Por Andréa Leonora e Murici Balbinot
Nascida em Porto Alegre (RS), a defensora pública-geral de Santa Catarina, Ana Carolina Dihl Cavalin, é formada em Direito, com especialização em Direito Público. Também foi professora e coordenadora do curso de Direito da Faculdade Nacional de Educação e Ensino Superior do Paraná.
Em Santa Catarina, aprovada em terceiro lugar no primeiro concurso público da Defensoria Pública do Estado, tomou posse em 2013 e atuou como defensora nos Núcleos de Joinville, Itajaí e Florianópolis. Em setembro de 2016, foi nomeada para o cargo de subdefensora pública-geral. E em março de 2018 foi empossada Defensora Pública Geral de Santa Catarina. Nesta entrevista, ela fala sobre a necessidade de ampliação do número de defensores. “A falta de acesso ao Judiciário implica em perda de direitos para essas pessoas.”
[PeloEstado] – Qual é o grande desafio, hoje, da Defensoria do Estado? Aumentar o número de atendimentos?
Ana Carolina Dihl Cavalin – Já aumentamos bastante. Triplicamos esse volume no período de 2015 até 2018, e com o mesmo número de defensores públicos até então 100 defensores. Triplicamos também o número de varas judiciais atendidas, de 46 para 141, varas distribuídas em 24 comarcas.
O desafio é continuar ampliando porque, ainda com tudo o que avançamos, muitas pessoas, mais da metade da população aqui de Santa Catarina, de público carente, não tem acesso ao serviço de defensoria pública porque o número de membros ainda é insuficiente. No Brasil, para se ter uma ideia, Santa Catarina fica com a terceira pior colocação no número de defensores na proporção por hipossuficientes.
Temos um defensor público para, aproximadamente, 27 mil pessoas carentes e é uma proporção inadequada. É o terceiro pior estado com esse desempenho, à frente apenas do Paraná e Goiás.
[PE] – E Santa Catarina foi o último estado a criar a Defensoria.
Ana Carolina – Sim, o último. A nossa Defensoria Pública foi criada em 2012 por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Constituição Federal, que determina que todo estado tem que ter uma instituição chamada Defensoria Pública como tem um Ministério Público. E a Defensoria Pública, é importante que se diga, não atua só na área criminal. Na verdade, a maior parte dos atendimentos às pessoas é nas questões de família, cível, moradia, vaga em creche, saúde, consumidor. Temos também atendimentos na área da infância e juventude, pessoas em situação de vulnerabilidade, violência doméstica, situação de rua. Uma gama muito diversificada! E a população mais carente precisa receber esse atendimento para não ficar excluída da cidadania. A falta de acesso ao Judiciário implica em perda de direitos para essas pessoas. Não adianta ter uma estrutura gigantesca de Judiciário e ela só atender as pessoas que podem pagar advogados. Assim, ela nem se justifica. O nosso grande trabalho agora é garantir esse acesso, em vista da emenda Constitucional 8, que determina que até 2022 todas as varas judiciais deverão contar com um defensor público para que o assistido tenha acesso àquela área de atendimento do Judiciário.
[PE] – Isso significa um aumento de quanto para Santa Catarina?
Ana Carolina – Hoje temos 120 defensores. Será preciso chegar a 358. Ou seja, mais 238 para poder atender as 87 comarcas que não são atendidas hoje pela Defensoria Pública. Atendemos somente 24 de um total de 111. Estamos nas maiores comarcas e atendemos quase metade da população. Mas, em comarcas menores, as pessoas têm seus direitos negados. Na área criminal, o juiz precisa tocar o processo, então ele nomeia um advogado dativo, mas em questões como vagas em creche, saúde, alguma tutela coletiva, medicamentos, enfim, cidadão não tem a quem recorrer, porque o Estado não está investindo na instituição como deveria, ou mesmo cumprindo gradualmente o que a Constituição determina até 2022.
[PE] – Muito pouco tempo?
Ana Carolina – É neste governo que vamos ter que chegar ao quadro determinado pela Constituição. Tem que ser agora, planejar agora. São duas opções: investir na Defensoria ou pagar dativos. Não tem alternativa, o dinheiro vai para algum lugar. E o nosso trabalho é mostrar que financeira, social e juridicamente vale mais a pena investir na Defensoria. O Estado tem um defensor exclusivo, que não pode atuar em causas privadas, só atendendo as pessoas carentes. E ele se torna especializado, porque as causas se repetem. O volume de trabalho é grande, mas quando chega um caso, o defensor já identifica o que tem que fazer. Fazemos muito com pouco. Não adianta dizer que dativo é mais econômico porque não é. Tanto que quando acabou o dativo em 2012 ficou uma dívida de R$ 100 milhões.
[PE] – Qual a posição da OAB-SC sobre esse assunto?
Ana Carolina – A OAB defende seus associados, mas a Constituição é muito clara quando diz que devem ser cargos providos em carreira. Fizemos um levantamento levando em conta a produtividade dos defensores e equivaleria a R$ 60 mil, R$ 70 mil, por mês, até R$ 200 mil em algumas áreas se fosse diluir em vários advogados. E é nisso que focamos: produtividade. O Judiciário recebe cerca de 10% da Receita Corrente Líquida do Estado (duodécimo). Ministério Público aproximadamente 4%. Defensoria é 0,5%! E o retorno em promoção social, de um defensor público dedicado exclusivamente para as pessoas mais pobres, e trabalhando com maior volume de causas, especializado, não tem nem comparação.
[PE] – Qual é a principal demanda para expansão? Mais municípios ou mais áreas de atuação?
Ana Carolina – Para aumentar as atribuições, estudamos o número de processos existente, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) daquela localidade, tudo para dimensionar a carga de trabalho por defensor. Estamos presentes nas áreas de maior volume populacional, mas a expansão vai atender critérios de demanda da população, principalmente seguindo critérios socioeconômicos. Nas regiões que tiverem mais população carente, o aumento será proporcional. Por exemplo, Florianópolis tem 26 defensores públicos que atendem 46 varas. Mas tem um defensor que, sozinho, atende três ou quatro áreas cíveis e dá conta. Tem defensor que só consegue atuar em uma vara, pelo volume. Fizemos um planejamento para trazer equilíbrio.
[PE] – Qual é a principal área de atuação hoje?
Ana Carolina – A saúde está praticamente em todas as comarcas com Defensoria. Uma prioridade… Não dá para atender tudo, então, vamos atender o que é mais fundamental para o ser humano: a saúde, a família e a área criminal. Desses atendimentos, a maior parte é cível. Cerca de 60% é família, 26% é um cível geral como consumidor, moradia, problemas de vizinhos, e 14% na área de direitos fundamentais, como saúde, educação, moradia. A gente faz uma triagem e separa os casos de urgência, mas o tempo normal para agendamento com o defensor público é de dois a três meses dependendo da área.
[PE] – Recentemente a senhora esteve com o governador e também com o presidente da Assembleia. Como foram os encontros?
Ana Carolina – Primeiro, com o governador Carlos Moisés, apresentamos a instituição, informamos os dados da nossa atuação, atendimento. A conversa não se voltou muito para questões concretas. A demanda vai crescer. Nós vamos fazer o projeto de lei e apresentar, definir o quantitativo de defensores necessários, mas é lógico, tem que conversar com o Executivo e com o Legislativo. Ele compreendeu a necessidade de ampliar. Tem essa questão de resolver o problema fiscal do Estado, aumentar a arrecadação, de se reverem incentivos. O Estado tem que estancar os seus gargalos antes de investir em Defensoria Pública. Mas, para cumprir a emenda constitucional, é preciso começar a criar os cargos gradualmente. E ele entendeu essa necessidade. Temos que encontrar uma solução até que a Constituição seja cumprida. E isso significa atender mais da metade da população.
[PE] – E com o presidente da Assembleia?
Ana Carolina – Fizemos a mesma apresentação e o deputado Julio Garcia se colocou à disposição. Ele entendeu e concorda com a necessidade da ampliação da Defensoria Pública. A gente apresentou os nossos pleitos e nessa toada, os nossos custos, de como podemos crescer de forma sustentável e que vale realmente a pena não só na parte social, mas também na parte financeira. Foi muito boa a conversa com ele, porque já falamos de alguns projetos específicos que vamos apresentar… Um projeto arquivado na Assembleia é este que cria os cargos para chegarmos em 358 defensores.
Pretendemos desarquivar, ou apresentar um novo. É essa articulação que queremos fazer, justamente para poder ajustar, quem sabe colocando prazos. Não desarquivamos ainda porque estamos na etapa de entender o novo momento. Mas não podemos ficar omissos, até porque temos a iniciativa de lei para criar os cargos. Não posso simplesmente cruzar os braços. Vamos apresentar projeto neste sentido até o início de abril ou um pouco antes. Fora esse projeto, temos outros, mais específicos, para aprimorar a máquina administrativa, mas sem impacto financeiro.