Maryanne Carvalho: a enfermeira que já enfrentou muitos preconceitos e desafios

Sambista por paixão, ela é uma mulher que não se curva às dificuldades. Confira a sua trajetória e a mensagem para o Dia das Mulheres.

Foto: arquivo pessoal

Nascida no Rio de Janeiro (RJ) em 1975, Maryanne Carvalho viveu uma infância marcada por mudanças constantes. Filha de um Coronel aposentado da Marinha, cresceu em diversas cidades do Brasil, acompanhando as transferências do pai.

Aos oito anos, sua família fixou residência em Brasília, enquanto ele continuava viajando a trabalho. Foi na capital federal que Maryanne estudou, se formou em enfermagem pela Universidade de Brasília (UnB) e construiu grande parte de sua trajetória.

Desde cedo, sua identidade e autonomia foram postas à prova. Aos 14 anos, decidiu contar ao pai que era homossexual. O medo de represálias era real, especialmente por ele ser militar, um ambiente tradicionalmente rígido.

Mas, para sua surpresa, a resposta foi acolhedora: “Levanta”, ele disse. Maryanne se preparou para o pior, mas, em vez disso, recebeu um abraço e um conselho que levaria para a vida: “Você será sempre minha filha. Só quero que estude muito para que ninguém aponte o dedo para você.” Esse momento definiu sua força e confiança para enfrentar o mundo sem medo de ser quem era.

Filho: o orgulho de sua vida

Anos depois, Maryanne tomou outro grande passo: a maternidade. João Vitor, seu filho, hoje com 24 anos, foi concebido de forma planejada com seu melhor amigo. Na época, já havia se assumido para a família e queria sair de casa.

A amizade rendeu até um casamento simbólico, com as respectivas namoradas participando do evento, que logo depois, seguiram suas vidas separadamente. Foi mais uma vitória para o forte desejo de ser mãe. O filho se tornou uma das maiores alegrias e motivações.

Enfermagem e preconceito

Após concluir a faculdade, Maryanne construiu uma carreira sólida na enfermagem, atuando em diferentes hospitais. Porém, ao longo dos anos, enfrentou desafios que iam além das dificuldades técnicas da profissão. Em um hospital do interior de Santa Catarina, viveu um dos episódios mais marcantes de preconceito racial.

Ao atender uma paciente, foi interrompida pelo marido da mulher, que gritou: “Tira a mão da minha mulher! Eu prefiro que ela morra do que você toque nela, porque tem sangue sujo.” O choque daquele momento a marcou profundamente, revelando que, mesmo dentro de um ambiente dedicado ao cuidado e à vida, o racismo ainda se impunha de forma cruel. Ela acabou deixando o emprego e a cidade.

Relacionamento

Atualmente, Maryanne vive em Blumenau com a companheira e o filho dela, de 9 anos, com quem compartilha a rotina. Apesar de já ter sentido olhares de reprovação pelo relacionamento – especialmente pela diferença de 20 anos entre elas –, aprendeu a não se importar.

“Não é a idade que define o sentimento, mas sim o dia a dia que construímos juntas”, diz. Seu grande sonho é oficializar sua união com Ester, consolidando ainda mais o que já considera sua maior conquista: a família.

Testemunha da violência contra a mulher

Enquanto aguarda a resolução de uma questão judicial envolvendo seu último emprego na área da saúde, Maryanne encontrou uma alternativa para se manter financeiramente: dirigir pelo Blablacar, um aplicativo de caronas compartilhadas. A experiência trouxe novas histórias e desafios, incluindo um episódio marcante de violência doméstica durante uma viagem entre Blumenau e Florianópolis.

Ao perceber que um passageiro estava ameaçando agredir a esposa dentro do carro, Maryanne não hesitou em intervir. “Pedi para ele descer e disse para ela que não precisava continuar naquele relacionamento, mas ela decidiu ficar. A gente faz o que pode, mas infelizmente nem sempre consegue ajudar.”

Foto: divulgação

Música e samba no pé

Além da enfermagem e do trabalho como motorista, Maryanne também se entrega à música – uma paixão que começou ainda na infância. Sua mãe fez questão de que estudasse piano, e dos 8 aos 21 anos, teve uma formação musical.

Durante anos, tocou em casamentos e eventos, mas foi no samba que encontrou sua verdadeira identidade musical. Hoje, é vocalista da Roda de Samba da Vida, um grupo que se apresenta regularmente em bares e eventos de Blumenau.

As influências refletem essa conexão profunda com essa arte. No samba, admira ícones como Arlindo Cruz, Sombrinha e Cartola, que ajudaram a moldar seu estilo e interpretação. Já na MPB, encontra inspiração na riqueza melódica e poética de Milton Nascimento, Beto Guedes, Guilherme Arantes e Flávio Venturini.

Recentemente, teve a oportunidade de dividir o palco com a Família Oliveira, pioneira do samba raiz na cidade. Apesar de levar a música como paixão e não como fonte principal de renda, tem orgulho do trabalho que desenvolve e das composições próprias que já escreveu ao longo dos anos.

A mensagem de uma guerreira

No Dia das Mulheres, sua mensagem é clara: “A mulher não deve mendigar amor de ninguém. Tem que se valorizar e jamais aceitar menos do que merece. O comando da nossa vida tem que estar em nossas mãos, e não nas dos outros.”

Com uma trajetória marcada por desafios, preconceitos e superações, Maryanne segue firme, vivendo com autenticidade e deixando um legado de coragem e resistência.