Com olhar inovador, mulheres permanecem no campo e empreendem no espaço rural

Neste Dia Internacional da Mulher, a EPAGRI conta as histórias de agricultoras de Trombudo Central e Jaraguá do Sul que retornaram ao campo para transformá-los em empreendimentos lucrativos.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

A crescente inovação nas propriedades rurais catarinenses vem ocorrendo sob o comando do público feminino, que se sobressai pela coragem de empreender. Um destaque dessa liderança está na gestão de atividades não-agrícolas no âmbito da agricultura familiar como o turismo, que vem proporcionando independência financeira e autonomia das mulheres, ampliando o convívio social, a qualidade de vida e a permanência delas no meio rural. Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, trazemos histórias de duas agricultoras que retornaram ao campo para transformá-los em empreendimentos lucrativos e mostrar que o lugar da mulher é onde elas escolhem construir sua vida com qualidade.

Elas são Mariany Uhlendorf, 51 anos, de Trombudo Central, no Vale do Itajaí, e Andressa Selinger Rux, 32 anos, de Jaraguá do Sul, no Norte Catarinense. Ambas modernizaram as propriedades rurais centenárias de suas famílias ampliando a fonte de renda do local para além da agricultura e da pecuária: transformaram o espaço em empreendimentos para acolher o público urbano com atividades inerentes ao cotidiano no campo, valorizando a história da colonização alemã na região. Vamos então conhecer a Krüger Haus e o Café Rural Casa Rux.

Krüger Haus, espaço de vivências colaborativas

Mariany está à frente da Krüger Haus, uma casa que possui arquitetura de influência alemã caracterizada pela técnica enxaimel, construída na década de 1930 por Hermann Krüger, um dos primeiros imigrantes alemães da localidade, bisavô do marido de Mariany, Ralf Krüger. Desde 2017 o empreendimento oferece aos turistas café colonial com a contação de histórias sobre o desenvolvimento da comunidade, música e dança típica, competição do melhor serrador, corrida de tamanco, campeonato de tiro ao alvo com estilingue, corrida de saco, entrelaçamento com corda, trilha na Mata Atlântica, atividades socioambientais, exposição de móveis e utensílios que retratam o dia a dia do imigrante alemão.

Foto: Larissa Benke Fotografias/Especial (Epagri)

A propriedade tem 12 hectares e permanece com as atividades agropecuárias: cultivo de milho e aipim, gado para consumo familiar, horta, pomar doméstico, área de preservação ambiental e fonte de água protegida. Com o turismo a renda aumentou cerca de 30%, cujos recursos são reinvestidos em melhorias no empreendimento. A casa recebe em média 200 pessoas por mês, movimentando a economia do município, pois inclui mão de obra local e aquisição de produtos da agricultura familiar.

“Decidimos investir no turismo rural por acreditar que a atividade é viável e faz uma grande diferença na região, pois é capaz de manter a memória e a cultura dos antepassados. Em nossa propriedade conseguimos socializar a história local e manter viva a nossa própria história”, diz Mariany. As atividades envolvem toda a família: o esposo Ralf, de 58 anos, a mãe Elfriede, 74, o filho Diogo, 21 e a sobrinha Camila, 14.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

Mariany conta que a ideia do empreendimento surgiu em conversa com a extensionista social da Epagri em Trombudo Central, Leonir Claudino Lanznaster, que apresentou à família as possibilidades de investir no turismo como alternativa de renda e valorização da história e da cultura local. “A Léo foi a responsável pelo agendamento do primeiro grupo que fez visita na propriedade. Começamos em 2015 com educação socioambiental para escolares e professores. A partir de 2017 passamos a receber grupos de dentro e fora do estado”, relata a agricultora.

A extensionista Leonir foi colega de Mariany na faculdade de Pedagogia e desde então acompanha a trajetória da agricultora. Ela relata que a Mariany desafiou as convenções familiares de que mulher não precisava estudar e aos 18 anos saiu da propriedade da família para estudar Pedagogia, História e Geografia. Ela se casou com o agricultor Ralf Krüger e passou a morar na propriedade dos Krüger, onde sempre participou das atividades rurais, como o plantio de mandioca e milho e na criação de animais, conciliando com as atividades do magistério.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

Leonir conta que a propriedade sempre foi um laboratório para as aulas de educação socioambiental de alunos e de colegas de Mariany. A partir de 2013, por meio de herança, a agricultora adquiriu uma casa enxaimel que era de sua avó materna e a transferiu para sua propriedade. O objetivo inicial era ter um espaço para integração e lazer da família, mas logo passou a ser usado para atividades lúdico-pedagógicas pelo público externo.

A Epagri contribuiu desde o início do processo. “Uma das primeiras atividades foi a pintura de parte da área interna da casa com tinta à base de terra. Outras áreas de apoio foram na definição do cardápio e dos preços, na organização dos espaços, na elaboração de projetos para participar de concursos com foco em educação socioambiental, na realização de oficinas com professores e alunos, no apoio à realização das vivências colaborativas, nas orientações em saneamento ambiental, na produção de alimento para autoconsumo e na definição do foco das atividades para melhorar os processos do empreendimento. Outra contribuição significativa foi a presença constante nos momentos de planejamento e realização das atividades, especialmente no início do empreendimento”, explica a extensionista.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

Leonir afirma que Mariany é uma mulher empreendedora, forte, corajosa e decidida. “Ela acredita no que faz e não mede esforços para aprimorar cada vez mais a empresa familiar. Em meio à crise gerada pela Covid-19, em que as atividades de turismo sofreram pela ausência de público, a agricultora decidiu melhorar a estrutura física onde recebe os turistas, investindo sem medo recurso considerável para adequar o empreendimento às exigências da legislação”, afirma Leonir.

Segundo Mariany, as novidades Krüger Haus são criadas em conjunto com a família e com a equipe de trabalho mais próxima. “Temos o projeto de implantar pousadas com a técnica construtiva enxaimel para alugar”, conta ela.

A Krüger Haus está localizada na Rodovia SC 281, Km 182, no município de Trombudo Central. Conheça o empreendimento nas redes sociais, pelo Facebook e Instagram.

Café Rural Casa Rux, sabor do sítio nos Roteiros Nacionais de Imigração

Andressa faz a gestão do Café Rural Casa Rux, localizado na Comunidade Rio da Luz, região que faz parte dos Roteiros Nacionais de Imigração tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O empreendimento funciona na casa construída em 1915 por Augusto Rux, trisavô de Evandro Rux, esposo da agricultora. Desde 2018 a família oferece café colonial no espaço, onde recebe cerca de 200 pessoas por mês. Atualmente, 70% da renda na propriedade vem do turismo rural.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

O café funciona aos sábados e domingos, no período da tarde. Como atrativos a propriedade também oferece passeios de tobata (micro trator utilizado na agricultura), visitação ao museu com acervo das ferramentas e objetos utilizados pela família, além do contato com animais, plantações e natureza. Nas atividades participam também o esposo Evandro, 36; os pais dele, Edvino, 72 anos e Cristiana, 66; os filhos Fernanda, 10, e Guilherme, 4 e o primo Ivanir Rassweiler, 46 anos.

A propriedade tem 15,5 hectares, dos quais 8 ha são usados para as atividades produtivas: criação de gado de corte e cultivo de aipim e de hortaliças, além da área construída. Em 2007 a casa centenária, que sempre foi usada como moradia, foi tombada pelo Iphan. De 2005 a 2015 a família aguardou a restauração, que ocorreu com recursos do órgão público e da família.

A extensionista social de Jaraguá do Sul, Josiane de Souza Passos, explica que um imóvel tombado objetiva a proteção de um patrimônio histórico e por isso existem uma série de restrições para que sua preservação seja garantida. “Ele não pode ser descaracterizado e nem destruído. Além disso, a família deve dar um destino à edificação, optando por moradia ou desenvolvimento de alguma atividade”, diz. Andressa conta que inicialmente, realizando um sonho do marido, a família abriu as portas para o público conhecer a casa e a história que ela guarda, mas a quantidade de visitantes ainda era pequena para manter os custos.

“O café foi uma forma de atrair as pessoas e mostrar a elas a nossa casa e o modo de vida na colônia”, diz a agricultora. Andressa e Evandro deixaram o emprego que mantinham na cidade para se dedicar ao empreendimento. Isso aconteceu com apoio da Epagri, da Secretaria de Turismo do município e do projeto Acolhida de Colônia. O Café Rural Casa Rux fica a 15 km da área urbana e o acesso dos visitantes é facilitado por conta das vias asfaltadas, como acontece com grande parte da área rural do município.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

Andressa conta que no começo parte do café colonial era terceirizado. “Aos poucos fui me capacitando nos cursos da Epagri e hoje tudo que servimos é produzido na propriedade. Foi um caminho árduo, com muitos altos e baixos, porém a partir do momento que você se predispõe a fazer algo por você e pela sua família, sempre tem um bom retorno. Hoje temos uma vida boa: simples, porém boa. Posso estar com meus filhos, é uma vida diferente quando você trabalha fora, em uma empresa”, diz a agricultora.

Josiane afirma que Andressa é o coração da propriedade. “Ela produz todos os itens que são servidos no café colonial. Ela veio em busca de capacitação na Epagri para oferecer produtos de qualidade aos visitantes, onde fez cursos de panificação, doces e geleias para processar as frutas da propriedade. O curso de bolachas decoradas foi um divisor de águas, pois é um produto de excelente aceitação e comercialização no empreendimento. O fato de estar na propriedade trabalhando faz com que ela esteja mais próxima aos filhos e isso para ela significa qualidade de vida”, diz Josiane.

E o reconhecimento do potencial da agricultora não para por aí. A extensionista afirma que Andressa é muito organizada e líder na atividade que desenvolve. “Todas as engrenagens do empreendimento funcionam porque ela tem uma capacidade incrível de gestão. Ela é pulso firme e delicado ao mesmo tempo. Ela faz compras, processa alimentos, prepara o café. Sempre tem muitas ideias e aos poucos vai pondo em prática, com apoio da família. Um exemplo foi no começo da pandemia, quando o momento não permitia a reunião das pessoas no local. Andressa não se intimidou e passou a produzir os alimentos para retirada no balcão”, diz Josiane.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

A gastronomia também tem forte atuação no turismo cultural, pois oferece preparações herdadas dos imigrantes alemães, como as bolachas decoradas, cucas, geleias, salames, etc. Além das preparações comercializadas na propriedade, Andressa aceita encomendas de todos os produtos servidos no café. Ela também alimenta as redes sociais do Café Rural Casa Rux e aluga uma pequena casa na propriedade aos finais de semana.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

O Café Rural Casa Rux está localizado na Rua Ervin Rux, 663 – Rio da Luz, no município de Jaraguá do Sul. Saiba mais sobre o tombamento da casa da família Rux no site do ipatrimonio e conheça o empreendimento pelo Intagram ou Facebook: @casarux

 

Epagri no apoio à gestão feminina dos empreendimentos rurais

A Epagri historicamente tem um trabalho com mulheres agricultoras e pescadoras através de ações afirmativas para diminuir as desigualdades e fortalecer o protagonismo feminino promovendo a inclusão socioeconômica deste público. Um exemplo é o curso Ação Flor-e-Ser, que capacita agricultoras e pescadoras para serem donas do próprio negócio. Para 2022, estão programados seis cursos para a mulher rural e dois para as pescadoras.

Em 2021, a Epagri desenvolveu diferentes atividades para o público feminino como cursos, palestras, atendimentos na propriedade, por meio dos quais atendeu 40.679 mulheres. “Nossas capacitações na área de liderança encorajam as mulheres a ocupar espaços estratégicos em seus setores. Nossos cursos técnicos profissionalizam as mulheres para atuar e ter sucesso em qualquer cadeia produtiva”, explica Márcia Gomes, coordenadora do Programa Capital Humano e Social da Epagri. Na avaliação dela, as mulheres se destacam pela facilidade de planejar, organizar e otimizar, o que lhe dá coragem de empreender e trazer inovações para a sua atividade.

Foto: Aires Mariga (Epagri)

A presidente da Epagri, Edilene Steinwandter, concorda que a mulher está um passo à frente. “Nossa equipe é testemunha: as nossas agricultoras são as primeiras a aderir às inovações. Elas não se intimidam diante do novo, estão sempre prontas a inovar em suas propriedades, porque são elas as mais preocupadas com a sustentabilidade do planeta e o bem-estar das próximas gerações. Na nossa experiência diária de trabalho no meio rural percebemos claramente como elas são as mais dispostas a participar de atividades coletivas e buscam, de maneira geral, o benefício comum em detrimento dos interesses pessoais”, diz Edilene.

Além da capacitação, a Epagri também ajuda a tornar os projetos realidade, viabilizando o acesso a recursos dos governos federal e estadual. Só em 2021, a Empresa elaborou projetos de crédito para 980 mulheres, contra 854 em 2020. Um resultado visível deste trabalho é o aumento da participação das mulheres como proprietárias de agroindústrias em Santa Catarina.

De acordo com um estudo da Epagri, entre os empreendimentos pesquisados em 2009, a participação feminina era de cerca de 31%. E no grupo das agroindústrias criadas a partir de 2010, as mulheres já eram quase 44% dos proprietários ou sócios.

“Outro objetivo que alcançamos com essas ações é a permanência das mulheres no meio rural, levando em consideração que são as principais migrantes rumo aos centros urbanos, muito em virtude da desvalorização da sua atuação como agricultora”, diz Márcia. Mariany e Andressa são exemplos: elas chegaram a sair do campo, mas retornaram para empreender nas propriedades familiares.

Por Gisele Dias, da EPAGRI