Por Ana Maria Ludwig Moraes | Historiadora
Para as famílias cristãs, o Natal é a festa para comemorar o nascimento do Salvador. Os serviços religiosos eram o ponto alto que começava no quarto domingo que antecedia o Natal, portanto, lá pelos fins de novembro. Montava-se a coroa do advento que em sua forma circular – simboliza a eternidade de Deus, trançada com ramos verdes, significa a continuidade da vida, a esperança. São dispostas quatro velas, que são acesas aos domingos para iluminar a reunião onde se entoam cantigas e preces em louvor Àquele que irá nascer. Originalmente seriam três velas roxas e uma rosa e fitas vermelhas: o roxo remete à vigilância na espera em Cristo e a rosa, acesa no terceiro domingo, traz a mensagem de que se deve alegrar com o nascimento do Menino . Com o tempo as velas passaram a ser brancas e na atualidade, vermelhas para combinar melhor com a decoração do entorno (sic).
Às práticas religiosas juntaram-se usos e costumes das culturas trazidas pelos imigrantes em suas pátrias de origem, fazendo da época do natal uma época de saudosismo e rememoração. Umas tantas nem se sabe bem a origem, mas encanta principalmente as crianças, então, vamos lá…pratiquemos. Cada família possui seu próprio rito de práticas desta época, suas próprias receitas, sua própria dinâmica. Mas em nossa região, algumas são comuns.
Na época do advento, ou mesmo antes, começavam – e ainda hoje existe este costume, lavar e limpar a casa, quando não pintar ou retocar aqueles sujidades deixadas pelo inverno. Mofos, cheiros de guardados…eram substituídos pelo aroma do sabão em barra, do alvejante quando já havia, e até o anil – quem se lembra???
Assim, lavava-se a casa e limpava-se também a alma para esperar o Aniversariante. As compras dos presentes eram cuidadosamente realizadas, dentro do apertado orçamento: sabonetes, uma peça de roupa nova, talcos, chocolates e bombons eram os mais comuns. Guardados no fundo dos armários da mãe, ficavam ali até que algum abelhudo os descobrisse e mantivesse aquele segredo a sete chaves para no dia do recebimento arregalar os olhos de surpresa, mas cujas dúvidas começavam a despontar: o que faziam ali os presentes? Para ser merecedor dos regalos, a criança tinha de prometer ao Papai Noel comportar-se adequadamente, ser obediente, tirar boas notas e passar de ano na escola.
Paralelo ao período de limpeza, havia a fabricação de doces que podiam ser guardados em latas bem fechadas até o dia da festa. Eram as bolachas de mel, inesquecíveis e que boas recordações trazem seu cheiro e a correria em torno de sua confecção. Geralmente calor, o forno quente, as assadeiras untadas com gordura e farinha, uma fornada que ficava mais ou menos assada, enchiam-se as bacias. Quando já frias, era hora de decorar: glaces feitos com claras e açúcar, recebiam confeitos.
A criançada em volta da mesa e na cozinha às vezes atrapalhavam a correria, mas o prazer de ajudar, besuntando a bolacha e depois colocando os cristais, são memórias muito queridas. As tais bolachas socorriam em momentos de aperto quando se esquecia de comprar mimo para alguém, ou mesmo retribuir algo recebido. Geralmente eram distribuídas em atos de generosidade aos menos afortunados – lembrando que esta é uma prática que deveria ocorrer em outras épocas também…
O ápice de toda a azáfama natalina, era a manhã do dia 24 de dezembro. As mães acordavam cedo e bem cedo. Matavam as galinhas, assavam partes nobres de porco como pernis e lombos, que já haviam sido sacrificados em dias anteriores. Depois era a vez de pães e bolos. Algumas famílias tinham – como a minha, a tradicional sobremesa “Rei alberto” feita de gelatina verde – aspérula (não existe mais), framboesa, vermelha; doce de ovos e molho de baunilha. Precisava ser posta em uma taça alta para ficarem visíveis todas as camadas. Cada jantar quebrava-se alguma, reduzindo gradativamente o conjunto.
No dia anterior a casa já havia sido limpa e a sala onde ficaria o pinheiro, fechada para não sujar.
Chegava a estrela da festa que era colocada dentro de uma lata grande, alta com areia e pedras para firmar. Depois aguava-se para não murchar – algo meio difícil no calor do verão. Abriam-se as caixas com os enfeites: cordões dourados, bolas de vidro, profusão de figuras de papai noel, anjos, sinos e o Menino Jesus de todas as formas e com os mais impressionantes materiais. Ah! E as velas…colocadas nos pequenos suportes em forma de pinça e fixadas nos galhos, distantes de algo inflamável. Para arrematar, a estrela no alto da imensa árvore – sempre imensa dado o tamanho daquele que a olhava de baixo para cima.
O presépio era arranjado aos pés da árvore, sobre uma camada de papel pardo meio amassado para dar aparência de solo seco, pedras, musgos…dispostos com todo o fervor, a Sagrada Família em torno do bebê, os reis magos, as ovelhas, o burrico, a vaca…e o laguinho feito de espelho onde nadavam uns patinhos ou cisnes. Bem, não importava se havia ou não essas aves no local onde o Menino havia nascido, importava que conferia ao conjunto um charme a mais.
Tudo pronto. Era hora do banho e como em tempos passados havia apenas um banheiro em casa, era um tumulto. Vestir calças, camisas, sapatos, vestidos novos…tudo rangendo de novo, no calorão de dezembro…o cheiro de assados e perfumes impregnavam o ar.
Chegava o Papai Noel que era atendido pelos pais na sala do pinheiro: ninguém o via. Vinha de mansinho, conversava e perguntava se as crianças tinham se comportado bem e deixava os presentes. A sala era aberta e os olhos das crianças não cabiam em suas faces. Tremiam ao ver as velas acesas, o brilho de todos os enfeites…um a um eram chamados a receber seus presentes.
Findo o rebuliço de abrir e rasgar papéis de embrulho, fitas e enfeites, restava o jantar seguido da ida à igreja. Ou ao contrário. A sequencia ou o lugar que os serviços religiosos ocupavam na agenda familiar, variava de lugar para lugar.
Havia muito trabalho, muita coisa a fazer e os recursos eram poucos, a imaginação corria solta, mas o que não faltava era entusiasmo e alegria. A magia de todo aquele tempo de preparação se desvanecia na mesa do jantar ou do almoço, entre farofas e refrigerantes derramados sobre as toalhas adamascadas.
Como nem todos os natais são iguais, assim como nem todas as famílias, suas dinâmicas e práticas, o mundo é feito de diversidade e rico em suas diferenças. Saudemos o Natal, e entendamos a árvore como um universo onde cada um coloca seu enfeite, cada detalhe tem seu charme e cujo conjunto encanta, e desperta o melhor de todos nós.
Feliz Natal! Recebamos o Ano Novo com muitas esperanças de que cada um contribuirá com o melhor de si!