A equipe de competição Ampera Racing, formada por estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), finalizou seu primeiro projeto de carro autônomo – que dirige sozinho, sem motorista para conduzi-lo. Lançado oficialmente na última semana, o protótipo ERA-222 é movido por um motor elétrico e foi projetado com tecnologia avançada de inteligência artificial, que faz a detecção de cones e o planejamento da trajetória e permite sua operação sem controle humano direto. O veículo pode ser visto andando pelo Campus Universitário Trindade, em Florianópolis, nesta primeira semana de aulas.
O carro é equipado com um atuador na direção, para controlar o volante, um freio de emergência e um sistema de emergência remoto em caso de falha. Além disso, um sistema de câmeras inteligentes permite estimar a posição dos objetos e do próprio carro. Este é um diferencial em relação à maioria dos veículos autônomos do mundo. O sensor mais utilizado atualmente para reconhecimento de terreno e obstáculos se chama Lidar e se baseia em um conjunto de lasers para mapear seus arredores.
A troca ocorreu pelo preço do produto – os sensores passam de R$ 20 mil. Mas as pesquisas da UFSC com carros autônomos também buscam alternativas ao Lidar pela falta de clareza sobre os riscos que uma exposição ampliada e contínua a esses lasers possa oferecer às pessoas em um potencial futuro repleto de carros autônomos rodando pelas ruas.
O ERA-222 é o segundo veículo tipo fórmula autônomo das Américas – o primeiro foi feito por uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Por aqui ainda não há competições de fórmula na categoria driverless, específica para veículos autônomos. Por enquanto, a modalidade existe apenas na Europa. A organização da competição universitária Fórmula SAE Brasil, contudo, considera abrir espaço para uma demonstração dos carros autônomos das equipes da UFSC e da Unicamp durante o evento agendado para agosto.
TCC, baterias explodidas e aprendizados
O pontapé inicial do projeto ocorreu em 2020, com o trabalho de conclusão de curso (TCC) da engenheira mecânica Laíza Parizotto, ex-vice-presidente da Ampera. O estudo Detecção de cones com redes convolucionais para veículo autônomo de Fórmula SAE “foi eleito um dos melhores TCCs já feitos no CTC [Centro Tecnológico da UFSC], e, com esse know-how adquirido, ela fundou a iniciativa do driverless dentro da Ampera”, conta Guilherme Mertens de Andrade, estudante de Engenharia de Controle e Automação e diretor de Sistemas Autônomos da equipe de competição. A iniciativa se oficializou em meados de 2021, quando foi feito o primeiro processo seletivo específico para a criação do veículo autônomo.
“Fazer um carro autônomo por si só já é um enorme desafio, pois não é algo que você aprende dentro da universidade, e não existe um ‘passo a passo’ disponível na internet. Acredito que o maior desafio foi ter tomado a decisão de se arriscar nesse projeto, pois iria requerer um nível de complexidade enorme adicionado no carro, conhecimentos novos, investimento de dinheiro por parte da Ampera e muitas horas de trabalho”, afirma Guilherme.
Sob orientação do professor do Departamento de Informática e Estatística da UFSC Aldo von Wangenheim e com apoio do Laboratório de Processamento de Imagens e Computação Gráfica (Lapix), do Laboratório de Integração Software/Hardware (Lisha) e, nas fases iniciais, do Programa de Educação Tutorial – Metrologia e Automação (PET-MA), a equipe precisou estudar, realizar muitos testes e também errar bastante até conseguir fazer o carro andar sozinho. “Foram várias placas queimadas, baterias explodidas e decepções ao longo do caminho, mas isso representa muito a Ampera Racing, ver as coisas dando muito errado, mas conseguindo ser resiliente e dar a volta por cima”, relata o estudante.
Além dos aprendizados técnicos, o diretor de Sistemas Autônomos da Ampera destaca os conhecimentos gerenciais que desenvolveu ao longo do processo. “É claro que aprender a treinar uma rede neural, manufaturar um atuador e projetar placas é muito massa, mas não se compara à importância das skills de liderança e gerenciamento que obtive durante o projeto. Não é simples coordenar um time de mais de 80 pessoas, motivá-las a ter que trabalhar durante o final de semana, e até às vezes na madruga, e garantir que todos estão na mesma página e com as demandas claras.”
“Ter entrado para a Ampera Racing foi a melhor decisão que tomei desde que entrei para a UFSC. Ter a oportunidade de sonhar durante dois anos por um projeto e fazer algo tão grandioso e importante para o ecossistema de inovação catarinense (um dos primeiros carros autônomos do Brasil) é uma chance que, quando aparece, você tem que agarrá-la, e foi isso que fiz em 2021”, complementa.
Futuros protótipos
Os integrantes da Ampera já começaram os planos para seu próximo carro. A intenção é investir principalmente no sensoriamento. O destaque ficará por conta de um aparelho de GPS recebido de uma das empresas patrocinadoras. Utilizado por espaçonaves e pelo exército estadunidense, o dispositivo é tão preciso que consegue distinguir em qual dedo da mão está. Para efeito de comparação, os GPS comerciais têm sua margem de erro na casa dos metros – imprecisos demais para serem usados em carros autônomos.
“Essa precisão deixará nosso próximo carro com uma performance muito melhor, mas também queremos comprar um Lidar de longo alcance, sensor utilizado para estimar com precisão a distância dos objetos na pista em relação ao carro e estamos indo atrás de patrocínio”, salienta Guilherme.
Texto: Camila Raposo, jornalista da agência de comunicação da UFSC Florianópolis