Nas cartas dos imigrantes: o dito e o não dito, o sonho e a realidade

 

 

 

 

 

Por Ana Maria Ludwig Moraes

Todo aquele que se interessa pela História, reconhece nas cartas pessoais uma fonte preciosa de informações. Elas nos levam de volta ao passado e temos a tendência de, em reverencia ao seu autor, aceitar tudo que está escrito como verdade absoluta.

Ao termos ao alcance um acervo com material de diversos autores, pertencentes a um mesmo período histórico, a chance de conseguirmos montar um considerável conhecimento acerca daquele tempo, é bastante significativo.

Havia todo um imaginário na Europa a respeito de outras terras, cenários paradisíacos com flores, frutas, aves e borboletas coloridas. Mas a realidade era bem outra: calor, insetos, umidade e pouca comida. Aliás, comida estranha, nem sempre fresca, estranha ao paladar europeu. Mesmo que por lá as coisas estivessem muito difíceis, os desafios aqui encontrados superaram as expectativas. Dos dezessete primeiros imigrantes que aqui chegaram com Hermann Blumenau em 1850, apenas dois casais permaneceram. Era necessária uma ação persistente de convencimento para emigração e as cartas tinham um papel preponderante neste aspecto.

 

 

Vejamos como Hermann Blumenau descreveu sua casa ao Secretário da Sociedade Colonizadora em Hamburgo, em carta de 10 de maio de 1852, dois anos após a fundação da Colônia:

“(…) eu, por minha pessoa possuo uma casa típica da região e ultimamente outra maior e mais confortável; ficando o quarto dos trabalhadores e o quarto das empregadas e a cozinha numa outra casa, também nova.
A casa velha tem três dependências, na parte da frente dois quartos assoalhados, a casa nova, além da sala de estar possui duas dependências no sótão.

(…) Defronte a casa ao lado esquerdo um jardim (…) em que estou trabalhando atualmente para plantar alguns pés de frutíferas, chá e outras espécies de árvores. Ao lado direito um cercado para novilhas, de dois lados fazendo frente para um riacho e o rio grande. Atravessando o riacho possuo 25-30 morgos de plantação de cana-de-açúcar e uma usina de açúcar com alambique e outros apetrechos para destilação. Perto da minha casa existe um pasto (…) que (…) serve para umas 80 a 100 cabeças de gado. Atualmente só tenho 20 (…). Além disto possuo 30 galinhas, alguns patos e gansos, 4 porcos e 16 leitões. Ainda falta plantar laranjeiras, porém, mais de 1000 pés de banana estão dando um ótimo rendimento.

Os outros moradores estão mais ou menos bem acomodados, (…) com bastante produção de laranjas, pêssegos e bananas, criação de galinhas e porcos e também com gado, porém as casas residenciais são muito mal feitas como em geral no Brasil. A alimentação principal consiste em leite, ovos, carne de porco, carne seca, às vezes carne de aves ou peixe, verduras, feijão preto ou verde, farinha de mandioca. (…) Manteiga é produto de raridade, porém pode-se adquirir este produto de outros colonos rio abaixo. Os mais abastados da colônia plantam cana, mandioca, feijão, milho e também batatas e cebolas. (…) Batatas existem em abundância, algodão e café somente para uso caseiro (…) O[s] produto[s] de maior exportação é a cachaça, madeiras de construção, tábuas, feijão e batatas.

(…) O senhor talvez está imaginando que tudo aqui é completo mato virgem, mas até a distância de uma hora abaixo da minha casa, quase tudo é habitado. (…) e somente aqui encima e acima da cascata (…) existe um lindíssimo mato virgem que espera os seus povoadores e a abertura de caminhos”.

Hoje ao lermos estas linhas, sabemos que na verdade Hermann Blumenau vislumbrava o futuro que desejava para sua Colônia e que, felizmente, de fato se concretizou. Ele era, assim como Fritz Müller, e tantos outros de sua geração, idealistas com coragem suficiente para se lançar ao desconhecido em busca de um futuro que a Europa do momento não oferecia.

Lançando mão de cartas de outros imigrantes, temos a possibilidade de conhecer outros depoimentos e tecer nossa própria opinião sobre as origens da cidade de Blumenau e de seus pioneiros. É o que compartilharemos na próxima quinzena! Até lá!