A Umbanda foi tema de uma publicação em OBlumenauense que tratava sobre a apresentação do que é a religião para alunos do Colégio Luiz Delfino. Além de elogios à iniciativa, também surgiram comentários preconceituosos. A informação nos foi passada por Ademir Barbosa Júnior, de 43 anos, que é um dos dirigentes da Tenda de Umbanda Iansã Matamba e Caboclo Jiboia (TUIMCAJ), aberta oficialmente em Blumenau no dia 23 de abril de 2015. A outra dirigente é Mãe Karol de Iansã (Karol Souza Barbosa), de 29 anos.
Dentro da religião, Ademir é Pai Dermes de Xangô, Pai Pequeno que se prepara para a deitada de Pai Maior em agosto próximo. Formado em Literatura Brasileira e Letras pela USP em São Paulo, ele leciona desde 1991 e é escritor. Já Karol, além de escritora, é comissária de bordo formada. Ela também trabalha com salgados e é estudante de cursinho pré-vestibular com pretensões de ingressar no curso de medicina.
Entrevistei Ademir e Karol para falar um pouco sobre esses comentários, quais as providências que tomou e a questão do preconceito religioso. Também foi a oportunidade para falar um pouco sobre a Umbanda.
OBlumenauense: Você comentou que após a publicação do trabalho que vocês fizeram no Colégio Luiz Delfino, surgiram comentários preconceituosos. Quais foram e isso é comum em relação à Umbanda?
Ademir e Karol: Houve compartilhamentos em rede social da matéria de “O Blumenauense” com comentários maldosos e pejorativos, acusando-nos de ser “do mal” e a professora de Ensino Religioso de fazer apologia à Umbanda. Isso é um absurdo. Em primeiro lugar, porque a Umbanda não é proselitista. Em segundo, porque fomos convidados de acordo com o currículo da disciplina Ensino Religioso (lei federal 9459/97) para expor um pouco de nossa religião, que, como todas devem ser, é de paz, amor e caridade.
Não bastasse isso, existe a lei federal 10639/03, que trata do ensino da História e da Cultura africana e afrobrasileira nas escolas. Há uma série de preconceitos e, quando vemos as críticas, percebemos que são de pessoas que nunca visitaram um terreiro e sequer conhecem os fundamentos de Umbanda.
OBlumenauense: Que providências vocês tomaram em relação a essas manifestações?
Ademir e Karol: Agimos nos termos da lei, fazendo um boletim de ocorrência, contratando um advogado, acionando o Disque 100. O crime de ódio e preconceito religiosos é passível de prisão e multa, não prescreve e é inafiançável. Por iniciativa do vereador Jefferson Forest (autor da lei responsável pela criação do Dia da Umbanda em Blumenau, sancionada recentemente pelo prefeito, e do projeto de lei que fixa no calendário o Dia de Oxum, Orixá das águas doces e do amor, como uma ação concreta de preservação do rio Itajaí-Açu, uma vez que as religiões afrobrasileiras são ecológicas), ocuparemos a tribuna da Câmara no próximo dia 26 de julho para tratar do assunto. Está sendo preparada uma manifestação pública para o dia 21 de agosto. Após as eleições, haverá uma audiência pública sobre estado laico. Todas as vezes que nos defendemos de agressões como essas ou outras somos acusados de preconceituosos e intolerantes.
OBlumenauense: Qual a reação dos alunos, na sua concepção, nos trabalhos de conscientização que vocês fazem, como foi no Colégio Luiz Delfino?
Ademir e Karol: A recepção foi muito bacana e nenhum aluno foi obrigado a participar. Apenas cinco alunos, por orientação dos pais, se ausentaram. Uma religião só pode fazer o bem e respeitar o livre-arbítrio. Se não for assim, não será religião, não será Umbanda. A professora de Ensino Religioso nos contou que tenciona levar representantes de outras religiões também para um bate-papo. Como fomentar a cultura de paz se o outro se sente dono (a) de Deus, acha que existe apenas uma maneira de cultuá-Lo? Jesus ensinou a amar o próximo e a não julgar. Muitos nos apontam o dedo na rua em nome de Jesus. É incompatível.
OBlumenauense: Vocês participam de outros projetos?
Ademir e Karol: Somos voluntários em vários projetos como esse. A Karol é presidente do Fórum Catarinense de Umbanda e administradora de vários blogs, que lançará o seu primeiro livro em agosto. Eu sou autor de mais de 60 livros, a maioria sobre as religiões afrobrasileiras. Tenho um programa semanal de rádio, presidi fóruns em várias localidades, inclusive em Portugal, produzi curtas metragens sobre o tema e presido a Associação Brasileira de Escritores Afrorreligiosos. Nós dois somos colunistas voluntários em revistas eletrônicas.
OBlumenauense: As principais religiões praticadas no Brasil são todas originárias de fora. O cristianismo como sabemos, surgiu no Oriente Médio. Você sente discriminação em relação às africanas?
Ademir e Karol: Muita discriminação. Uma série de igrejas pentecostais trabalha a mediunidade, mas, para elas o “espírito é santo”. Já nossos Orixás, Guias e Guardiões são “espíritos demônios”. Muitas neopentecostais se apropriam de nossa liturgia, de elementos de nossos rituais e descaradamente os utilizam nos mesmos cultos em que pregam o ódio contra a Umbanda, o Candomblé, a Jurema etc. Ora, incitar o ódio, o preconceito é atitude cristã?
OBlumenauense: Quantos praticantes da Umbanda existem em Blumenau e onde concentram suas atividades?
Ademir e Karol: Há dois anos residimos em Blumenau e vimos três tentativas inconclusivas de mapeamento. De qualquer maneira, estima-se que haja cerca de 200 terreiros de Umbanda em Blumenau. A Tenda de Umbanda Iansã Matamba e Caboclo Jiboia tem suas giras (sessões públicas) aos domingos, quinzenalmente, a partir das 16h, sempre com um estudo temático de meia hora. Todas nossas atividades na casa são caritativas.
As despesas do terreiro são supridas pelos dirigentes, pelos demais médiuns da casa e por doações (velas, produtos de limpeza e outros). Não são práticas de Umbanda amarração de casais, trazer pessoa amada etc., pois não se faz o mal e nem se fere o livre arbítrio. Aliás, aproveitar-se da boa fé das pessoas, infelizmente, é característica do humano, não das religiões. Hoje estamos localizados na Rua Rodeio, 28, casa nº 2, no Centro, próximo ao Terminal da Proeb.
OBlumenauense: Quais são os principais rituais da Umbanda?
Ademir e Karol: As giras (sessões públicas), os sacramentos (batismo e matrimônio), os rituais fúnebres, os atendimentos, as limpezas energéticas de pessoas, ambientes etc., os estudos e passes e o desenvolvimento mediúnico, sempre caritativos (gratuitos).
OBlumenauense: Que mensagem você gostaria de deixar às pessoas que fazem parte de uma religião, mas não são tolerantes às outras?
Ademir e Karol: Deus é poliglota e fala diversas línguas. Cada uma dessas línguas é uma religião. Aprenda a língua (religião) de seu irmão, de sua irmã, e perceba o quanto, nas diferenças, somos mais semelhantes do que pensamos. É incompatível com os ensinamentos de Oxalá (sincretizado com Jesus Cristo) o ataque a seus irmãos para sentir-se próximo a Deus. Quando você fala mal da minha religião, deixa de praticar os ensinamentos da sua. Todos estamos de mãos dadas, se você tenta derrubar um irmão, você se desestabiliza da presença de Deus.
