A Câmara de Vereadores de Blumenau ficou pequena para o público que compareceu à audiência pública sobre Educação Especial, realizada na noite de segunda-feira (28/04/25). O plenário, com capacidade para cerca de 100 pessoas, foi completamente ocupado, e dezenas de cidadãos acompanharam a reunião do lado de fora, pelo celular e internet. A audiência foi convocada pelo vereador Professor Gilson de Souza (União Brasil), por meio do Requerimento nº 638/2025, aprovado pelo Legislativo.
Mais do que uma reunião, o evento se transformou em um marco histórico para a cidade. Pela primeira vez, representantes do Executivo, Legislativo e da sociedade civil se reuniram de forma ampla para discutir os desafios e as soluções da Educação Especial. Estiveram presentes secretários municipais, coordenadores estaduais, representantes de associações e centenas de cidadãos, especialmente famílias atípicas que vivem diariamente a realidade da inclusão escolar.
Comissão será criada para sistematizar política municipal
Durante o encontro, foi anunciada oficialmente a criação da Comissão Municipal para a Elaboração da Política de Atendimento Educacional ao Estudante Público-Alvo da Educação Especial, com primeira reunião agendada para a segunda quinzena de maio. A proposta é consolidar, em um único documento, ações que já existem na rede municipal, organizando-as em uma política institucional de longo prazo.
A comissão será formada por representantes da Secretaria de Educação (Fundamental e Infantil), diretores de escolas e CIs, profissionais do Centro Municipal de Educação Alternativa (Semeia), Conselho Municipal de Educação, Secretaria de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Saúde, Sintraseb, Conselho dos Direitos da Pessoa com Deficiência, grupos de pais, mães e a Câmara de Vereadores. Também foi defendida a inclusão das universidades na comissão, como a FURB e o IFC, para contribuir com formação e pesquisa.
Dados revelam aumento expressivo de alunos com TEA
De acordo com a secretária de Educação, Simone Probst, Blumenau tem atualmente 2.589 estudantes da Educação Especial na rede municipal, sendo 1.982 com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Em 2021, eram 1.272. A evolução do número de estudantes também veio acompanhada do crescimento nos investimentos: de R$ 15,8 milhões em 2021 para R$ 61,4 milhões em 2024, com previsão de R$ 73,7 milhões para 2025.
A estrutura inclui 32 salas de recursos multifuncionais, 685 professores de apoio pedagógico e 111 professores atuando nas salas específicas para Educação Especial. Mesmo assim, a fila por avaliações e atendimento ainda preocupa pais e profissionais.
Falas emocionadas e cobranças firmes
A audiência deu espaço para representantes de entidades e da comunidade exporem suas vivências. A advogada Priscila Krieger, presidente da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB Blumenau, classificou o encontro como um momento histórico e cobrou compromisso do poder público:
“Nossa causa não se resolve com improviso ou amadorismo. A Educação Inclusiva exige conhecimento, estrutura e, acima de tudo, respeito”, afirmou. Outras falas também marcaram o evento. Mães e pais relataram episódios de preconceito, exclusão, atrasos em diagnósticos e falta de apoio nas escolas.
Alguns emocionaram o plenário ao contarem que seus filhos quase abandonaram os estudos ou chegaram a enfrentar crises de saúde mental por falta de acolhimento adequado. A necessidade de capacitação continuada dos professores, apoio multidisciplinar (com fonoaudiólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais), e mais infraestrutura foram pontos recorrentes.
O professor do IFC, Adelir Fernando Luiz, propôs a criação de um curso gratuito de formação para professores de apoio pedagógico, em parceria com o município. Já a vice-presidente da Apae, Fabrícia Voltolini, revelou que a instituição tem hoje uma fila de espera com cerca de 400 pessoas e um prédio novo pronto para ampliar os atendimentos, mas sem recursos suficientes para contratação de equipe.
Secretários reconhecem desafios e reforçam compromisso
A secretária de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Bruna Gomes de Araújo Daniel, falou como gestora e como pessoa com deficiência: “A inclusão não é sobre pequenos favores. É sobre grandes direitos. Precisamos vencer o capacitismo e transformar políticas públicas em práticas reais.”
O secretário de Saúde, Douglas Rafael de Souza, e o secretário de Desenvolvimento Social, Rafael Burgonovo, também participaram. Ambos defenderam a atuação intersetorial e garantiram que suas pastas estarão envolvidas na construção do plano.
Encerramento com fala das crianças
A audiência foi encerrada com a exibição de um vídeo com falas de crianças da rede pública sobre seus colegas atípicos. “Se a Laura não tivesse aqui, ninguém respeitaria uma pessoa cadeirante”, disse uma aluna. “Eu aprendi com meu amigo autista que o importante é sermos amigos, mesmo sendo diferentes”, disse outro.
Ao final, o vereador Professor Gilson resumiu a importância do encontro: “Hoje foi um dia histórico. Vamos dar voz e vez a quem vive essa realidade. E faremos, juntos, o plano municipal sair do papel”.