“A inclusão digital, hoje, é tão fundamental quanto a erradicação da pobreza”
Por Andréa Leonora, Editora Coluna Pelo Estado
A posse como novo Procurador-Geral de Justiça, do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) aconteceu na noite de quarta-feira (10/04/10). Na tarde do dia seguinte, Fernando da Silva Comin teve disposição para atender a reportagem da Coluna Pelo Estado, em seu gabinete, para uma conversa de mais de uma hora.
Com jeito franco e direto, o que não lhe tira a autoridade nas falas, Comin contou um pouco do que pretende realizar nos dois anos de chefia do MPSC que tem pela frente. Mais que metas, passeou por soluções possíveis, sempre mirando na sociedade. Ou melhor, em levar o órgão mais para perto dos cidadãos e trazer os cidadãos mais para perto do MPSC, em uma espécie de parceria em que todos saem ganhando. Sensível para a realidade atual, tem claro que uma pequena ação exitosa do órgão que agora comanda poderá levar a reflexos muito positivos, com repercussão para comunidades inteiras. Ou mesmo para o conjunto dos catarinenses.
Comin é mestre e especialista em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Já atuou como Promotor de Justiça titular nas Comarcas de São José do Cedro, São Miguel do Oeste, Mafra, Chapecó, Joinville e Itajaí. É titular da 8ª Promotoria de Justiça de Balneário Camboriú.
[PeloEstado] – O que mais o anima para exercer a Procuradoria -Geral de Justiça do MPSC?
Fernando Comin – É a possibilidade de o Ministério Público ocupar espaços importantes nesse momento de transformação da nossa sociedade. Vejo um movimento muito rápido de mudanças em nosso país e aqui no estado. Mudanças inclusive de padrões de como a sociedade está exercendo sua cidadania hoje, por meio de plataformas quase sempre tecnológicas, com a utilização das redes sociais, aplicativos, uma nova forma de as pessoas agirem no ciberespaço, em que as instituições têm que estar presentes.
Vejo o Ministério Público como um órgão que, por sua vocação constitucional de tutela, de proteção e de defesa dos interesses da coletividade, tem uma grande oportunidade de reinventar algumas de suas formas para se tornar mais próximo do cidadão. Então, nesse cenário, temos muitas oportunidades de crescimento – social, de imagem e da utilidade social. Justamente por isso, pretendemos, nos próximos dois anos, fazer investimentos em processos de inovação tecnológica e não tecnológica que possibilitem ao Ministério Público fazer entregas que façam sentido na vida das pessoas, que sejam capazes de transformar a vida das pessoas para melhor.
[PE] – Por exemplo?
Comin – Vimos um programa do Ministério Público transformado em lei estadual. É o programa de transparência na fila de espera do SUS. Hoje, o cidadão catarinense tem a segurança de transparência em relação à fila de procedimentos médicos, de exames, de cirurgias. Basta acessar o site da Secretaria Estadual da Saúde e poderá acompanhar em tempo real qual sua posição, quantas pessoas têm para serem atendidas na frente dele. Se alguém for posicionado na frente dele, saberá por qual motivo.
Pouca gente sabe que essa medida foi construída a partir de uma política do Ministério Público. Por meio do nosso Centro de Apoio da Cidadania e Direitos Humanos, iniciamos um trabalho de conscientização do governo, Executivo e dos deputados, que resultou na aprovação da lei estadual, uma revolução positiva na área da saúde.
[PE] – Santa Catarina é o primeiro estado a adotar esse controle?
Comin – É o único estado. Qual o nosso desafio? A entrega já é feita, mas temos que torná-la mais fácil para o cidadão. Vejo como possiblidade o Ministério Público desenvolver um aplicativo de celular para auxiliar que o cidadão acompanhe sua situação. Pode receber uma mensagem dizendo que modificou seu status na fila, por exemplo. São entregas que facilitam a vida das pessoas em um cenário de relações cada vez mais fundadas nesse ambiente de relações virtuais e novas tecnologias.
[PE] – A população já está pronta para isso? Não tem muita gente ainda fora do universo digital?
Comin – Hoje a inclusão digital é tão fundamental quanto a erradicação da pobreza. Não adianta investirmos em educação, em programas de erradicação da pobreza, se não inserirmos esse segmento de cidadãos em um ambiente em que eles possam exercer sua cidadania. Sem a inclusão digital, provocamos um verdadeiro apartheid desenvolvimentista – quem não precisa tanto, conectado; e quem mais precisa, desconectado. Eu vejo esse movimento, não só do Ministério Público do século 21, mas das instituições como um todo, de valorização das plataformas tecnológicas e do ambiente de relacionamento virtual como algo absolutamente necessário para que as instituições alcancem, na mesma medida, a legitimidade do que lhes é atribuído, no nosso caso, por força da Constituição.
[PE] – O MPSC já acompanha essa tendência tecnológica há algum tempo. E com êxito.
Comin – O Ministério Público de Santa Catarina alcançou uma posição de destaque em decorrência do trabalho, de pelo menos seis anos, de aproximação e convênio com vários outros órgãos e poderes. Isso nos possibilitou mais que o acesso a seus bancos de dados, mas compartilhar o cruzar as informações. Temos um grande arsenal de informações sociais, econômicas e políticas relevantes. Como, por exemplo, dados de IDH, arrecadação municipal, informações a respeito das contratações públicas, quanto se paga por cada bem ou serviço, realidade socioeducativa, número de adolescentes internados e motivos, números do sistema penitenciário… Do Estado e dos municípios.
Toda essa base de informações pode ser transformada em produtos. Sejam serviços que podem ser prestados pela instituição, ou produtos que permitam ao cidadão o maior número de informações sobre a realidade em que ele está inserido. Então, por exemplo, poderíamos converter essas informações em uma entrega simples.
Os municípios poderiam fornecer aos munícipes a informação de quanto arrecada com tributos próprios. O que está um problema, agora, porque 54 municípios de Santa Catarina não conseguem manter, com a arrecadação de tributos próprios, sequer as estruturas das Câmaras Municipais. O que dirá, então, a realização de políticas públicas? Muitas vezes, a informação está ali, disponível. O desafio é como tornar isso apresentável e mais acessível.
[PE] – O combate à corrupção será ainda mais intenso?
Comin – A semente que pretendemos plantar consiste na descentralização de algumas estruturas de atuação que hoje estão concentradas na capital. Acredito, e vários promotores especialistas também, que deveremos descentralizar algumas investigações. Por exemplo, as investigações de crimes praticados por prefeitos estão concentradas na Procuradoria Geral. Pretendemos descentralizar essas investigações para estruturas regionalizadas – são oito Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) em oito regiões do estado. Criaremos oito grupos especiais anticorrupção (GEACs) nessas oito regiões para que eles trabalhem de maneira integrada. Teremos um organismo que se chamará Núcleo Regional de Apoio à Investigação dentro desse os Gaecos e os GEACs. Eles serão tendões de capilarização para investigar os crimes praticados por essas autoridades públicas nas regiões.
[PE] – Por que isso?
Comin – Quando essas investigações são realizadas por quem é da região, quem conhece os atores e as relações, elas se tornam muito mais eficientes e a resposta é muito mais célere. Se trazemos essas investigações para a Capital, até que os promotores daqui compreendam a dinâmica que ocorre lá na base, existe um gap que por vezes impede o Ministério Público de dar a resposta imediata.
[PE] – Isso tudo custa dinheiro, e não é pouco. O Ministério Público tem recursos para executar esse planejamento?
Comin – Tudo isso que estamos pensando está dentro do orçamento do Ministério Público. Muitas vezes, as organizações se valem de novas demandas para legitimar pleitos de recursos financeiros. O Ministério Público vai realizar todos esses projetos sem pedir nada para nenhum órgão. Vamos gerar resultados. Exemplo disso é o que já ocorre com o programa de combate à sonegação fiscal, junto com a secretaria da Fazenda. Nos últimos três anos, promovemos a recuperação efetiva de mais de R$ 350 milhões e mais R$ 423 milhões de um saldo de parcelamentos a recolher. Se somarmos até 2018 o valor de todas as denúncias por sonegação fiscal oferecidas por promotores de Justiça no Estado, teríamos uma recuperação de R$ 1,7 bilhão.
No programa Saúde Fiscal dos Municípios, que estimula práticas de fortalecimento da arrecadação, em 76 municípios houve incremento da arrecadação. Só em Joinville uma arrecadação de R$ 20 milhões, a mais. O Ministério Público é uma instituição não só autossuficiente, nessa perspectiva de que seu orçamento é superado por ações que revertem ao erário público, como é uma instituição que trabalha no fortalecimento das redes do sistema arrecadatório municipal. Contribuímos dessa forma para o progresso.