O Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina, em parceria com a Fundação Nacional do Índio (Funai), promoveu nesta terça-feira (20/08/19), uma palestra de instrução e sensibilização sobre a presença indígena no estado para policiais militares do 10º Batalhão da PM. O evento aconteceu na sede da Procuradoria da República em Blumenau
e abordou aspectos da história e cultura das principais etnias, em especial os Xokleng, que tem uma terra indígena demarcada em José Boiteux (SC), onde já ocorreram vários conflitos.
O evento teve a participação dos servidores da Funai Luís Felipe Bueno, Fernando Giancomini e João Paulo Severo, do responsável pela Casa de Passagem indígena em Curitiba (PR) Ubirajara Salles Zoccoli, de servidores da Defesa Civil do estado, da liderança da Etnia Xokleng Samuel Priprá e de outros integrantes da comunidade indígena residentes em Blumenau, do comandante do 10º BPM, tenente-coronel Jefferson Schmidt; 36 policiais militares e da procuradora da República Lucyana Marina Pepe Affonso, titular do Ofício do MPF na cidade, responsável pelas questões referentes a populações indígenas e comunidades tradicionais.
Entre os assuntos, um histórico das comunidades originárias do solo brasileiro, o contato com os colonizadores europeus, os genocídios, escravidão, perseguições, expulsões e assimilações forçadas que os povos indígenas sofreram. Ressaltou-se que o povo Xokleng é o habitante originário do território que hoje constituiu o município de Blumenau, tendo havido muitas guerras no começo do século XX com os colonos europeus.
Direitos indígenas
Foram também enfatizados os direitos e garantias constitucionais dos povos indígenas adquiridos pelo marco histórico trazido pela Constituição de 1988, assim como em diversos instrumentos internacionais, entre eles o respeito à sua cultura, costumes e organização social. Foi destacado que a diversidade cultural é patrimônio da humanidade e deve ser não apenas garantida, mas também fomentada, pelo estado brasileiro.
A Funai também relembrou a sua função na sociedade civil como órgão responsável pela política indigenista, inclusive quanto à necessidade de estimular políticas públicas voltadas para os indígenas que passam a residir em centros urbanos em busca de estudos ou por outros motivos.
No encontro foi evidenciado que atualmente o número de indígenas no Brasil é de aproximadamente 900 mil (sendo mais de 300 mil em áreas urbanas), que se dividem em 305 etnias, com cerca de 274 línguas (cerca de 17,5% da população indígena não fala português). A região Sul tem cerca de 75 mil indígenas, pertencentes a cinco diferentes etnias. Entre as maiores estão Xokleng, Kaingang e Guarani, com diferentes crenças e características culturais e históricas.
Também foi abordada na palestra a impropriedade de negar a identidade indígena sob a afirmação de que já estariam “aculturados”, ressaltando-se que todas as culturas estão em constante transformação, se mantendo a partir de suas especificidades, inclusive a indígena.
Integrantes da Defesa Civil estadual relataram os impactos negativos causados na Terra Indígena La-Klãnõ-Xokleng pela Barragem Norte, bem como dividiram as experiências que tiveram realizando cadastros sociais, destacando o relacionamento respeitoso que mantiveram com aquela comunidade. Uma das servidoras da Defesa Civil, Elna Fatima Pires de Oliveira, indígena da etnia Guarani, narrou histórias de preconceito sofridos por sua condição de indígena.
Preconceitos sofridos
Liderança e membros do Povo Xokleng também fizeram relatos de preconceitos sofridos, relatando serem um povo pacífico, de muita luta e fé.
Para o subcomandante do Batalhão, coronel José Batista, o evento foi uma ótima oportunidade para aproximar a PM dos indígenas de Blumenau, melhorando a prestação de serviços de segurança pública à comunidade. Sugeriu que fosse apresentada pelo Ministério Público Federal sugestão de procedimento de abordagem dos policiais nos casos envolvendo indígenas, para que futuramente fosse aplicado em todas as ações da Polícia Militar de Santa Catarina.
A procuradora Lucyana Marina Pepe Affonso lembrou que foi recentemente firmado convênio para a concessão de bolsas de estudos entre a Universidade Regional de Blumenau (Furb) e a comunidade indígena Xokleng de José Boiteux. Por isso, disse, é cada vez mais necessária a capacitação dos órgãos públicos para a presença indígena na cidade, bem como o conhecimento histórico e cultural sobre a etnia. Em 17/09/2018, diversos indígenas passaram a habitar um imóvel pertencente ao governo do estado abandonado há quatro anos, o qual se encontrava em péssimo estado de conservação, passando a limpar e preservar o local, mesmo sem água ou luz disponibilizados pelos órgãos públicos.
A procuradora da República do MPF em Blumenau afirmou ainda que está buscando viabilizar junto aos governos federal, estadual e municipal um local adequado e estruturado para os estudantes indígenas e suas famílias, assim como uma casa de passagem e um museu que conte a realidade histórica e cultural da comunidade indígena sob outra perspectiva daquela já encontrada na cidade.