O Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, em Blumenau, recebeu um novo item que enriquece seu acervo e lança luz sobre um período marcante da história do Brasil. Trata-se de um relato escrito pelo blumenauense Julio Baumgarten, registrado em alemão em sete folhas de papel higiênico. O texto, datado de outubro de 1938, narra a experiência de Baumgarten enquanto prisioneiro, acusado de integrar a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento conhecido pelos Camisas-Verdes, que tentou um golpe de Estado contra o governo de Getúlio Vargas.
Os papéis, escritos a lápis, foram encontrados em uma antiga caixa de charutos Dannemann de São Félix (BA), esquecida no fundo de um armário. Agora, o material está disponível para consulta no Arquivo Histórico, localizado na Alameda Duque de Caxias, 64, Centro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h30 às 17h.
Um registro da prisão
Baumgarten foi preso em 28 de setembro de 1938 e iniciou o relato entre os dias 3 e 7 de outubro do mesmo ano. Ele descreve a chegada à sede da polícia em Florianópolis, a primeira refeição composta de arroz e carne, e os procedimentos para sua entrada na penitenciária, incluindo a liberação de pertences. No texto, menciona que foi colocado em uma cela de 8 metros quadrados, com cama de madeira, uma lâmpada que permanecia acesa durante toda a noite, uma pia e um vaso sanitário.
“Acordávamos às 5h com o som de cinco badaladas de um sino. Às 6h, serviam uma xícara de café muito doce com pão. O almoço trazia feijão, arroz e carne, e às 17h, havia café com biscoito. À noite, o cardápio era repetido, seguido pela escuridão interminável da cela”, relata Baumgarten.
O documento também descreve o uniforme listrado azul e branco usado pelos presos, conhecido como “terno de zebra”, e a ausência de chapéus e tamancos.
Liberdade e pesquisa
Baumgarten foi libertado em 27 de outubro de 1938, junto a outros quatro presos. Para quem deseja aprofundar-se no contexto histórico, a tese de doutorado de Clayton Hackenhaar, intitulada “O integralismo em Santa Catarina e a tentativa de golpe em março de 1938”, apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fornece um panorama detalhado.
Preservação da memória
Sylvio Zimmermann Neto, secretário municipal de Cultura e Relações Institucionais, destacou o valor do documento para a compreensão histórica. “Esses relatos nos ajudam a entender eventos que moldaram nossa República e nos oferecem reflexões sobre momentos desafiadores do passado. A simplicidade do suporte, um papel higiênico, contrasta com a profundidade das memórias ali registradas.”
O Arquivo Histórico José Ferreira da Silva preserva não apenas documentos do Executivo, Legislativo e Judiciário, mas também acervos familiares e registros iconográficos, que superam 5 milhões de imagens. Entre seus destaques está a hemeroteca Hermann Baumgarten, que guarda periódicos locais desde o Blumenauer Zeitung, primeiro jornal da cidade.
Essas contribuições tornam o Arquivo uma referência na preservação da memória regional, oferecendo ao público um rico material histórico desde a década de 1960 por meio da Revista Blumenau em Cadernos.