Via pública com semáforo e aberta à circulação não é palco nem lugar de comércio

Foto (21/3/13): Jaime Batista da Silva (Blog do Jaime)
Foto (21/3/13): Jaime Batista da Silva (Blog do Jaime)

 

Por Márcia Pontes | Especialista em Trânsito

Há quem diga que as apresentações, muxoxos e simpatia dos artistas de rua em cima da faixa de pedestres, antes ou depois da linha de retenção e embaixo dos semáforos, pode desestressar os motoristas, quebrar o gelo, deixá-los mais relaxados e até arrancar um sorriso. Há quem diga que proibi-los de se apresentarem na pista de rolamento enquanto os carros estão parados é pegar no pé de quem precisa ganhar o pão honestamente.

Mas, com trânsito não se brinca: do ponto de vista da legislação e da segurança no trânsito essas pessoas alteram a rotina em via pública; tiram a atenção do motorista; os impedem de olhar os retrovisores e de perceber a aproximação de motos no corredor ou veículos colados demais na traseira. Procurar moedas no console, porta-luvas, porta-trecos ou na bolsa tira o foco do condutor para o semáforo e pode comprometer a fluidez na via. São os famosos distratores do trânsito, que esquecem-se que os motoristas também são pedestres consumidores.

Se tem uma coisa que o Código de Trânsito Brasileiro deixa bem clara em muitos de seus 341 artigos é: lugar de pedestre é na calçada e lugar de veículos (motorizados ou não) é na pista de rolamento destinada à ele. Em relação aos semáforos, quando o sinal luminoso fica vermelho para os veículos, é permitido aos pedestres atravessarem na faixa. Mas, como fica a situação dos que se intitulam artistas de rua, dos vendedores de panos de prato, balas, chicletes, pirulitos, que distribuem panfletos e propagandas, ou pedem alguns trocados aos condutores naqueles segundos em que os veículos se imobilizam esperando o semáforo ficar verde novamente? Se é a distração uma das maiores causas de acidentes, se a pista de rolamento é só para os veículos e a calçada para os pedestres; se os motoristas devem estar atentos o tempo todo e ignorar tudo o que os distraia, será que é possível regulamentar a atuação dos ambulantes e artistas de rua nos semáforos? Sinceramente, se formos levar a sério a segurança no trânsito, o CTB nos responde que não.

Mas, não é isso que prevê o artigo 15 da Lei Complementar (municipal) 1.084, de 15 de dezembro de 2016, que entrou em vigor em 15 de abril deste ano ao determinar que, mesmo sendo vedada a realização de atividades artísticas ou de artes populares e comércio, ainda que momentâneas, sob semáforos e em vias e passeios públicos, também diz: “salvo se autorizadas pela Fundação Cultural de Blumenau para o evento específico ou na forma por ela regulamentada.”

Ocorre que o artigo 95 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que é lei federal, diz outra coisa: “Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.” Distração é uma das principais causas de acidentes de trânsito em Blumenau. Muitos, provocados em paradas e saídas de semáforos.

Para ratificar, o que diz o artigo 1º do CTB: “Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.” QSL? Copiou?

Ou seja, fica claro pela legislação de trânsito publicada pela União não ser de competência ou atribuição de qualquer outro, autorizar ou deixar de autorizar que sejam feitos eventos, apresentações e exibições destes artistas em via pública, pista de rolamento e semáforos. Tudo que é cultural e artístico é da seara da Fundação Cultural, mas, tudo o que diz respeito à via pública, pistas de rolamento e semáforo lhe escapa à legitimidade porque diz respeito ao trânsito, uma praia que é do órgão executivo de trânsito amparado pelo artigo 24 do CTB: cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das atribuições do município.

Concordo que já tinha passado da hora de regulamentar sobre o que é permitido e o que é proibido aos ambulantes no exercício da atividade para o seu ganha-pão. Ficaram bem claras e específicas as regras para venda de alimentos, a necessidade de registro nos órgãos competentes do município, de pagamentos de taxas, a necessidade de alvarás em dia, multas, prazos, punições e bem visíveis até o dever de portar-se com respeito ao público, colegas e fiscais, evitando perturbar o fluxo de pessoas ou de veículos. Adorei!

A lei municipal também deixa bem claro que quando a atividade de ambulante for exercida com veículos automotores deverão respeitar o CTB para o estacionamento, evitar prejuízo e transtorno ao trânsito de veículos, ciclistas e pedestres e utilizar equipamento de sinalização de acordo com as recomendações específicas do Seterb.

Para estacionar nas vias e logradouros públicos onde é proibido, somente com autorização especial do órgão de trânsito com circunscrição sobre a via. Mas, e se o ambulante que não tem veículo automotor (aquele que empurra o seu próprio carrinho, por exemplo) resolve estacionar em uma vaga destinada a motos ou carros? É claro que tem de respeitar o CTB; é claro que pode ser removido da vaga, mas seria importante deixar isso bem claro com todas as letras na lei municipal que regula a atuação dos ambulantes, pois nem todos têm essa clareza.

Tudo o que distrai o motorista deve estar fora da pista de rolamento

Que os artistas de rua se apresentem nas praças públicas, nas calçadas que não interrompam o fluxo de pedestres e em outros locais fora da pista de rolamento, é perfeitamente aceitável. Mas, ocupar o asfalto, a faixa de pedestres, seja para antes ou depois da linha de retenção, aí não dá. Com facões, facas, adagas, malabares com fogo nas pontas, aí nem se fala! Inclusive os malabares de madeira, de plástico, bolinhas de tênis, frutas ou quaisquer outros, quando lançados ao alto podem cair em cima do capô ou teto dos veículos mais à frente. O artista é humano, ele não é perfeito e por mais que treine, está sujeito ao erro.

E mesmo que não haja queda dos objetos, a própria presença dos artistas de rua embaixo dos semáforos fazendo graça, se exibindo, mostrando habilidades, atrapalha e muito! Distrai o motorista que deveria estar atento prestando atenção em motos que se aproximam pelo corredor, no foco do semáforo e no tempo de mudança, se algum pedestre iniciou a travessia distraído com o sinal verde para os carros e à todos os estímulos do ambiente que possam comprometer a segurança no trânsito.

Outra situação cabreira é daqueles que pedem trocados aos motoristas sem fazer nenhuma apresentação: simplesmente se debruçam na janela do veículo e pedem. Taí um assunto para outra secretaria de governo, mas que também não deixa de ser um assunto de competência e de interesse do trânsito, pelos seguintes motivos:

  • O motorista, mesmo parado no semáforo, vai se distrair procurando as moedas no console, no porta-luvas, porta-trecos ou mesmo na carteira e não vê quando o sinal abriu. Ou toma buzinada ou atrasa a saída do seu veículo e dos veículos de atrás;
  • Quando o ambulante que pendura o saquinho de balas ou outro produto que está vendendo no retrovisor e perde o tempo de abertura do verde do semáforo, ou o motorista atrasa a fila esperando o ambulante voltar ou leva o produto junto (a maioria espera diante de ambulantes ou pedintes que têm movimentos mais lentos).

A lei municipal veio em boa hora, mas apresenta falhas quando permite uma pasta que não seja a do trânsito a autorizar apresentações artísticas embaixo de semáforo, na pista de rolamento, à frente dos veículos, ainda que estejam imobilizados aguardando o sinal abrir. Fere os artigos 1º e o 95 do CTB; debaixo de semáforo não é palco; lugar de pedestre não é na pista de rolamento se não estiver atravessando na faixa; exibições em pista de rolamento distraem os condutores e outros usuários da via; o pedestre atravessa na faixa desconfiado e pensando se não vai cair um malabares na sua cabeça.

Determina o art. 68 do CTB em seu § 2º que mesmo quando não existem passeios nas áreas urbanas ou quando não for possível a utilização destes, a circulação de pedestres na pista de rolamento será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida. Prova que lugar de pedestre não é em pista de rolamento, e artista de rua é pedestre.

Há que se ter muito critério e compreender que proibir apresentações de artistas de rua embaixo de semáforo não é ferir, cercear ou censurar a cultura: pelo contrário, é reforçar a cultura da segurança de todos os usuários do trânsito.

Autorizem-se as apresentações, mas fora da pista de rolamento, fora do asfalto, fora das proximidades da faixa de pedestres e fora da área semaforizada. Vender pano de prato, bala, pirulito e outras coisas, assim como distribuir panfletos de ofertas pode ser feito em qualquer lugar que não seja a pista de rolamento para que os ambulantes não distraiam os motoristas. Não é só motorista come pizza, lanches, compra casas, apartamentos ou outros produtos comercializados nos semáforos. Os pedestres também e eles estão nas calçadas. Na pista de rolamento, apenas os veículos, como bem determina o CTB e se fiscaliza por meio do órgão executivo de trânsito e seus agentes.

Não há que se criar polêmicas desnecessárias. No país inteiro se coleciona leis que não conseguem ser aplicadas porque não se pensou antes como seriam executadas, fiscalizadas ou se alguns de seus artigos não atropelariam uma lei maior. Em Blumenau não precisa ser assim.