Por Márcia Pontes
A população e muitos gestores públicos costumam ter memória curta, mas vamos lembrar. Em janeiro deste ano um motociclista de 21 anos perdeu a vida na rua 2 de Setembro após uma colisão com um veículo. Foi o terceiro acidente grave em 34 dias na altura do número 205 daquela via, trecho em que não há canteiro central impedindo retornos proibidos e conversões. À época, o projeto já estava pronto desde janeiro de 2014, aprovado e entregue à Secretaria de Serviços Urbanos para execução da obra, mas até agora não saiu do papel.
A sinalização vertical estava aprovada desde fevereiro de 2014 e a sinalização de solo, horizontal, com projeto aprovado desde outubro de 2014. Quantos acidentes poderiam ter sido evitados? Quantas vidas poderiam ter sido poupadas? Para tentar diminuir a ocorrência de acidentes naquele trecho os proprietários de uma concessionária de importados compraram cones e os colocaram na via. Mesmo sendo dispositivos temporários, continuam lá até que o canteiro central seja construído, mas gestores públicos consideram a sinalização da via adequada.
O caso causou comoção. Foi manchete em televisão, rádio e jornal. Chegou-se a falar em conversão proibida e retorno proibido por parte do motorista do carro. Populares se manifestaram sobre os outros motoristas que cruzam a via para acessar o restaurante do outro lado da rua e que assim estariam potencializando o risco de acidentes no local.
À data do acidente o projeto de construção desse canteiro central já estava aprovado com data de 2014, inclusive já encaminhado à Secretaria de Serviços Urbanos para execução, mas ninguém ficou sabendo (clique para acessar o projeto).
O projeto de sinalização vertical para colocação de placas e outros elementos verticais de sinalização viária já estava pronto deste outubro de 2014 (clique para acessar). O projeto de sinalização horizontal global na rua Gustavo Lueders e Fritz Spernau tem data de consecução do projeto em outubro de 2014, inclusive com sinalização da rotatória, pintura de faixas de pedestres e outros elementos de engenharia viária para a proteção de pedestres, ciclistas e motoristas (clique para acessar).
A culpa é só do motorista?
O assunto voltou à pauta essa semana na imprensa, afinal, o perigo continua instalado 24 horas próximo ao número 205 e em todo o trecho da rua 2 de Setembro, sobretudo naquele que continua aguardando que a construção do canteiro central saia do papel juntamente com a sinalização horizontal e vertical projetada em 2014 e já encaminhada (os 3 projetos) ao órgão competente para execução. Só que até agora, nada!
Em entrevista ao vivo em uma emissora de rádio, diante do questionamento sobre a demora na execução dessas importantes obras de sinalização viária e se esse adiamento teria a ver com o fato de impedir a movimentação dos guinchos de uma empresa do outro lado da rua, a resposta do responsável pela Secretaria de Planejamento foi de “há diminuição significativa dos acidentes com mortes no município de Blumenau.” Ressaltou as ações conjuntas entre a Secretaria de Planejamento, Seterb e a fiscalização para a diminuição dessas mortes.
Na fala do gestor o principal problema é o relevo acidentado da cidade, com morros e curvas, e que os motoristas não respeitam a sinalização.
“O principal problema, primeiro que Blumenau tem curvas sinuosas em várias regiões, é bastante acidentado, a nossa topografia, etc… Mas, a principal parte dos acidentes é por não cumprimento da legislação de trânsito. Sempre que a população não cumpre o que diz a legislação, o Código de Trânsito, as leis de trânsito [sic] é necessário uma intervenção do público com ações coercitivas; sempre criar barreiras físicas quando a própria placa de trânsito deveria ser necessário, quanto a própria pintura da pista deveria ser necessário.”
Ora, é fato que os motoristas têm o dever de dirigir com cuidado e respeitar a sinalização de trânsito o tempo todo, mas quando o motorista não respeita e isso se torna recorrente junto com os acidentes de trânsito e as mortes e sequelas, o poder público tem que entrar em ação. Principalmente, implantando as barreiras físicas que condicionam o motorista e o forçam a mudar o comportamento e as práticas naquele local.
Está lá no artigo 1ª, § 2º e 3º do mesmo CTB mencionado na fala do entrevistado:
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
Então, a culpa não é só motorista, concordam? Até porque um trânsito seguro se sustenta em 3 pilares: engenharia, educação para o trânsito que envolva toda a população e fiscalização, e não só na fiscalização como se costuma fazer em Blumenau.
Não adianta só colocar holofotes nas obras que estão sendo feitas no centro da cidade com mudança de velocidades e colocação de faixas elevadas de trânsito com o objetivo de humanizar o trânsito. Temos de olhar para os bairros, para as vias que funcionam como pistas de corrida e para os trechos onde acidentes e mortes recorrentes podem ser evitados com sinalização adequada e colocação de elementos físicos necessários como esse canteiro central na rua 2 de Setembro.
Mas, o que mais me causou espanto foi a fala do responsável pela Secretaria de Planejamento ao afirmar que “a rua 2 de Setembro está sinalizada adequadamente, com a velocidade adequada e com todas as informações que, se o motorista respeitar as indicações do trânsito não haverá acidente. Os acidentes que ocorreram foram por conversões indevidas num ponto em que não deveria ter sido feito.[sic]”
Então, se a rua 2 de Setembro já está sinalizada adequadamente, porque existem 3 projetos, um de construção de um canteiro central, um de implantação de sinalização horizontal e outro de sinalização vertical para aquele trecho da rua 2 de Setembro? Fizeram os projetos sem necessidade? Para passar o tempo?
Se a sinalização está adequada, porque os cones de sinalização, que são dispositivo temporários a serem usados só em caso de obras e operações de fiscalização de trânsito, comprados e colocados por uma concessionária continuam fazendo as vezes de canteiro divisor separando a via até que os projetos feitos pela própria Secretaria de Planejamento saiam do papel? Porque racionalizar se a parte da Secretaria de Planejamento, que era fazer os projetos, está pronta há 2 anos?
É fato que se os motoristas respeitarem a sinalização, dirigirem com autocuidados e adotarem práticas preventivas se conseguirá evitar o acidente. Mas, quando o motorista não faz e o próprio CTB determina que cabe aos gestores do trânsito adotar ações, medidas e programas, inclusive de engenharia e de educação para o trânsito, e que será responsabilizado por omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que coloquem em risco a segurança de todos no trânsito?
Afirmar que os acidentes ocorreram por conversões indevidas por parte dos motoristas em um ponto onde não deveriam ser feitas me parece precipitado já que existem lotes lindeiros, guias rebaixadas e acesso a estacionamento naquele trecho, o que permite aos motoristas convergirem amparados pela Resolução nº 236, de 11 de maio de 2007 do Contran. Linha contínua dupla, ou a LFO-3 (Linha de Divisão de Fluxos Opostos) só proíbe a ultrapassagem. A conversão é permitida desde que seja para acessar um lote lindeiro como o restaurante do outro lado da rua.
Claro que os motoristas precisam ter todos os cuidados que demandam o art. 34 do CTB sempre que houver fluxos que se cruzem: “Art. 34. O condutor que queira executar uma manobra deverá certificar-se de que pode executá-la sem perigo para os demais usuários da via que o seguem, precedem ou vão cruzar com ele, considerando sua posição, sua direção e sua velocidade.”
O que os motoristas não podem fazer naquele local é o retorno, que é bem diferente de conversão! Retorno é sair daquele trecho da 2 de Setembro em uma mão de direção e fazer a manobra para pegar a pista contrária. Conversão é acessar lote lindeiro com guia rebaixada mesmo quando tem faixa contínua dupla. Isso pode. E acredito que tenha sido para adequar a sinalização e impedir a conversão que a Secretaria de Planejamento tenha feito o projeto de construção do canteiro central.
O fato é que os projetos do canteiro e da sinalização vertical e horizontal já estão aprovados com data de 2014 e dormem na gaveta. Quem iria executar era a URB, só que os contratos foram suspensos por conta de supostas irregularidades na Operação Tapete Negro. Existe impedimento legal para tirar esses projetos do papel? Falta dinheiro, mesmo sendo transferida uma q uantia gorda para a URB ainda neste semestre?
O que a população quer saber é: quando esses projetos que já foram aprovados e encaminhados à Secretaria de Serviços Urbanos para execução vão sair do papel?
* A responsabilidade do texto é da autora.