua missão com cânticos em sorábio e alemão. Durante o trajeto, as nove procissões que partem de diferentes localidades se cruzam pelo caminho, unindo-se momentaneamente em uma celebração ainda maior. A cada vilarejo, os moradores esperam ansiosos à beira das estradas para assistir à passagem dos cavaleiros, enquanto as igrejas recebem as comitivas com hinos e orações.
Mais do que um evento religioso, o Osterreiten representa um momento de profunda conexão entre fé, comunidade e tradição. Para os participantes, cavaleiros de todas as idades, a procissão é um ato de devoção e compromisso com a herança cultural sorábia. Para os moradores e visitantes, assistir ao desfile é testemunhar um costume que transcende gerações e continua a emocionar. A cavalgada, que já resistiu a guerras, regimes políticos e mudanças sociais, segue sendo um símbolo de perseverança e identidade, provando que algumas tradições não apenas sobrevivem ao tempo, mas se fortalecem com ele.
UM EVENTO DE PRESERVAÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL
Nos últimos anos, o Osterreiten tem atraído um público cada vez mais diversificado, ultrapassando as fronteiras da comunidade católica e ganhando reconhecimento em toda a Alemanha. Mesmo em regiões de maioria protestante ou secularizada, a cavalgada pascal desperta curiosidade e admiração, consolidando-se como um evento cultural de grande relevância. Turistas e estudiosos do folclore germânico visitam Bautzen e outras localidades da Alta Lusácia para testemunhar essa impressionante manifestação de fé e tradição. A popularidade crescente reflete não apenas o interesse pelo patrimônio cultural sorábio, mas também uma busca contemporânea por raízes e rituais que tragam significado e pertencimento.
Em tempos de modernidade acelerada, onde muitas tradições perdem espaço para a globalização e a tecnologia, o Osterreiten resiste como um elo entre o passado e o presente. A cavalgada simboliza um anseio crescente por espiritualidade, pela valorização da comunidade e pela preservação da identidade cultural. Dentro da Alemanha moderna, os sorábios demonstram uma notável capacidade de manter vivas suas expressões culturais e religiosas, reforçando sua presença como um dos povos minoritários mais resilientes do país. Assim, o Osterreiten não é apenas um ritual antigo que sobreviveu ao tempo, mas um testemunho da força e do significado das tradições na sociedade contemporânea.
OUTROS COSTUMES PASCAIS DA ALTA LUSÁCIA
Além do Osterreiten, a Alta Lusácia preserva outras tradições pascais únicas, que encantam moradores e visitantes. Uma das mais populares é o Eierschieben, ou “deslizar dos ovos”, realizado no Protschenberg, em Bautzen. Esse costume remonta ao século XVI e envolve crianças rolando ovos coloridos colina abaixo, competindo para ver qual chega mais longe. Originalmente, a prática simbolizava a renovação da vida e a chegada da primavera, mas, ao longo dos séculos, tornou-se um evento festivo para famílias inteiras, combinando diversão e tradição.
Outro costume marcante é o Osterblasen, uma tradição musical na qual grupos de músicos de metais percorrem vilarejos na noite de sábado para domingo de Páscoa, tocando hinos e canções pascais. Em Berthelsdorf, essa prática ocorre há mais de 130 anos, sendo um momento especial de celebração e fé. Os sons dos trompetes e trombones ecoam pelos campos e igrejas, anunciando a ressurreição de Cristo e trazendo uma atmosfera solene e festiva ao mesmo tempo.
Essas tradições, junto com a cavalgada pascal, formam um mosaico cultural único que distingue a Alta Lusácia do restante da Alemanha. Ao preservar esses costumes, a região fortalece sua identidade e mantém viva a herança sorábia, transmitindo às novas gerações não apenas ritos religiosos, mas também um profundo senso de pertencimento e respeito pela história local.

Por séculos, a procissão a cavalo em Bautzen tem sido mais do que um rito religioso – é um elo entre gerações, um testemunho vivo da fé e da identidade sorábia. Cada ano, os cavaleiros percorrem os campos, carregando a mensagem da ressurreição e reafirmando o compromisso de preservar essa tradição. O som dos cânticos em sorábio e alemão, o trote ritmado dos cavalos e a reverência dos espectadores transformam essa jornada em um ato de devoção coletiva.
Mais do que participantes, os cavaleiros são guardiões dessa herança, transmitindo-a de pais para filhos, garantindo que a fé e a cultura de seu povo continuem a ecoar pelas próximas gerações. A cada Páscoa, quando atravessam os vilarejos anunciando a boa nova, eles reafirmam não apenas a ressurreição de Cristo, mas também a força de uma tradição ancestral que resiste ao tempo – uma celebração da fé, da identidade e da continuidade de um povo que se mantém firme em suas raízes.
Clay Schulze (@clay.schulze) é Presidente Do Centro Cultural 25 de julho de Blumenau e integrante do Männerchor Liederkranz, Coro Masculino Liederkranz do Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau
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