Blumenau e o Carnaval: uma história esquecida entre máscaras, marchinhas e “Filhos do Inferno”

Cidade já teve blocos, desfiles e bailes animados, mas tradição foi perdendo força ao longo do tempo.

Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva

Blumenau e carnaval podem parecer uma combinação improvável, mas as memórias guardadas no Arquivo Histórico José Ferreira da Silva mostram que nem sempre foi assim. Por mais que hoje as ruas fiquem silenciosas enquanto outras cidades do Brasil entram em festa, o passado revela que o blumenauense já foi folião – e dos bons!

A professora Sueli Petry, diretora do Arquivo, destaca que as primeiras manifestações carnavalescas na cidade aconteceram em 1885. O grande evento era um baile de máscaras, realizado no salão da Sociedade de Atiradores – o mesmo prédio que hoje abriga o Tabajara Tênis Clube. Mas não pense que a festa era para qualquer um. O evento era exclusivo para associados, e os foliões tinham que seguir regras rígidas. Não podia dançar ou pular sozinho, e casados só podiam comparecer acompanhados do cônjuge ou de um parente. Além disso, se levassem filhos ou filhas, tinham a responsabilidade de vigiá-los durante toda a noite.

Já no início do século XX, o carnaval tomou as ruas, com desfiles animando a Rua XV de Novembro. Havia fantasias elaboradas, serpentinas e carros alegóricos desfilando para a população. Mas essa folia começou a perder força no final dos anos 1930, durante a política de nacionalização, que desestimulou manifestações culturais associadas à herança alemã da cidade.

Ainda assim, o espírito carnavalesco resistiu. Nos anos 1950, os bailes voltaram, mas com um tom mais discreto. As fantasias exuberantes deram lugar a vestimentas inspiradas no que se ouvia nas rádios: as famosas marchinhas de carnaval ditavam o ritmo da festa. Já nos anos 1970, houve tentativas de criar blocos e até escolas de samba, mas sem grande adesão. Na década de 1980, a então Fundação Cultural de Blumenau tentou reviver o carnaval com um evento chamado “Carnaval da Saudade”, mas, novamente, a tradição não conseguiu se firmar.

Entre todas essas histórias, um episódio de 1897 merece destaque. No dia 28 de fevereiro daquele ano, um grupo de foliões organizou, em apenas três dias, um desfile de carnaval que entrou para os registros históricos. Chamados de “Filhos do Inferno”, os organizadores trouxeram um cortejo inusitado: um arauto em um cavalo anunciava a chegada do grupo, seguido por sete cavaleiros fantasiados de índios. Depois, vinha uma carroça carregando uma canoa cheia d’água, onde pedras eram dinamitadas – uma crítica ao excesso de pedras no Rio Itajaí-Açu, que dificultava a navegação.

O desfile também teve sátiras políticas e sociais. Um dos carros ironizava um médico local, o doutor Guent, que, segundo as más línguas, bebia mais do que atendia pacientes. Outro carro mostrava a diferença entre classes sociais: na frente, ricos trajando roupas luxuosas montavam cavalos ornamentados, enquanto, logo atrás, trabalhadores usavam vestes simples do dia a dia. Outro carro alegórico trouxe uma crítica bem-humorada sobre a chegada da iluminação elétrica na cidade. Para encerrar, dois carros inusitados levavam casais de noivos espanhóis e árabes – o motivo dessa escolha segue um mistério até hoje.

O desfile foi um sucesso, e os “Filhos do Inferno” acabaram oficializando a criação do primeiro clube carnavalesco de Blumenau no mês seguinte, em 20 de março de 1897. Entre os membros fundadores estavam Francisco da Silva da Silveira, Francisco Margarida, Herman Mongarth, Elias Guttner, Richard Shefer, Leopoldo Knolass e Jacó Schmidt.

Hoje, o carnaval de Blumenau sobrevive em pequenos eventos, principalmente em clubes e sociedades da cidade, como as da Itoupava Norte, que tentam manter viva a tradição. No bairro Salto do Norte, tem a única escola de samba do município que desfila neste domingo (2). Mas os registros históricos mostram que, por trás do silêncio das ruas durante o feriado, já houve tempos de confete, folia e desfiles marcantes na cidade.

Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva
Foto: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva