Da Islândia a Grécia, da Rússia à Dinamarca, toda a Europa foi sacudida por um frenesi emigratório no século XIX, que levou dezenas de milhares de pessoas para a América e a Oceania.
A velha Piazza delle Oche (Praça dos gansos) em Pergine com as casas recobertas com as típicas varandas em madeira.
Foi sobretudo a América do Norte e do Sul a atrair os europeus, ficando a Oceania um território quase que exclusivamente inglesa. Os países do norte (como a Irlanda) emigraram preferencialmente para a América do Norte; dos países mediterrâneos preferencialmente para a América do Sul.
Depois das primeiras experiências dolorosas, países como a Inglaterra e a Alemanha, procuraram, e em grande parte conseguiram, organizar seus emigrados, ajudá-los em seu difícil empreendimento e favorecer sua inserção na nova sociedade.
Para outros, ao contrário, a emigração foi um salto no vazio, obstaculizados na partida, enganados na viagem, não foram tão pouco protegidos nos primeiros duríssimos anos de sua nova vida no continente americano.
Os imigrantes italianos viveram nestas condições pelo menos durante os últimos trinta anos do século XIX e assim também os emigrantes tiroleses, de língua italiana e nacionalidade austríaca.
A época da emigração conheceu páginas tristíssimas: milhares de seres humanos morreram de dificuldades e doenças durante a viagem de navio ou durante os primeiros anos de vida nas colônias ou nas plantações além-mar.
Religiosidade e Aflições: Ex voto mandado fazer por emigrados trentinos, salvados durante uma viagem oceânica de 1896. Ex voto são telas votivas que os trentinos comissionavam a pintores, na maioria das vezes desconhecidos, para que desenhassem o “milagre” da qual foram protagonistas e beneficiários.
Milhares de seres humanos reduziram-se a uma condição sub-humana no meio das florestas sul-americanas ou a serviços de latifundiários, habituados, havia décadas, a tratar com outros seres humanos de pele escura que porém eram considerados, nem mais nem menos que animais.
A maior parte sobreviveu e se ligou numa batalha que durou muitos anos, no fim da qual alcançaram condições de vida melhores daqueles que tinham conhecido na Europa e uma dignidade de homens livres que durante milênios lhes tinha sido negada no velho continente.
Camponeses
A sociedade camponesa européia no século XIX tinha caracterizado a vida de milhões de homens e mulheres durante dezenas de gerações. Uma sociedade radicada na terra, que via na terra um fator de produção essencial e único, juntamente com o trabalho.
Durante quase mil anos a estrutura social desta sociedade permaneceu vinculada ao feudo: viver e morrer sendo camponês, em troca de comida e proteção junto ao rei. Nesta transição surge o homem burguês: sapateiros, funileiros, pedreiros, carpinteiros, alfaiates. Autônomos em busca de uma nova vida.
Os camponeses trentinos que desembarcavam no porto de Itajaí, a partir de 1875, saiam do porto de Marselha na França. Para estes, as condições do transporte eram melhores que a dos prussianos. A travessia durava 30 dias, porque o navio era a vapor. E a partida, somente autorizada, quando confirmado a presença de um médico a bordo. Condições melhores, diante das privações, que os prussianos passaram durante a travessia, quando o veleiro, permanecia a deriva por até uma semana. A viagem geralmente durava setenta e dois dias. Muitos morriam na travessia e eram sepultados após a prédica do pastor luterano envoltos num lençol branco e sepultados no mar.
Trentino Alto Ádige
Durante centenas de anos, uma região entre uma das mais pobres da Europa, exatamente o Trentino, tinha vivido uma economia agrícola quase auto-suficiente e organizado em uma sociedade camponesa praticamente impermeável as influências externas.
As mulheres de todas as idades deviam substituir, no trabalho dos campos, os homens, várias vezes constrangidos a emigrar.
Uma configuração geográfica única, que isolava os homens em vales estreitos e impérvios junto a montanhas altas e cobertas de bosques, protegeu por séculos se não a imutabilidade, pelo menos as características essenciais e mestras de tal sociedade.
Pouco, ou nada mesmo, importava que as contingências políticas fizessem de Trentino uma terra pertencente à coroa dos Ausburgo ou a Baviera, ou ao Reino Itálico manipulado pela França. A sociedade trentina permanecia uma sociedade camponesa e o centro da vida econômica continuava sendo a terra.
A Família era a célula econômica e social mestra de tal sociedade e a igreja católica fornecia para tal sociedade opções éticas e morais, mitos e tensões que a mesma mediava com o poder político, que vez por outra, se instalava na região.
O guia do camponês não era o imperador, nem o intelectual liberal: era o padre, o clero que por sua vez podia ser liberal ou carbonário, mas cuja conduta não podia nunca distanciar-se demasiado daquela igreja oficial e de seu chefe supremo: o papa, sob pena de perder a liderança junto aos próprios camponeses.
Trabalhadores do campo em uma foto vendida como cartão postal para financiar o “asilo noturno feminino” de Trento que recolhia jovens sem família.
O ciclo agrário e suas crises não desconjuntaram tal sociedade, nem o pode a endêmica falta de terras férteis e facilmente cultiváveis: o mecanismo encontrou uma saída própria que foi a emigração temporânea: os camponeses se dispersavam pela Europa, ocupando-se em mil trabalhos , especialmente durante as estações mortas para a agricultura e assim recompunham aquele rendimento mínimo, indispensável à vida.
Sérgio Luiz Campregher
Historiador
Bibliografia consultada:
COLLANA DI MONOGRAFIE ‘LA PATRIA D’ORIGINE” – PROVINCIA AUTONOMA DI TRENTO Coleção de Monografias: “A Pátria de Origem” O Belo Trentino – Casa Editrice Panorama – Trento (Itália) – 1988.
GROSSELLI, Renzo Maria. Vincere o Morire – contadini trentini (veneti e Lombardi) nelle foreste brasiliane – Santa Catarina 1875-1900 – Trento 1986.