O encontro entre a blumenauense Carolina Nunes e Angela Merkel

Foto: Bundesregierung / Guido Bergmann
Foto: Bundesregierung / Guido Bergmann

 

No dia 18 de julho, a arquiteta blumenauense Carolina Viviane Nunes foi recebida pela chanceler alemã Angela Merkel em Berlim. Ela pesquisadora do Bundeskanzler Stipendium, um projeto patrocinado pessoalmente por Merkel, que tem como objetivo estreitar laços e construir a cooperação entre estes países e a Alemanha.

Carolina Nunes se define como alguém interessada por cidades e pessoas, em fazer os espaços urbanos serem áreas de convivência mais agradáveis e que permitam uma interação maior entre a sua população e a natureza. Graduada pela UFSC (2005), fez pós-graduação em Arquitetura Sustentável na FURB e tem MBA em Gestão de Negócios Imobiliários e da Construção Civil pela FGV.

Trabalhou por mais de 10 anos com arquitetura e urbanismo em escritório, com projetos nas áreas de arquitetura residencial, interiores e paisagismo, com destaque em projetos para o mercado imobiliário (prédios residenciais) e alguns projetos públicos (Praça do Estudante, em coautoria com o arquiteto Thiago Mondini e Parque das Itoupavas, em que fui gerente pela Terra Arquitetura).

“Acredito no poder de mobilização para reunir ideias e tirá-las do papel. Um bom exemplo disso é a minha palestra no TEDxBlumenau, em que tratei do processo de sensibilização das pessoas como estratégia para mudar nossas cidades para oferecer melhor qualidade de vida geradora de oportunidades”, disse Carolina.

Quando o assunto é música, ela é eclética e gosta de pop-rock, jazz, blues, world music, etc.. Ultimamente tem ouvido a Radio Fip, uma rádio francesa disponível online e que toca tudo isso, de uma forma bem variada, mas com transições suaves. No quesito leitura, ela prefere autores como Adélia Prado, Clarice Lispector e Saramago, em que é possível perceber a humanidade de quem escreve.

Atualmente Carolina mora na Alemanha e fizemos essa entrevista para saber como foi o encontro com Merkel e mais detalhes sobre o projeto que está envolvida.

 

Com todo grupo | Foto: Humboldt-Foundation/ David Ausserhofer

 

OBlumenauense: Qual foi a principal pauta no encontro com Angela Merkel?

Carolina Nunes: A pauta do nosso encontro foi bastante protocolar, tendo mais a ver com o programa no qual estou envolvida, o Bundeskanzler-Stipendium. Mas ela também sabe ser divertida quando preciso, fala muito bem, sempre impressiona na forma de usar as palavras. Como o encontro foi um dia após o seu aniversário, cantamos um parabéns para você!

OBlumenauense: Ela conhecia Blumenau?

Carolina Nunes: Soube que Merkel já ouviu falar de Blumenau e inclusive conheceu pessoalmente blumenauenses, antes de ser chanceler. Nossa cidade é razoavelmente conhecida pelas autoridades. Em diversas oportunidades, ao conversar com membros do alto escalão do governo e das instituições alemãs, percebi que muitos já ouviram falar o nome da cidade. Alguns já estiveram em Blumenau, quando conheceram o centro (os nomes alemães das ruas e dos estabelecimentos chamaram a atenção) e alguns até foram ao Spitzkopf. Alemão adora natureza.

 

Com as mulheres do programa | Foto: Humboldt-Foundation/ David Ausserhofer

 

OBlumenauense: Você faz parte do Bundeskanzler Stipendium, junto com outros pesquisadores. Como é a relação com os integrantes dos outros países?

Carolina Nunes: O Bundeskanzler-Stipendium é um programa destinado a potenciais influenciadores do futuro, com participantes do Brasil, Rússia, Índia, China e Estados Unidos. Os temas são bastante diversos e cada um desenvolve seu projeto de forma individual na instituição, e com o mentor de sua escolha. Mas naturalmente acontecem diversas conexões, como um projeto que estou desenvolvendo com a indiana Pooja Gianchandani, com o objetivo de engajar 500 jovens no Brasil na causa de rios e cidades, com um horizonte de expansão para a Índia e depois outros países.

OBlumenauense: Desde quando está nesse projeto e o que oportunidades ele já lhe ofereceu?

Carolina Nunes: O programa tem uma duração de um ano e meio ao total. Inicialmente, tivemos curso intensivo de alemão por 3 meses em Bonn, seguido de um Seminário Introdutório entre Bonn e Berlin. Visitamos diversas instituições como o Ministério de Cooperação Internacional, a Agência de Cooperação Internacional, a Central de Educação Política, o Parlamento Alemão, entre outras.

O meu projeto iniciou em novembro em Munique, na Universidade Técnica de Munique, com a mentoria da Professora Sophie Wolfrum, que coordena a cadeira de planejamento urbano e regional;, e do especialista Walter Binder, que liderou os projetos de renaturalização do rio Isar, uma referência mundial no assunto. Além disso, tivemos ainda duas semanas de viagem de estudos com todo o grupo, para conhecermos melhor a história e cultura da Alemanha, quando visitamos algumas instituições (como o equivalente ao Supremo Tribunal Federal) e a Comissão Europeia em Bruxelas.

Estive por um mês na Universidade de Delft, na Holanda, onde tive contato com os principais projetos contemporâneos holandeses para rios, cidades, e cidades adaptáveis e resilientes (mudanças climáticas e enchentes), em que os holandeses estão na ponta. Também fiquei um mês na Universidade de Copenhagen, Dinamarca, que é conhecida pelo conceito de Cidades para Pessoas, através de um processo de retomada dos espaços públicos.

 

Jantar no terraço do Auswärtiges Amt (Relações Internacionais) | Foto: Humboldt-Foundation/ David Ausserhofer

 

OBlumenauense: Qual é a sua principal linha de pesquisa, que pretende estudar e desenvolver enquanto estiver na Europa?

Carolina Nunes: Gosto de deixar claro que o projeto não é uma pesquisa acadêmica e específica. É uma pesquisa mais ampla e abrangente, com o objetivo de formar um pensamento de gestão. O meu projeto é sobre Rios e Cidades, envolvendo questões ambientais e espaços públicos, como uma interconexão entre as experiências administrativas e a participação da sociedade. Em outras palavras, como podemos construir cidades mais integradas com a natureza e pensadas para o uso humano e convívio entre as pessoas nos espaços públicos – que são os lugares que pertencem a todos! E como isso foi feito tecnicamente e com a participação da sociedade. Enquanto no Brasil ainda seguimos o modelo europeu do século passado, de retificar os rios e concretar as margens, na Europa contemporânea busca-se renaturalizar os rios, ou seja, retirar/reduzir a interferência humana e buscar uma situação mais próxima da natural.

 

Recebendo certificado do Presidente da Fundação Alexander von Humboldt, Professor Helmut Schwartz | Foto: Humboldt-Foundation/ David Ausserhofer

 

OBlumenauense: Pretende voltar para Blumenau e tentar implantar algum projeto que está pesquisando?

Carolina Nunes: Tenho um amigo que diz que eu não vou resolver nenhum problema, mas criar mais um: vou fazer com que as pessoas vejam que isso é um problema delas. No fundo, é isso. O que está a meu alcance é mostrar novas possibilidades e conscientizar. Mudar as mentes é sempre o trabalho mais árduo. Para realizar projetos que podem fazer a diferença e mudar o modo como a integração entre os rios e as cidades ocorre em Santa Catarina e no Brasil, é preciso o apoio da população e da classe política. Os projetos vão precisar, também é claro, de recursos financeiros. O site que apresenta melhor o meu projeto, o www.humanitat.com.br , está no ar com o apoio do Sindilojas, IHB, Carton Druck e Todo Livro. O site reúne diversas ideias, artigos, fotos e vídeos, muitos dos quais gostaria de ver implementados na cidade.

OBlumenauense: O que está vendo na Alemanha, que deveria com urgência ser implantado em Blumenau?

Carolina Nunes: Ano passado estive na GIZ (Agência de Cooperação Internacional), participando de um debate sobre cidades sustentáveis. Fiz um panorama de problemas urbanos de Blumenau e perguntei para o Sr. Günter Meinert, líder da área de cidades, sobre o que ele achava que Blumenau deveria aprender com a Alemanha contemporânea. Ele foi taxativo: explicou que devemos olhar para outras cidades e aprender com os erros. A Alemanha concretou as margens, construiu rodovias e separou as cidades dos rios, e agora está gastando muito dinheiro para desfazer tudo isso.

Nesse sentido, eu gostaria de sugerir que as áreas junto aos rios pudessem abrigar caminhos e passeios conectados. Lembrando que esses espaços são áreas naturais, não devemos pensar em criar praças, com paver, canteiros, etc. Penso em caminhos mais orgânicos, mas que existam os acessos e que sejam longos e contínuos, para que também possamos usar como mobilidade.

Além disso, existem vários projetos acontecendo na Europa, na área de Cidades para Pessoas, Cidades Resilientes e Mudanças Climáticas, que são inclusive soluções mais baratas que as tradicionais e trazem benefícios extras. Por exemplo: em vez de apenas aumentar a tubulação de drenagem, construir parques e praças de retenção de água, que são eventualmente inundados, mas utilizados pela população na maior parte do tempo.

Outro ponto em relação a custos, é que muitas vezes calcula-se o preço da obra, mas não os custos ou economias adicionais. Há diversos estudos que relacionam a presença de parques com economia em saúde. E também a economia em hospitais com a construção de ciclovias seguras, que também estimulam a deixar o transporte individual em casa e proporcionam condições para o exercício físico e ganhos em saúde.

OBlumenauense: Quais são os seus planos para o futuro?

Carolina Nunes: Para o futuro, penso em estabelecer um instituto, que promova a mudança de paradigmas no entendimento da relação entre cidades e pessoas, utilizando soluções tecnológicas, de projetos, de ideias e inovação para transformar a realidade, gerando mais qualidade de vida. O IHB – Instituto Histórico de Blumenau – me ofereceu sua estrutura contábil e jurídica, como uma incubadora. Já estamos trabalhando em diversos projetos. Um deles é a produção de um filme curta-metragem, com os recursos do Fundo Municipal de Apoio à Cultura, que será distribuído para as escolas do município.