Por Urda Alice Klueger, Escritora, historiadora e doutora em Geografia
Nós começávamos a esperá-lo muitos dias antes, lá pelo começo de Dezembro, quando, diariamente, na hora do almoço fazíamos um xis sobre o calendário pendurado na parede, perto da mesa, e depois contávamos quantos dias faltavam para o Natal. Outro sinal era o do canto das cigarras, infalíveis anunciadoras de Papai Noel – ouvir a primeira cigarra era a certeza de que a magia começara! Depois, havia outros sinais, como meu pai instalando o velho pisca-pisca num pessegueiro que havia diante da nossa casa, e a faxina geral que se fazia na casa, e a coroa do Advento na mesa da sala, o dia de se fazer doces-de-Natal, os cantos de Advento na Igreja, o vestido novo a ser provado, a ida à cidade para se comprar novos sapatos… parecia que o dia não iria chegar nunca, mas, numa manhã, ele estava lá!
24 de Dezembro sempre foi, para mim, o dia mais mágico do ano. Eu me lembro, na infância, do grande nervosismo que tomava conta de todos nós desde a manhã desse dia. Minha mãe amanhecia cuidando dos últimos detalhes, deixando a casa impecavelmente limpa, e dando bronca na gente, que estávamos tão excitados que derramávamos o Toddy na toalha da mesa e deixávamos o cachorro entrar em casa e outras coisas assim.
Meu pai, nesses alturas, estava no jardim, cortando um pinheiro, e corríamos para vê-lo. Ele plantava o pinheiro cortado num lata cheia de terra, e carregava tudo para dentro, para a sala de assoalho rebrilhante de tão encerado, e é claro que alguma terra acabava caindo no brilho do assoalho, e que nós pisávamos em cima incontinenti, e saíamos sujando a casa toda, e aí vinha o motivo para apanharmos a primeira vez naquele dia. Ninguém ligava quando apanhava, o que a gente queria era ver o pinheiro enfeitado, e quando meu pai buscava a caixa com os enfeite de Natal, havia um frenesi de excitação tomando conta de nós.
Até aí, minha mãe já havia limpado a terra que caíra no chão encerado, e tudo era muito solene, com eles pendurando cuidadosamente as bolas coloridas de forma simétrica pelos galhos do pinheiro, e nós a querermos ajudar. Sempre conseguíamos derrubar alguma bola no chão, que se estilhaçava espalhando miríades de cacos de vidro colorido pela sala toda, os quais tentávamos ajuntar antes que minha mãe ficasse muito braba, eu, totalmente encantada pelo brilho do vidro quebrado, e nessa horas sempre um caco de vidro entrava no dedo de alguém e produzia abundante sangramento, o que deixava minha mãe mais nervosa do que já estava.
Nunca esqueço que, o tempo todo, nesses dias de Natal, o rádio estava ligado na Rádio Nereu Ramos, que transmitia músicas natalinas entremeadas com votos de boas festas de todas as casas comerciais da cidade e, mais que tudo, eu gostava daquelas musiquinhas tocadas pela harpa paraguaia de Luís Bordón, e o dia fugia dentro dos muitos afazeres, ao mesmo tempo que parecia que nunca iria anoitecer.
No final da tarde, enfim, estava tudo pronto, tudo no seu lugar, e era hora de tomarmos banho e botarmos roupas limpas. Era dia claro, ainda, e jantávamos frugalmente, pão com sardinha e nata, enquanto lá fora, as cigarras quase arrebentavam de tanto cantar, emissárias certas de que a magia só iria aumentar com o cair da noite. Nessas refeições de prelúdio de Natal, era mister que comêssemos uma melancia, e a degustávamos nervosamente, loucos para que a noite caísse e as coisas começassem a acontecer.
E então escurecia. Estava chegando a hora. Minha mãe pegava seus melhores pratos de porcelana, enchia-os de doces-de-Natal e os levava para a sala. Ela e meu pai acendiam as velinhas coloridas do pinheiro enfeitado, dando-lhe um ar de magia que só poderia existir, mesmo, numa noite assim. E nós nos sentávamos, angustiados, expectantes, quase explodindo de tensão, porque sabíamos que logo logo Papai Noel iria bater na porta. O mundo ficava tomado de tal encanto que era difícil de suportar, enquanto as cigarras continuavam cantando e o pisca-pisca do pessegueiro continuava piscando. As velas do nosso pinheirinho ardiam misteriosamente, quando ouvíamos o portão bater, certeza inconfundível que o bom velhinho viera. E então tínhamos certeza de que não poderia haver no mundo nada melhor do que aquilo, aquele dia de nervosismo e aquela noite de magia!
Blumenau, 13 de Dezembro de 1991.