Max Raabe e os Palast Orchester: o charme da era de Weimar na música contemporânea

Com elegância e precisão histórica, o grupo revive o som sofisticado dos anos 1920 e 1930 nos palcos do século XXI. Confira a coluna Hallo Heimat, de Clay Schulze.

Berlim, anos 1920. A cidade pulsava ao ritmo de um fervilhante caldeirão cultural. A Alemanha, recém-saída da Primeira Guerra Mundial, encontrava na arte uma válvula de escape para os desafios políticos e econômicos. Era um tempo de reinvenção, e a capital alemã se tornou o epicentro de uma revolução artística sem precedentes. No cabaré, nos teatros e nos clubes de dança, a música dava o tom da libertação.

A era do cinema mudo ganhava trilhas sonoras vibrantes, e nomes como Marek Weber, Stefan Weintraub e Julian Fuhs traziam ao público composições carregadas de ironia e melancolia. As canções falavam de amor e tragédia, de sonhos e desilusões, de uma cidade que dançava à beira do abismo. Berlim era um mosaico de jazz importado dos Estados Unidos, harmonias europeias sofisticadas e um lirismo tipicamente alemão. Foi nesse caldeirão sonoro que nasceu um estilo inconfundível: a música de salão dos anos dourados de Weimar.

Era o tempo dos grandes salões de baile, dos cabarés fumacentos, das orquestras elegantemente vestidas e dos crooners que hipnotizavam a plateia. As canções de amor eram cantadas com um misto de charme e sarcasmo, refletindo a dualidade de uma sociedade que se equilibrava entre o hedonismo e a incerteza do futuro. Foi dessa atmosfera nostálgica que Max Raabe e seu Palast Orchester resgataram a sonoridade única da época, trazendo-a para os palcos contemporâneos com uma fidelidade impressionante.

O RENASCIMENTO DA MÚSICA DE WEIMAR NO SÉCULO XXI

Com a ascensão do nazismo nos anos 1930, o brilho da música berlinense da Era de Weimar foi abruptamente ofuscado. Muitas das canções que encantavam os cabarés e salões de dança foram proibidas, e seus compositores e intérpretes, muitos deles judeus ou ligados a movimentos artísticos vanguardistas, foram perseguidos ou forçados ao exílio.

A Segunda Guerra Mundial e os anos de reconstrução que se seguiram trouxeram novas prioridades e estilos musicais, fazendo com que esse repertório caísse em esquecimento. As orquestras de dança que antes povoavam os palcos com melodias sofisticadas e humor inteligente deram lugar a uma nova cena musical, mais voltada ao pop e ao rock, deixando para trás o esplendor de uma era que parecia perdida para sempre.

Foi apenas na segunda metade do século XX que essa sonoridade começou a ser resgatada, e um dos nomes mais importantes nesse renascimento é, sem dúvida, Max Raabe. Fascinado desde a infância pelos discos das décadas de 1920 e 1930, Raabe dedica sua carreira a recriar com fidelidade e elegância a música da Era de Weimar.

A Palast Orchester em sua primeira formação. | Foto: Udo Lauer

ELEGÂNCIA E NOSTALGIA NA JORNADA DE MAX RAABE

A paixão de Max Raabe pela música das big bands começou cedo, de forma quase acidental. Ainda criança, enquanto vivia na cidade de Lünen, na Renânia do Norte-Vestfália, ele encontrou um antigo disco de 78 rotações pertencente a seus pais. A gravação instrumental intitulada ‘I’m Crazy About Hilda’ soava estranhamente diferente de tudo o que já ouvira. Havia ali uma melancolia envolvente, uma espécie de portal sonoro para um tempo perdido.

Esse encanto inicial o levou a explorar mercados de pulgas e lojas de discos usados, onde descobriu um mundo musical repleto de vozes elegantes e orquestrações sofisticadas. Sem perceber, ele já estava trilhando um caminho que definiria sua carreira: reviver a música dos anos dourados de Berlim com a mesma graça e autenticidade que um dia a tornaram inesquecível.

Apesar de sua paixão pelo repertório da República de Weimar, Raabe não seguiu inicialmente a carreira de cantor popular. Ao mudar-se para Berlim no início dos anos 1980, ele ingressou na Universidade de Artes de Berlim para estudar canto lírico, preparando-se para uma trajetória na ópera. Foi durante seus estudos que teve a ideia de formar uma orquestra dedicada a recriar o som das grandes big bands e grupos de dança dos anos 1920 e 1930.

Em 1986, junto com doze colegas, estudantes de música, igualmente fascinados por essa estética, fundou o Palast Orchester. O grupo ficou inicialmente sob a direção musical de Michaela Hüttich, também violinista da orquestra. Max posteriormente assumiu a liderança da big band.

Seu primeiro grande show aconteceu no saguão da Hochschule der Künste (Faculdade de Artes) de Berlim, durante o baile do teatro local. A reinterpretação dos sucessos da era pré-guerra agradou imensamente ao público. Eles foram os primeiros a abordar esse repertório com um nível mais profissional.

O grande avanço veio já em 1992, com a primeira produção própria do líder da banda, Max Raabe. A canção Kein Schwein Ruft Mich An (“Nenhum Porco Me Liga”), originalmente concebida como uma piada, tornou-se um enorme sucesso, impulsionando inesperadamente a fama dos talentosos músicos, e virou trilha sonora do filme ‘Der bewegte Mann’.

Após várias turnês pela Alemanha, Suíça, Áustria e Holanda, Max Raabe e a Palastorchester viajaram pela primeira vez para a América do Norte na primavera de 1998. O público americano também foi imediatamente conquistado.

O repertório do Palast Orchester é um mergulho na sofisticação musical do passado, mas também um exercício de reinvenção. Ao lado de clássicos da música alemã da Era de Weimar, como ‘Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt’ (a icônica canção de O Anjo Azul), ‘Veronika, der Lenz ist da’, entre outras, a orquestra também interpreta clássicos, incluindo composições de Cole Porter e Irving Berlin. Além disso, Raabe surpreende ao adaptar sucessos contemporâneos ao estilo retrô, como já fez com sucessos do pop. Essas versões, longe de serem meras curiosidades, demonstram a atemporalidade dos grandes temas musicais e o talento de Raabe em transportar qualquer melodia para o universo elegante e nostálgico do Palast Orchester.

Desde o início, o grupo se destacou não apenas pela excelência musical, mas também pela atenção meticulosa aos detalhes: figurinos impecáveis, microfones vintage e arranjos que respeitavam fielmente as partituras originais da época. O grupo não se destaca apenas musicalmente – seus espetáculos incorporam elementos de vaudeville e cabaré, o que cativa ainda mais os espectadores. Quase todos os 13 membros da orquestra dominam vários instrumentos e se destacam como solistas, algo que demonstram frequentemente em seus concertos com performances solo impressionantes.

A combinação entre rigor estilístico e um toque de modernidade fez com que Max Raabe e sua orquestra conquistassem públicos ao redor do mundo. Seu timbre refinado e sua postura de gentleman em cena evocam as estrelas do passado, enquanto sua habilidade de equilibrar humor e emoção dá às apresentações uma atmosfera irresistível.

A Palast Orchester em foto promocional | Foto: Gregor Hohenberg

O SUCESSO INTERNACIONAL E A RELEVÂNCIA CONTEMPORÂNEA

Desde sua fundação, o Palast Orchester e Max Raabe conquistaram um público fiel não apenas na Alemanha, mas em todo o mundo. Suas turnês internacionais passaram por palcos prestigiados, como o Carnegie Hall, em Nova York, e o Royal Albert Hall, em Londres, levando a sofisticação da Era de Weimar a novas plateias. A crítica especializada sempre destacou a autenticidade do trabalho de Raabe, elogiando sua capacidade de recriar com precisão o espírito dos anos 1920 e 1930 sem que isso pareça um mero exercício nostálgico. Seu sucesso também se reflete em premiações importantes, incluindo o Echo Klassik e o Paul-Lincke-Ring, reconhecimento máximo da música popular alemã.

Parte do apelo duradouro de Max Raabe está em sua habilidade de tocar o público moderno sem abrir mão da estética vintage. Sua música não é apenas uma reprodução do passado, mas um diálogo entre eras. Em suas apresentações, ele equilibra elegância e humor com maestria, transportando a audiência para um tempo onde o glamour e a ironia sofisticada dominavam os cabarés de Berlim. Além disso, sua interpretação impecável dá uma nova vida às canções, mostrando que os temas de amor, melancolia e diversão continuam universais. Assim, Raabe não apenas preserva um repertório quase esquecido, mas também prova sua relevância ao sensibilizar ouvintes de diferentes gerações.

Ao longo de sua carreira, Max Raabe lançou álbuns de grande sucesso, incluindo Übers Meer (2010), Küssen kann man nicht alleine (2011) e Der perfekte Moment… wird heut verpennt (2017), que conquistaram discos de ouro e platina. Sua discografia também inclui gravações ao vivo e projetos especiais, como MTV Unplugged, que reuniu artistas de diferentes estilos em torno do som refinado do Palast Orchester.

Entre seus maiores sucessos estão ‘Kein Schwein ruft mich an’, um hit que se tornou um clássico moderno, e ‘Ein Tag wie Gold’, tema da série de TV Babylon Berlin. Seu mais recente álbum, Mir ist so nach dir (2023), reafirma seu compromisso com a tradição ao apresentar exclusivamente canções originais da Era de Weimar, reforçando a missão de manter viva essa sonoridade única.

UMA CONEXÃO COM O BRASIL: ENTREVISTA COM O PIANISTA DO PALAST ORCHESTER

Em uma oportunidade exclusiva para O Blumenauense, consegui entrar em contato com Ian Wekwerth, pianista do renomado Palast Orchester. Ao lado de Max Raabe, ele é um dos últimos membros remanescentes da formação original da banda, que há quase 40 anos encanta plateias ao redor do mundo com sua recriação sofisticada da música das décadas de 1920 e 1930. Com grande gentileza, Ian respondeu a algumas perguntas especialmente para nosso portal, compartilhando histórias curiosas sobre a relação do grupo com a música brasileira, recordações de sua trajetória e detalhes sobre a atmosfera única dos espetáculos do Palast Orchester. Confira abaixo a entrevista:

Hallo Heimat – A música popular brasileira tem uma rica tradição que atravessa décadas, com gêneros como o samba e a bossa nova. Alguma canção ou artista brasileiro já chamou sua atenção? Existe a possibilidade de incorporar algo do repertório brasileiro ao estilo do Palast Orchester?

Ian Wekwerth: Na verdade, tivemos uma fase (quando éramos bem mais jovens) em que ‘Brasil’ [Ary Barroso] era interpretada regularmente – e até dançávamos durante a performance, com uma coreografia ensaiada! Infelizmente, não há gravações dessa época, e, sinceramente, não sei se alguém iria querer ver isso.

Nos anos 1990, eu dividi um quarto com nosso baterista Vincent Riewe (infelizmente falecido em 2017). Juntos, ouvimos muita música, e ele adorava os ritmos brasileiros. Para nós, alemães, esses ritmos são muito complexos e difíceis de executar com a pegada certa. Em particular, escutamos bastante Carmen Miranda. Agora que você trouxe esse assunto de volta à tona, vou ver se conseguimos convencer Max a cantar alguma música dela ou de um de seus contemporâneos.

Hallo Heimat – Se houvesse a oportunidade de se apresentar no Brasil, qual seria o cenário ideal para um concerto do Palast Orchester?

Ian Wekwerth: Nossos shows precisam de um palco de teatro clássico. Como você sabe, somos 13 músicos: além de Max, temos nossa talentosa violinista Cecilia Crisafulli, piano, quatro sopros de palheta, três metais e três na seção rítmica – então, o palco precisa ter um certo tamanho.

O que distingue nosso show – na minha opinião – é uma sequência cuidadosamente planejada de canções que despertam todas as emoções: são românticas, engraçadas, sérias, reflexivas e, às vezes, até filosóficas. A iluminação do palco desempenha um papel importante e é muito apreciada pelo público. Max apresenta cada música, muitas vezes com comentários divertidos e hilários, e, ao longo do show, menciona o nome de cada músico, muitos dos quais tocam mais de um instrumento. Depois de quase 40 anos tocando juntos, Max Raabe & Palast Orchester atingiram um nível de performance único – algo que traz sorrisos aos rostos de plateias ao redor do mundo.

UM ELO VIVO COM A HISTÓRIA MUSICAL ALEMÃ

Max Raabe não é apenas um intérprete da música da Era de Weimar — ele é um artesão do tempo, um artista que não se limita a reviver o passado, mas sim a reinventá-lo com sofisticação e inteligência. Sua abordagem combina precisão histórica com um olhar contemporâneo, mantendo a essência das canções originais, mas apresentando-as com frescor para novas audiências.

Seu humor sutil, sua elegância quase anacrônica e seu talento vocal impecável fazem com que essas músicas não sejam apenas relíquias de um tempo distante, mas sim peças atemporais, capazes de emocionar e entreter tanto os nostálgicos quanto os curiosos por essa sonoridade.

O fascínio pela Era de Weimar continua presente na cultura alemã contemporânea, seja no cinema, na moda ou na música. A série Babylon Berlin, com sua trilha sonora evocativa e ambientação detalhada, é um exemplo de como esse período ainda desperta interesse. O trabalho de Max Raabe e do Palast Orchester dialoga diretamente com esse ressurgimento cultural, reafirmando a importância desse repertório e sua influência na identidade artística da Alemanha.

Ao longo das décadas, o Palast Orchester não apenas manteve viva a memória da música de Weimar, mas também provou que essa sonoridade ainda ressoa fortemente nos dias de hoje. Mais do que um tributo, sua música é um lembrete de que, apesar das mudanças do tempo, certas expressões artísticas carregam um brilho eterno, um encanto que atravessa gerações sem perder sua magia.

O passado, nas mãos de Raabe, nunca foi tão presente, provando que a boa música não pertence a uma única época, mas sim a todos aqueles que sabem apreciá-la.

Clay Schulze (@clay.schulze) é Presidente Do Centro Cultural 25 de julho de Blumenau e integrante do Männerchor Liederkranz, Coro Masculino Liederkranz do Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau

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