Eu cresci no tempo antigo, antes da televisão, da geladeira, dos supermercados e das guloseimas sofisticadas de hoje. Na minha infância, comia-se bem, mas a variedade era pouca. Uma mesa de café farta era uma mesa que tinha pão (de casa ou de padeiro – pão de padeiro não era comprado na padaria: o padeiro o entregava nas casas, de manhã cedo, com uma carrocinha puxada a cavalo), queijo branco e queijo amarelo, lingüiça, manteiga (ainda não existia a margarina por aqui), nata fresca, mel de abelha e os muitos mussis que as mães da gente faziam com as frutas do pomar.
A gente variava deste jeito: hoje comia pão com mel e nata; amanhã, pão com manteiga e mussi de banana. Em dias especiais, comprava-se um pouco de salame, considerado iguaria, comido com parcimônia devido ao preço. Se a mãe da gente fosse prendada, que era o caso da minha, fazia uma porção de docinhos de polvilho no forno à lenha, e gostosos bolos nos dias em que fazia pão.
Para comprar na venda (para os jovens: venda é o antepassado de supermercado), havia balas azedinhas e balas de coco-queimado, mata-fomes (uma bolacha grosseira,feita por padeiro), e a bolacha Maria. Não pensem, porém, que se chegava na venda e se comprava um ou dois pacotes de bolacha Maria, como se faz hoje – não, a gente pedia 200 gramas de bolacha Maria, e o dono da venda abria uma lata enorme cheia de bolachas, e pesava os 200 gramas num saquinho de papel pardo, que a gente levava para casa com muito orgulho, quiçá se exibindo para as outras crianças que não tinham comprado bolacha Maria. Vale lembrar que a bolacha Maria daquela época era igualzinha à que existe hoje.
As balas e a bolacha Maria eram o máximo de guloseima que existia na minha infância, nos dias normais. Em dias especiais, que eram o Natal e a Páscoa, ganhava-se chocolates. Chocolate era uma coisa que só era vista nessas duas ocasiões do ano. Minha tia Frieda, quando vinha do Rio de Janeiro, uma vez por ano, trazia umas balas de coco diferentes, que eram a nossa alegria.
Na época em que entrei na escola, lá por 1960, começaram a existir outras guloseimas: o sorvete-seco, a maria-mole, o puxa-puxa. Minhas professoras, todas freiras oriundas de Minas Gerais, um dia fizeram e venderam no colégio legítimo doce-de-leite mineiro. Que sabor maravilhoso que aquilo tinha! Por anos, talvez, sonhei em comer aquilo de novo – ainda tenho aquele gosto de doce-de-leite na boca!
Havia em Blumenau, também, as confeitarias: Socher, Tönjes, lugares sofisticados onde às vezes o meu pai me levava para comer um doce diferente. E havia as cocadas e os sonhos que se compravam quando se viajava de trem, mas tudo isso eram exceções: o dia-a-dia só nos apresentava as pobres balas das vendas, e a bolacha Mariaa. Balas mais sofisticadas só apareceram na minha adolescência (Chuva-de-ouro, Chuva-de-prata, bala de cevada), e eu estava bem grandinha quando surgiu o chiclete bola Ping-Pong, sabor hortelã.
De repente, lá por volta de 1970, houve um boom nas guloseimas. Em primeiro lugar, apareceram os supermercados com variedades incríveis de bolachas recheadas, iogurtes, coisas divinamente saborosas, que não conhecíamos. Os frios se multiplicaram, e lembro da primeira vez que comi presunto cozido – que coisa deliciosa! Era toda uma nova gama de sabores que vinha encantar a gente, e foi também ali por volta de 1970 que surgiu em Blumenau uma novidade fantástica: os carrinhos de cheese-salada! Com certeza, nas últimas décadas da história da cidade, não havia acontecido nada parecido com aquele estrangeirismo que vinha, de repente, modificar profundamente os nossos gostos alimentares. Com os cheese-salada veio a descoberta da mostarda amarela, do catchup, da maionese sem ser com batatas, a valorização do milho verde e da ervilha, a descoberta do gosto picante do molho de vinagrete.
A mistura de todos aqueles sabores novos num só sanduíche era uma coisa paradisíaca, e um programa importante da minha juventude era ir comer cheese-salada, não importava se fosse cinco horas da ‘madruga’ – não se podia sair de uma festa e ir dormir sem um abençoado cheese-salada!
O tempo passou, e todos os novos sabores que surgiram faz quase três décadas se incorporaram normalmente ao nosso dia a dia, e creio que já não saberíamos viver sem eles. Mas, às vezes, me bate uma saudadezinha da minha infância, da simplicidade das guloseimas de então, e daí passo no supermercado e compro… um pacote de bolacha Maria. Continua sendo muito gostoso.
Blumenau, 11 de agosto de 1996.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em Geografia