Por Luciano Marques
Uma equipe da USP está desenvolvendo uma vacina em spray contra a Covid-19. A equipe, coordenada pelo médico veterinário Marco Antônio Stephano, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, está usando como modelo uma plataforma tecnológica já testada com sucesso em camundongos contra a hepatite B. O modelo é menos invasivo, tem maior aceitação em todas as faixas etárias e produz menos efeitos colaterais.
Marco Antônio Stephano e a equipe, formada por oito pessoas, desenvolveram uma nanopartícula a partir de uma substância natural. Dentro dela, foi colocada uma proteína do vírus que se espalhou pelo mundo. Quando ela é administrada nas narinas, há a produção de IgA secretora, ou seja, anticorpos presentes na saliva, na lágrima, no colostro e em superfícies do trato respiratório, intestino e útero. Isso deve fazer, na prática, com que a entrada do patógeno na célula seja inibida, o que vai impedir a colonização no local da aplicação.
Outra particularidade do processo é que essa nanopartícula tem propriedade muco-adesiva. Assim que entra em contato com o corpo, permaneça nas narinas por no mínimo três horas, tempo suficiente para que seja absorvida pelo organismo a ativar a resposta imune. Essa característica é importante, uma vez que o antígeno não pode ser expelido, nem mesmo por meio de um espirro.
As vacinas podem demorar até dez anos para serem produzidas, mas, segundo Stephano, os processos evoluíram na última década e como cerca de 200 vacinas estão sendo produzidas em todo o mundo, a troca de informações e resultados nos mais variados processos é bem mais rápida.
“A partir do momento que saiu o primeiro genoma do vírus, foi muito mais fácil identificar quais proteínas nós queríamos para fazer essa vacina. A partir do momento que saiu o isolamento do vírus fica muito mais fácil você fazer um teste de controle de qualidade para essa vacina. Tudo foi muito rápido. Para isolar o vírus da Aids, por exemplo, demorou quase três anos.”
Várias vacinas
Se a vacina desenvolvida na USP der certo, ela não será a única. Segundo Stephano, o ideal é que existam várias vacinas em todas as partes do mundo.
“Nenhuma vacina é 100%, não consegue proteger 100% da população. Um exemplo é a vacina da gripe, que protege 60% da população e você reduz em 30% as internações hospitalares. Isso é muito, quando se observa o custo de uma internação hospitalar”, explica o professor.”
O desenvolvimento da vacina ainda está nas fases iniciais, ou seja, nas provas de conceito, quando se comprova a efetividade do composto. No caso da hepatite, houve a efetividade. Naquele caso, os camundongos testados estavam imunizados depois de 15 dias.
O próximo passo depende de investimento do setor privado e da autorização para importação de animais que tenham receptores para Covid-19. São camundongos transgênicos, que são modificados geneticamente para ter no pulmão uma enzima receptora do vírus, assim como ocorre com os humanos.
“Sem esses animais eu não consigo provar que a vacina protege. Posso até mostrar que a vacina produz anticorpos. Mas esses animais com receptores para o vírus conseguem desenvolver a doença e, aí sim, comprovar se a aplicação da vacina dá resultado”, explica.
Virologistas e imunologistas do Instituto de Ciências Biomédicas, especialistas em nanotecnologia do Instituto de Química da USP, pesquisadores da Plataforma Científica Pasteur-USP, da Unicamp, além de uma startup estão envolvidos no projeto. Segundo os especialistas, a estimativa é de que o produto seja repassado ao público a um custo de R$ 100 reais e a imunização ocorrerá em quatro doses, duas em cada narina, a cada 15 dias.
Estimativa
Se tudo correr bem nos testes e houver o financiamento, os demais passos iniciais serão realizados até o fim de 2020 e em março de 2021 será iniciado o teste em humanos. Esse último passo também demora alguns meses e é controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Anvisa também é responsável por determinar o quão demorado pode ser esse teste em cobaias humanas, se autoriza testes com grupos pequenos ou maiores. Esse estudo clínico é feito em três fases. Isso acontece porque todos os efeitos colaterais são levados em conta e é preciso ter certeza da efetividade e segurança do produto antes de aprová-lo e colocá-lo no mercado.
Vantagens
A vacina por via nasal é tão mais branda que a injetável que talvez possa ser administrada em gestantes e crianças. “A vantagem da vacina nasal é que ela tem menos efeitos adversos. Até pessoas com imunoinsuficiência podem tomar. Primeiro, não tem vírus vivo. Segundo, tem uma nanopartícula que é inerte, que não é tóxica e que é biodegradável. Terceiro, essa nanopartícula só fica de três a quatro horas na cavidade nasal. Então, as reações adversas que ela pode apresentar são praticamente inexistentes.”
Além disso, a via de inoculação é bem aceita. Segundo o professor, cerca de 15% dos adultos e 50% das crianças têm medo de injeção. “Se você mostrar que é um spray nasal, que pode ser incômodo, mas é indolor, você tem uma aceitação muito maior por parte da população”, explica.
Hemerson Luz, médico infectologista do Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, também acredita que a administração da vacina por meio nasal pode ser a melhor solução, já que a aceitação da população é uma característica importante de cada nova vacina criada.
“O desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 com o uso do spray nasal é muito interessante. Isso porque vai ocorrer uma maior aceitação do público por não ser injetável, por não ser uma injeção. Isso facilita o acesso e a aceitação do público em geral”, ressalta Hemerson.
O médico explica também que a aplicação de vacinas na mucosa nasal apresenta resultados mais rápidos do que as vacinas injetáveis. “Quando se coloca uma vacina na mucosa nasal, pode ocorrer um desenvolvimento de anticorpos que vão agir de forma mais rápida, uma resposta caso ocorra um contato com o novo coronavírus”, destaca. “Principalmente porque sabemos que o início da infecção começa pelas vias nasais e desenvolver anticorpos nessa região é muito interessante.”
Segundo a Organização Mundial de Saúde, existem atualmente, pelo menos, 100 vacinas contra a Covid-19 em desenvolvimento no mundo. Algumas delas já se encontram na fase de testes clínicos e os primeiros resultados devem sair no segundo semestre deste ano.