A Catedral de Bamberg: um tesouro arquitetônico e espiritual da Alemanha

Erguida sobre uma colina em 1002, a edificação foi atingida por incêndios e reconstruída a cada vez. Confira a coluna Hallo Heimat, de Clay Schulze.

Bamberger Dom (1880) | Foto: Wikimedia Commons

Bamberg é uma cidade onde o tempo parece se mover em um ritmo mais lento, embalado pelo murmúrio do rio Regnitz e pelo tilintar dos sinos que ecoam entre suas colinas. Conhecida como a “Veneza da Francônia”, suas pontes de pedra conectam bairros históricos repletos de fachadas medievais e renascentistas, refletindo-se nas águas tranquilas que serpenteiam pelo centro. O Altes Rathaus, pousado sobre uma ilha como se desafiasse as leis da arquitetura, é um dos cartões-postais mais icônicos da cidade. Mas Bamberg é muito mais do que suas paisagens pitorescas – ela é um mosaico vivo de história, arte e tradição.

Passear pelas ruas da cidade bávara é descobrir joias escondidas a cada esquina: jardins secretos, praças charmosas e tavernas que servem a famosa Rauchbier, a cerveja defumada que carrega consigo séculos de tradição. O conjunto barroco da Neue Residenz, com sua vista deslumbrante, e os vestígios da fortaleza medieval Altenburg no alto da colina são testemunhas silenciosas da grandiosidade que permeia a cidade. E, coroando essa paisagem encantadora, ergue-se a magnífica Catedral de Bamberg, uma obra-prima da arquitetura sagrada que guarda tesouros inestimáveis de fé e história.

 

Jorge , Pedro e Maria com o Menino Jesus no Portão Marien | Foto: Wikimedia Commons.

MIL ANOS DE HISTÓRIA DA CATEDRAL

A Catedral de São Pedro e São Jorge, mais conhecida como Bamberger Dom, tem suas origens ligadas ao rei Heinrich II, que se tornou duque da Baviera em 995 e rei da Alemanha em 1002. Como parte de sua administração, ele escolheu Bamberg como centro de governo e tomou a decisão de estabelecer uma diocese na cidade para fortalecer a presença cristã na região oriental do reino. Com o apoio de sua esposa Kunigunde, a diocese foi instituída em 1007, o que aumentou significativamente a importância da catedral, (apesar da oposição dos bispos de Eichstätt e Würzburg). O primeiro bispo foi Eberhard von Abenberg, ex-chanceler de Heinrich, e a diocese ficou diretamente subordinada ao papa, sem interferência do arcebispado de Mainz.

A construção da primeira catedral começou em 1002, erguida sobre uma colina, nos alicerces da capela e do cemitério da antiga fortaleza Babenburg. A edificação não seguia um alinhamento exato no eixo leste-oeste e, como as construções subsequentes foram sempre orientadas com base nessa estrutura original, a orientação nordeste-sudoeste manteve-se por mil anos.

Foi concluída em 1012, sendo consagrada em, 6 de maio, no aniversário de Heinrich. A catedral foi consagrada na presença de 45 bispos e diversas outras autoridades eclesiásticas e políticas. Foi dedicada ao apóstolo Pedro, à Virgem Maria e a São Jorge, padroeiros que permaneceram associados à igreja ao longo do tempo. Todos os arcebispos do Sacro Império Romano-Germânico, com apenas uma exceção, estiveram presentes na consagração, algo sem precedentes na Idade Média. Nenhuma outra catedral medieval contou com a presença de tantos bispos em sua inauguração, o que destaca a grandiosidade desse evento.

A Catedral de Henrique, como na época ficou conhecida, seguia o modelo das grandes catedrais do século XI, mas, em comparação com a Catedral de Mainz (116 metros de comprimento) e a Catedral de Speyer (134 metros), era relativamente modesta, medindo apenas 75 metros de comprimento.

Era uma basílica em cruz com criptas sob os coros ocidental e oriental, além de duas torres na fachada leste. No entanto, essa estrutura foi destruída por incêndios em 1080 e 1081. A catedral foi reconstruída e reconsagrada em 1111, mas novamente sofreu com outro grande incêndio em 1185. Durante esse período, Bamberg tornou-se um centro religioso ainda mais importante, abrigando os restos mortais do Papa Clemente II, o único papa sepultado na Alemanha.

Há poucos registros sobre a utilização litúrgica da catedral nesse período, mas os relatos existentes correspondem às práticas típicas da Baixa Idade Média. Na época medieval, a catedral era exclusivamente utilizada pelo cabido catedralício e pelos vigários. O clero catedralício realizava orações canônicas várias vezes ao dia e celebrava missas no coro oriental.

A catedral atual foi construída no estilo românico tardio entre os séculos XII e XIII, no mesmo lugar da anterior, para preservar a santidade do local. Os principais impulsionadores da construção foram três bispos da Casa de Andechs-Merania: Otto, Eckbert e Poppo. Graças ao patrocínio dessa influente família, o novo edifício tornou-se uma obra grandiosa e imponente, sendo finalmente consagrado em 6 de maio de 1237, aniversário de Heinrich II. A riqueza do capítulo da catedral permitiu a adição de várias obras de arte ao longo dos séculos, incluindo o famoso túmulo de Heinrich II e Kunigunde.

Durante o século XVII, a catedral passou por grandes reformas em estilo barroco, especialmente após a Guerra dos Trinta Anos. No início do século XIX, com a secularização do bispado, Bamberg tornou-se parte da Baviera e, em 1817, foi elevada a arquidiocese. O rei Ludwig I ordenou uma “purificação” entre 1828 e 1837, removendo as influências barrocas e restaurando o estilo medieval.

Na década de 1970, uma nova reforma ajustou o espaço litúrgico às diretrizes do Concílio Vaticano II, reposicionando o altar principal. Hoje, a Catedral de Bamberg permanece um marco histórico e religioso, refletindo séculos de transformações e preservando sua relevância no patrimônio cultural europeu.

 

Henrique II e Kunigunde como figuras doadoras com uma maquete da Catedral de Bamberg | Foto: Wikimedia Commons.

IMPERADOR HEINRICH II, O SANTO

Heinrich II recebeu uma educação excepcional para um monarca de sua época. Aos cinco anos, foi entregue aos cuidados do bispo de Freising e, posteriormente, frequentou a escola catedralícia de Hildesheim, uma das mais prestigiadas instituições de ensino do período. Sua formação continuou sob a orientação de São Wolfgang, bispo de Regensburg, proporcionando-lhe conhecimentos aprofundados em teologia e administração. Esse preparo o colocou em pé de igualdade com os clérigos e o diferenciou da maioria dos governantes de sua era, muitos dos quais eram analfabetos. Sua educação não apenas moldou sua visão política e religiosa, mas também influenciou suas decisões futuras, especialmente a criação da Diocese de Bamberg.

Com a morte do imperador Otto III em 1002, Heinrich aproveitou o momento para consolidar seu poder. Interceptou o cortejo fúnebre de Otto na Baviera e apropriou-se das insígnias imperiais, garantindo sua coroação como rei da Alemanha pelo arcebispo Willigis de Mainz. Pouco depois, sua esposa Kunigunde foi coroada rainha em Paderborn. Sua ascensão ao trono foi marcada por manobras estratégicas para garantir apoio político, enfrentando a oposição de rivais que também reivindicavam o título.

Em 1014, foi coroado imperador em Roma pelo Papa Bento VIII, consolidando seu domínio sobre o Sacro Império Romano-Germânico. Durante seu reinado, manteve uma forte ligação com Bamberg, cidade que escolheu para sediar uma nova diocese, incorporando seus bens pessoais à Igreja e garantindo que missas fossem celebradas em sua memória após sua morte.

Heinrich II faleceu em 1024 no palácio imperial de Grona e, conforme seu desejo, foi sepultado na Catedral de Bamberg. Sua santidade foi reconhecida em 1146, quando o Papa Eugênio III o canonizou, destacando seu papel na cristianização dos eslavos ocidentais e na fundação da diocese de Bamberg. Sua esposa, Kunigunde, foi canonizada em 1200, um fato notável, pois na Idade Média raras mulheres eram canonizadas sem terem sido mártires.

Muitas lendas cercam o casal imperial, especialmente no que diz respeito à ausência de filhos, frequentemente interpretada como um sinal de castidade e devoção religiosa. Após a morte de Heinrich, Kunigunde governou o império por um curto período antes de se retirar para um mosteiro beneditino, onde dedicou seus últimos anos ao serviço religioso e ao cuidado dos doentes.

 

Túmulo imperial | Foto: Wikimedia Commons.

TÚMULO IMPERIAL, O DESCANSO EM BAMBERG

Um dos aspectos mais impressionantes da Catedral de Bamberg é o túmulo do imperador Heinrich II, o Santo, e de sua esposa, Santa Kunigunde. O monumento fúnebre, esculpido pelo renomado artista Tilman Riemenschneider entre 1499 e 1513, é um exemplo magistral do gênero, representando cenas da vida e dos milagres do casal imperial.

O túmulo imperial, esculpido em mármore com riqueza de detalhes, representa não apenas a grandiosidade do casal, mas também sua santidade e devoção. Cada cena esculpida nas laterais do sarcófago carrega um simbolismo profundo, exaltando a virtude, a justiça e a fé do imperador e da imperatriz. A prova do fogo e a justa retribuição reforçam a pureza e a retidão de Kunigunde, enquanto o leito de morte de Heinrich e a pesagem da alma representam sua luta final contra o mal e sua salvação através das boas obras. Já a cura dos cálculos renais evidencia a crença medieval nos milagres e na intervenção divina. O conjunto escultórico, além de ser uma impressionante obra de arte gótica, funciona como um testemunho da santidade do casal imperial, reforçando sua veneração e eternizando sua memória na Catedral de Bamberg.

O TÚMULO DO PAPA CLEMENTE II

Outro elemento singular da catedral é o túmulo do Papa Clemente II, sendo o único túmulo papal preservado ao norte dos Alpes. Antes de ascender ao papado, Clemente II era conhecido como Suidger de Bamberg e mantinha um forte vínculo com a cidade, a qual chamava de sua “doce noiva”. Mesmo após ser eleito papa no Sínodo de Sutri, em 1046, ele continuou sendo bispo de Bamberg. Após sua morte, seu corpo foi trasladado para a catedral e depositado atrás da cátedra episcopal, em um local discreto e inacessível ao público. A lápide que cobre seu túmulo data do século XVII, e vestígios de tambores de coluna indicam que originalmente havia um baldaquino sobre ele, possivelmente relacionado à estátua papal que hoje se encontra nos pilares do coro norte.

A presença do túmulo papal confere à Catedral de Bamberg um status especial entre as igrejas alemãs. Em 1052, o Papa Leão IX, também de origem alemã, visitou a catedral e prestou homenagem aos túmulos do imperador Heinrich II, da imperatriz Kunigunde e de seu predecessor Clemente II. Séculos mais tarde, em 1923, a importância desse sepulcro foi novamente reconhecida quando a catedral foi elevada à categoria de Basílica Menor pelo Papa Pio XI. Na ocasião, ele ressaltou que a catedral se distinguia de todas as outras da Alemanha justamente por abrigar o túmulo de um de seus predecessores, consolidando ainda mais o prestígio histórico e religioso do templo.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o túmulo foi temporariamente removido para um local seguro e, ao ser reinstalado em 1947, somente os restos mortais foram recolocados, enquanto os tecidos e objetos fúnebres passaram a integrar o acervo do Museu Diocesano.

O HISTÓRICO CORAL DA CATEDRAL

O Coro da Catedral de Bamberg possui uma tradição secular, remontando à Idade Média, com registros de apresentações desde o século XI. Sua atuação solene foi documentada já em 1020, durante a visita do Papa Bento VIII, e novamente em 1125, na recepção do bispo Otto após sua missão na Pomerânia. A formalização do coro ocorreu entre os séculos XII e XIII, quando o bispo Henrique I de Bamberg instituiu uma cantoria oficial, assegurando-lhe fontes de renda e nomeando um cantor responsável dentro do Capítulo da Catedral. Originalmente, o repertório do coro era centrado no canto gregoriano, refletindo a tradição musical da Igreja.

Atualmente, o Coro da Catedral de Bamberg segue o modelo tradicional dos coros de meninos, como os renomados Domspatzen de Ratisbona. Sua principal missão é enriquecer musicalmente as cerimônias litúrgicas, e em ocasiões especiais, como grandes festividades do calendário cristão, apresenta-se com a Orquestra Sinfônica de Bamberg. Além disso, realiza turnês anuais, levando sua arte a públicos internacionais.

Durante a regência de Werner Pees (1995–2021), o coro manteve 80 membros, com um rigoroso processo seletivo que incluía um período preparatório de um a dois anos. Pees também inovou ao fundar a Cantoria Feminina em 1989, composta por 140 cantoras, e a Domkantorei em 1995, que reúne ex-integrantes do coro masculino e da cantoria feminina, ampliando ainda mais a tradição musical da catedral.

O DOMPLATZ: O CORAÇÃO DE BAMBERG

A Catedral de Bamberg está situada no Domplatz, uma ampla praça cercada por construções históricas como a Antiga Câmara Episcopal e a Nova Residência. Essa praça oferece uma visão privilegiada de quatro diferentes estilos arquitetônicos: românico, gótico, renascentista e barroco. Curiosamente, o Domplatz passou por uma significativa remodelação nos séculos XVIII e XIX, quando o nível da praça foi rebaixado para facilitar o acesso ao centro da cidade. Durante o período monárquico da Baviera, o local foi chamado de Karolinenplatz, em homenagem à rainha Karoline. Foi somente após a queda da monarquia, em 1918, que o nome Domplatz tornou-se definitivo.


Praça da Catedral com a Catedral, o Antigo Tribunal e a Nova Residência | Foto: Wikimedia Commons.

Ao caminhar pelas naves silenciosas da Bamberger Dom, é impossível não sentir o peso dos séculos que ali repousam. Cada pedra, cada vitral e cada escultura conta histórias de reis e imperadores, de papas e bispos, de artesãos e músicos que moldaram este monumento ao longo do tempo. No brilho tênue das velas, ecoam cânticos ancestrais, como se a própria catedral sussurrasse memórias de um passado grandioso. É um lugar onde o tempo parece se dissolver, permitindo que aqueles que ali entram toquem, ainda que por um instante, a alma da Idade Média.

Mesmo em meio à modernidade, a Catedral de Bamberg permanece como um farol da fé e da cultura germânica. Suas torres elevam-se majestosamente sobre a cidade, lembrando que, apesar das transformações do mundo, há algo de eterno na arte e na devoção que a ergueram. Seja para peregrinos em busca de espiritualidade ou para amantes da história e da arte, a catedral continua sendo um refúgio de beleza e contemplação. Quem a visita não leva apenas recordações, mas carrega consigo um pedaço da alma de Bamberg, gravado na memória como um eco distante de tempos imortais.

Clay Schulze (@clay.schulze) é Presidente Do Centro Cultural 25 de julho de Blumenau e integrante do Männerchor Liederkranz, Coro Masculino Liederkranz do Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau

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