Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro contarão com a participação de dois árbitros da Federação Catarinense de Basketball (FCB), Cristiano Maranho, de 42 anos, e Guilherme Locatelli, de 34 anos. Eles serão os únicos brasileiros a apitar partidas dessa modalidade, que começaram neste sábado (6/8/16).
Em julho, Maranho e Locatelli utilizaram as estruturas do Centro de Ciências da Saúde e do Esporte (Cefid) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), para se preparar para a disputa dos jogos em Florianópolis.
Juntos, os dois já apitaram competições internacionais, campeonatos brasileiros e, mais recentemente, a final da Liga Nacional. “Temos bastante tempo juntos trocando ideias porque são visões diferentes. No mesmo lance, ele tem uma interpretação e eu tenho outra. A arbitragem é um eterno aprendizado”, conta Locatelli.
Agora, eles estarão reunidos em uma olimpíada pela primeira vez. Para quem trabalha com esporte de alto rendimento, participar dos Jogos Olímpicos é um momento marcante para a carreira. A seletividade é grande: no mundo, são 1,2 mil árbitros vinculados à Federação Internacional de Basquetebol (Fiba), com sede na Suíça, e apenas 30 são escolhidos para as Olimpíadas.
Maranho diz que, no Brasil, são 28 árbitros integrando o quadro internacional e apenas dois são escolhidos. “É o suprassumo de qualquer carreira esportiva. Ser escalado para as Olimpíadas é um filtro muito grande. É como se subíssemos no pódio da modalidade”, ressalta.
Muito treino e esforço
Os árbitros são unânimes em afirmar que não existe fórmula pronta para chegar aos Jogos Olímpicos. A escolha da arbitragem, feita pela Fiba, é caracterizada como “subjetiva” por Locatelli.
“Se eu chegar a uma olimpíada e outro árbitro seguir os mesmos passos, pode ser que ele não chegue ou pode ser que ele chegue mais rápido do que eu. A gente não sabe exatamente os detalhes que levam até o alto nível”, declara.
Os campeonatos esportivos ocorrem a partir de junho, mas a escalação dos árbitros ocorre em fevereiro, para que os profissionais tenham tempo de se preparar. Eles recebem informações da federação e seguem uma planilha de treinamento, que inclui aquecimento, corrida contínua e intervalada em diferentes distâncias.
O desempenho é acompanhado rigorosamente pelo preparador exclusivo da Fiba. “Quando somos escalados, recebemos um ofício que diz que eles têm o direito de nos ‘desescalar’ dos Jogos Olímpicos caso nós não sigamos o treinamento”, afirma Locatelli.
Antes de a competição começar, os profissionais de arbitragem são submetidos a um teste físico e quem é reprovado não pode apitar nos jogos.
Locatelli explica que, a partir de 2017, depois desse ciclo olímpico, a estrutura da competição mudará. Em vez de os testes se concentrarem em uma determinada época, serão realizados durante o ano todo. “Isso faz com que os árbitros precisem estar condicionados 100% do tempo e não só para um torneio de duas semanas”, aponta.
Os árbitros são selecionados exclusivamente por desempenho em outras competições esportivas e há muitos que encerram a carreira sem participar das Olimpíadas. Quando completam 50 anos, os profissionais saem do quadro da federação automaticamente. “Por isso, temos que treinar e nos esforçar todos os dias. Ninguém tem algo garantido”, comenta Maranho.
Como nasce um árbitro
Natural de Florianópolis, Guilherme Locatelli entrou para a Federação Catarinense de Basquete em 2004, mas a história como árbitro começou em 1996, aos 14 anos, quando jogava basquetebol no Clube 12 de Agosto, na Capital, e precisaram de uma pessoa para apitar um torneio. “É assim que começa. Um árbitro nasce desse jeito.”
Depois, continuou apitando jogos da prefeitura e olimpíadas em escolas e já acumula participações em seis campeonatos mundiais, dois pré-olímpicos e agora apitará sua primeira olimpíada.
Aos 42 anos, Cristiano Maranho já passou mais da metade da sua vida como árbitro. Natural de Jandaia do Sul (PR), ele tem 21 anos de carreira e integra o quadro internacional há 18. Como Locatelli, começou como jogador e apitava campeonatos infantis. “A gente começa sem pretensão alguma. Eu nem sabia que tinha categoria de árbitro nacional”, lembra.
Em 1995, entrou para a Federação Paranaense de Basketball (FPRB) e, dentre outras competições, apitou cinco campeonatos mundiais, três pré-olímpicos e quatro pré-mundiais, que são as etapas classificatórias disputadas nos continentes. No currículo, Maranho também tem as Olimpíadas de Pequim e Londres e dois pan-americanos.
Constante aprendizado
Segundo os dois árbitros, uma forma de evoluir na carreira é aprender com outros profissionais, observando, por exemplo, como eles resolvem problemas durante as partidas. Eles também aprendem com as gerações mais novas.
“Os árbitros mais novos podem não ter experiência, mas eles têm virtudes que não temos. Talvez ele consiga chegar ao fim da quadra um segundo antes de você e isso pode fazer diferença numa decisão”, compara Locatelli.
Para Maranho, é uma competitividade sadia, que estimula o crescimento. E, quando se trata do basquetebol, “esporte de muitos detalhes”, como define Locatelli, é preciso estar sempre buscando maneiras de melhorar o desempenho.
Locatelli garante que não há qualquer tipo de privilégio para quem tem mais tempo de carreira. “Não importa a idade: quando chega no teste físico, todo mundo tem que correr a mesma coisa. Você tem que render como o mais novo e como o mais velho”, explica.
Na hora do jogo
Durante as partidas, quando há inúmeras emoções envolvidas, o controle psicológico dos profissionais de arbitragem é essencial. Dentro da quadra, muitas vezes os árbitros são os únicos que conseguem enxergar o jogo racionalmente.
“Conseguir achar uma pessoa capaz de entrar na quadra e lidar com todas aquelas emoções é um grande filtro. Esse controle é um trabalho de anos, não é uma coisa simples”, enfatiza Locatelli.
A pressão não vem somente de técnicos, jogadores e torcedores, mas também de quem escala os árbitros. “Todo mundo quer ganhar. Eu sempre digo que o jogo é dividido em duas partes. Antes, todo mundo se cumprimenta, é tudo muito bonito. Subiu a bola, parece que são inimigos mortais. Todo mundo quer ver o seu lado”, diz Maranho.
Aprender a identificar o que está causando um problema, lidar com as pessoas e criar métodos de evitar conflitos fazem parte da rotina dos árbitros. “Você tem que entender o que as pessoas estão pensando, por mais erradas que elas estejam. Aí está a virtude do árbitro: aceitar que as pessoas não precisam concordar com você”, explica Locatelli.
Segundo ele, os profissionais também precisam lidar com as consequências das decisões tomadas. “Toda vez que decidimos alguma coisa, estamos deixando alguém feliz e alguém frustrado, por mais que tenhamos razão no apito. Você vai estar o tempo todo deixando pessoas frustradas.”
Chances de medalha
Quando falam do basquete brasileiro, os dois árbitros afirmam que há uma grande diferença entre as equipes masculina e feminina.
Para Locatelli, a equipe masculina consegue jogar no mesmo nível das melhores seleções do mundo, apesar de estar em uma chave difícil nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Já a equipe feminina, conforme Maranho, está em uma transição complicada, em que falta renovação de atletas.
Além disso, os dois lembram que jogar nas Olimpíadas é diferente. São apenas 12 times, os melhores do mundo, e é necessário vencer muitos jogos para chegar à final.
“É preciso um nível técnico elevadíssimo. Os times que chegam às finais são capazes de bater grandes equipes dia após dia. Essa capacidade talvez possa faltar no time masculino do Brasil”, opina Locatelli.
Legado positivo?
Ter os Jogos Olímpicos acontecendo no País é, para Maranho, uma forma de divulgar o esporte como meio de vida e dar visibilidade a outros esportes de alto nível. Mas o árbitro se preocupa com o que acontecerá depois do evento.
“Até a Olimpíada tem suporte financeiro, estrutura para os atletas, mas e depois? Eu vi em Londres e em Pequim, os ginásios construídos para os jogos estavam parados”, salienta.
Locatelli também demonstra preocupação com as chances de um legado positivo: “Ficamos felizes com tudo o que aconteceu antes dos jogos, felizes por ter acontecido, mas ao mesmo tempo tristes de saber que as coisas só acontecem porque está tendo a Olimpíada. E depois dela, vai existir alguma coisa? O legado que vai ser deixado é uma incógnita”.
Fonte: Udesc Cefid