Dossiê feito com comitês populares indica violações de direitos em obras da Copa

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Texto: Cristina Indio do Brasil | Edição: Fábio Massalli

A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (Ancop) lançou hoje (7), na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio, o Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil, que aponta as ações que ocorreram nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014 e que foi elaborado a partir das avaliações e participações dos comitês populares organizados nestas cidades. O documento, que analisa ainda os efeitos das Olimpíadas de 2016 na sociedade, trata de violações de direitos nas áreas de moradia; trabalho; acesso a serviços e bens públicos e mobilidade; esporte; meio ambiente; acesso à informação, participação e representação populares e segurança pública.

A integrante do Comitê Popular da Copa, Mariana Werneck, que participou da elaboração do dossiê, disse que um levantamento inicial da Ancop indicou que as intervenções nas cidades, em decorrência das obras dos megaeventos, como são classificadas a Copa e as Olimpíadas, iam atingir 250 mil pessoas, número que segundo ela, foi reduzido após o cancelamento de obras que estavam previstas na matriz de responsabilidade da Copa.

Para o professor do Observatório de Metrópoles do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Orlando Santos Júnior, que também trabalhou na elaboração do dossiê, um dos casos mais graves de violações de direitos apontados pelo documento está na área de moradia, com as remoções de moradores. Ele explicou que não foi respeitada a legislação, como as resoluções do Ministério das Cidades que determinam a consulta popular para avaliação da necessidade da obra e as formas de garantia de moradia para a comunidade, incluindo a remuneração justa pelos imóveis. Outro ponto destacado por ele é o acesso à informação. “Nós da universidade estamos pesquisando, avaliando, monitorando a preparação dos municípios para a Copa do Mundo, sofremos porque não existem informações disponibilizadas pelos municípios para que se monitore o processo de preparação das cidades”, analisou em entrevista à Agência Brasil.

O professor disse que o dossiê indica também que é preciso questionar o atual nível de participação da sociedade nas decisões sobre as intervenções urbanas. Ele acrescentou que o trabalho feito no Brasil pela Ancop com os comitês populares vai servir para as próximas cidades que vão sediar a Copa do Mundo no futuro. “Acho que é fundamental que a gente torne esse evento em um evento esportivo, para que ele não seja usado para justificar obras que não foram decididas pelas populações dos respectivos países de forma democrática. Esse dossiê cumpre papel fundamental, até mesmo de questionar a própria Fifa [Federação Internacional de Futebol], que impõe exigências aos países que sediam a Copa do Mundo. A Fifa tem cobrado exigências que representam exceções nas leis nacionais e isso é muito grave”, avaliou.

Ainda na apresentação dos dados do dossiê, Mariana Werneck destacou que, em algumas comunidades onde seriam feitas as intervenções urbanas, moradores foram removidos com o uso da força policial. Mas também há situações em que após a mobilização da sociedade, a solução parece estar a caminho como é o caso da comunidade Nova Costeira, no município de São José dos Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Lá ocorreu uma ocupação há 22 anos com a realocação de famílias residentes do antigo bairro da Costeira, para a obra do Canal Extravasor do Rio Iguaçu.

Com a perspectiva da Copa do Mundo, os moradores se viram diante da possibilidade de mais uma remoção, entre eles Günter Banach. “Nós fomos atingidos pelo projeto para a construção da terceira pista do aeroporto Afonso Pena, que é Aeroporto Internacional de Curitiba. A nossa vila fica nos fundos do aeroporto. É uma vila de 320 casas, com algo em torno de 1.200 pessoas”, disse à Agência Brasil. Os moradores foram contrários e após muita discussão com a prefeitura, agora, há a perspectiva de regularização da área. Mas antes houve a proposta de mudança para imóveis do Programa Minha Casa, Minha Vida, que, segundo Günter Banach, são considerados pequenos em comparação com as moradias da vila. “Ninguém está aceitando isso”, declarou.

Inalva Mendes Brito também enfrenta o problema de remoção. Ela é moradora da Vila do Autódromo, na zona oeste do Rio, onde ao redor está sendo construído o Parque Olímpico para as Olimpíadas de 2016. Ela contou que, antes das remoções, eram cerca de 600 famílias e atualmente 50% ainda estão na comunidade. De acordo com Inalva, quem concordou em sair de lá para um imóvel do Programa Minha Casa, Minha Vida, se transferiu porque não tinha documentação de regularização do terreno que ocupava. A líder comunitária criticou a forma como a prefeitura do Rio conduziu o processo, que, segundo ela, começou ainda na preparação dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio. “A prefeitura, desde 1992, exerceu uma prática cruel de abandono para que as pessoas ficassem em situação bem vulnerável e assim ela poderia barganhar a remoção e foi o que aconteceu recentemente com quem não tinha documento [de posse do imóvel]. Os moradores que tem documentos fazem a resistência”, disse.

A Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas pretende que a mobilização nos comitês continue para monitorar as intervenções urbanas em decorrência dos Jogos de 2016 no Rio.

via Agência Brasil