11ª Semana da Consciência Negra de Blumenau inicia atividades em escola pública

Fotos: Luciano Bernz

O Movimento de Consciência Negra de Blumenau Cisne Negro e a Fundação Cultural deram início na tarde desta terça-feira (18) à 11ª Semana da Consciência Negra de Blumenau. As atividades iniciaram na Escola Básica Municipal Professora Zulma Souza da Silva, no bairro Velha, com vídeo e debate com os alunos, que participaram questionando o coordenador do movimento, Lenilso Luiz da Silva, e o professor de capoeira Carlos Silva, o Mestre Tigre.

Ao final do debate, os alunos tiveram uma aula de capoeira no pátio da escola. Alguns tocaram instrumentos enquanto outros observavam atentamente os ensinamentos do mestre.
Nós conversamos com os dois, que se mostraram felizes com o resultado da atividade, mas ao mesmo tempo ainda preocupados com o racismo e falta da promoção de igualdade racial. Acompanhe o bate papo.

OBlumenauense: Como surgiu o Movimento de Consciência Negra de Blumenau Cisne Negro?

Lenilso Luiz da Silva: O movimento Cisne Negro surgiu em 2003, de uma atividade que tinha na FURB para apontar as regiões da cidade que eram mais vulneráveis. Percebemos que nessas regiões, os mais pobres entre os pobres eram os negros. Então os alunos participantes deste grupo, decidiram construir um coletivo para discutir a condição do negro na cidade de Blumenau. Daí surgiu a ideia de formar um movimento de consciência negra, que tivesse como princípio o combate ao racismo e a promoção da igualdade racial.

OBlumenauense: Quais serão as principais ações desenvolvidas pelo movimento nessa semana da consciência negra?

Lenilso Luiz da Silva: Essa semana unificará todas as características e expressões negras na cidade. Iniciamos as atividades aqui na escola Zulma com esse projeto que chamamos de diálogos com a comunidade. À noite ainda temos um debate sobre racismo no ambiente de trabalho na sede do Sintraseb.

Durante essa semana, teremos várias atividades como debate sobre a saúde da população negra. Na quinta-feira (20) acontece a abertura oficial da semana na Fundação Cultural, onde teremos expressões negras, capoeira, maracatu e também expressões religiosas como umbanda e candomblé.

Ainda teremos a instalação do NEAB – Núcleo de Estudos Afro Brasileiro na FURB. Um espaço muito importante para nós porque conseguiremos fazer pesquisas e construir mais conceito e ciência em torno da população negra. Isso é uma reivindicação histórica do movimento negro que agora surge como uma realidade.
Roda de samba e gira de umbanda também estão na programação da semana.

OBlumenauense: E ao longo do ano?

Lenilso Luiz da Silva: Nós temos uma série de atividades durante todo o ano. Uma delas é essa permanência do diálogo com a comunidade, que é uma discussão permanente com as comunidades, principalmente abordando o racismo e a igualdade racial. Isso envolve várias atividades, como a capoeira, o maracatu, as religiões matriz africanas, o contato com as escolas e até mesmo com os negros e negras da nossa cidade, no sentido de organização e fortalecimento do movimento.

Já temos uma atividade programada para o dia 21 de março de 2015, que além de ser nosso aniversário é também o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Em abril de 2015, realizaremos a semana das religiões matriz africanas.

Temos perspectiva de fazer muitas atividades ao longo do ano de 2015, porque acreditamos que o combate ao racismo é uma luta de todos nós. Outra coisa muito importante é o diálogo com o poder público. Estamos lutando para que se instale o Conselho Municipal de Igualdade Racial e de Combate ao Racismo.

Este foi um compromisso do prefeito Napoleão no ano passado e ainda não foi cumprido. Já apresentamos o projeto na Câmara de Vereadores. Ele chegou ao gabinete do prefeito e na procuradoria do município. É preciso que tenhamos políticas públicas de combate ao racismo e promoção da igualdade racial.

OBlumenauense: Na sua opinião, já existem mudanças perceptíveis na sociedade em relação ao racismo? No sentido de mais respeito?

Lenilso Luiz da Silva: Para se ter uma ideia, só neste ano temos 62 casos de pessoas que nos procuraram com alguma situação de racismo ou injúria racial. Isso só em Blumenau. Por isso é mais do que urgente que tenhamos políticas públicas que tratem desta questão.

Em 2003 começamos um novo momento no Brasil que foi a instituição de políticas públicas para a igualdade racial. Foi criada nesse ano, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Hoje essa secretaria tem espaço no ministério, o que é muito importante ela pois relaciona todos os outros ministérios para discutir essa questão do racismo e da população negra, ou seja, a população negra foi incluída na agenda nacional.

Hoje com as políticas de ação afirmativa, por exemplo, as cotas, nós já temos mais acesso às universidades. Garantiu mais oportunidades para os negros. O programa Brasil Quilombola que inclui nossos irmãos remanescentes de quilombos na agenda nacional, inclusive garantindo a terra onde eles vivem como um direito constitucional e legal. Esse conjunto de políticas públicas nacionais, já apontam para um novo momento no Brasil.

Eu não diria que racismo no país diminuiu ou aumentou. Ainda temos várias manifestações racistas, seja na forma de um olhar ou da negação. A gente observa o racismo quando um filho ou uma filha começa a namorar com um negro. É onde se diz: Eu não sou racista, mas não quero minha filha namorando um negro. Eu não quero ter uma netinha com cabelo pixaim ou cacheado. Então é ai que se percebe onde guardamos nosso racismo.

Acredito que só conseguiremos combater o racismo, quando tivermos políticas públicas que envolvam a educação, saúde e cultura. Só iremos conseguir vencer o racismo e elimina-lo, se nós tivermos consciência e construir consciência na sociedade.

OBlumenauense: Como é o contato com as crianças, como nesta escola, por exemplo?

Lenilso Luiz da Silva: Hoje foi um momento muito importante. Já visitamos as escolas da cidade em outros anos, porque pensamos que dialogar com as crianças é construir um novo futuro. Todos os anos temos feito esse diálogo com a comunidade. Aqui na escola Zulma, por exemplo, temos as portas sempre abertas. Esse ano tivemos um incremento.

Além do debate com cinema e rodas de conversas, teve também a expressão da capoeira que é uma cultura com uma marca da população negra, que o Brasil conseguiu dar uma característica e um jeito todo seu para essa cultura. Então além de conversar e trazer a expressão da população negra, nós podemos materializá-la pela capoeira, com a aula que nosso amigo, professor Tigre, do Grupo Muzenza, vem nos acompanhando de forma voluntária. E é bom ver as crianças prestando atenção e participando.

OBlumenauense: Qual a pior forma de racismo? Você poderia citar dois exemplos?

Lenilso Luiz da Silva: Eu costumo dizer que o racismo é perverso em todos os casos. Mas eu gostaria de citar dois exemplos: o primeiro é a negação dele. Quando a gente nega que o racismo existe e não fazemos nada para combater e isso convive com naturalidade. Ou seja, é natural por exemplo, que hoje os negros de Blumenau embranqueçam, porque o racismo aqui me parece que foi naturalizado.

Xingar o cara de negão, macaco ou crioulo, virou algo natural. As pessoas não se sentem mais violadas quando são atingidas assim. Esse é um racismo perverso, que ataca inclusive a personalidade do vitimado. Então, construir consciência nos negros e negras, que não é possível tolerar o racismo, porque isso é crime e como tal deve ser combatido, é algo pelo que lutamos.

A segunda é a forma sutil. Que é no olhar, na forma de atender, muitas vezes a rejeição, dizer que aqui não é o lugar de vocês. Acompanhamos muitos casos de pessoas que vão a lojas por exemplo, e percebem que as empresas não investem em produtos com o perfil da população negra. Por exemplo, o cabelo, a estética.

A beleza é uma coisa que todos nós queremos. Todos querem ficar melhor e se sentir melhor. Mas para a mulher negra ainda é imposto a ditadura da chapinha, porque se tem como padrão de beleza, a beleza branca e europeia. Muitas vezes as empresas que fabricam produtos, não conseguem fazer isso para pessoas que tem cabelos cacheados, para que elas continuem com a sua identidade.

Blumenau tem 300 mil habitantes. Não se pode mais tolerar que uma cidade desse porte não tenha um programa, uma política ou um conceito contra o racismo e alguma forma de promover a igualdade racial. O Brasil já vem desde 2003 com uma política nacional e um plano nacional, através da lei 10.639. Ela torna obrigatório nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, ou seja, o Brasil está na frente da nossa cidade.

E isso é algo que não gera custo para a prefeitura, porque o governo federal disponibiliza recursos para fazer planos e políticas de igualdade racial. Basta apresentar bons projetos para Blumenau estar de frente para essa nova realidade do país.

Por isso o movimento Cisne Negro vai cobrar do prefeito o cumprimento da promessa que ele fez no dia 20 de novembro de 2013, uma data histórica. Não se pode mentir em um dia tão importante para os negros, se comprometendo a estabelecer o conselho, o que ainda não é realidade. O projeto já foi apresentado, basta que Blumenau disponibilize esse espaço onde negros e negras podem além de denuncias, sugerir políticas públicas para o combate ao racismo.

Lenilso Mestre Tigre

OBlumenauense: Mestre Tigre, a capoeira é um movimento originariamente negro. Ela ajuda nessa conscientização do racismo e da igualdade racial, visto que hoje os grupos tem muitos participantes que não são negros?

Mestre Tigre: A capoeira é fundamental. O grande movimento existente historicamente de afirmação de ancestralidade de matriz africana, é a capoeira na história do Brasil. Foram os mais perseguidos, os negros e a copeira, ou capoeiragem.

Hoje se trabalha a capoeira como uma ferramenta educacional. Eu dou aula na Furb, na universidade de Brusque e Jaraguá do Sul e dialogo com os acadêmicos e professores, já visando a lei 10.639, que ainda não é realizada no município de Blumenau. O que é mais uma forma de negação da cultura negra.
A capoeira hoje em Blumenau, só para demonstrar em que patamar  se encontra, temos oito escolas de capoeira na cidade. Todas com o mesmo embasamento, que isso é a cultura da matriz afro brasileira.

No próximo dia 26, a capoeira irá ser reconhecida pela UNESCO, como patrimônio cultural da humanidade, só para se ter uma noção de como o assunto é sério. O Brasil ainda não acordou para isso e Blumenau também não. A universidade de Brusque (Unifebe), que é comunitária, há oito anos acordou para isso e instituiu a capoeira como disciplina dentro do currículo de educação física.

A Furb não reconhece isso, e não se faz presente o ensino e educação com relação à questão de cultura de matriz africana. Estamos tentando fazer isso se tornar realidade com o NEAB. Mas eu sinceramente não sei se a Furb vai mesmo abrir as portas para o núcleo. Existe uma discussão, onde eu também participo, só que quanto à instalação do NEAB na instituição, que é a mais significativa instituição educacional de Blumenau, realmente não sei em que patamar se encontra.

OBlumenauense: Vimos hoje nos grupos de capoeira, uma grande quantidade de mulheres. Elas estão cada vez mais aderindo à modalidade?

Mestre Tigre: Na verdade isso vem acontecendo desde a década de oitenta, quando as mulheres começaram a entrar nos grupos de capoeira. Primeiramente com pela preocupação com o corpo, pela estética. Mas hoje o que nós percebemos é que as mulheres são muito criticas. Na questão da história, no relacionamento com o outro, no combate ao machismo, o que na capoeira fica muito evidente.

Porque eu tenho que me relacionar com o outro que é igual a mim, com defeitos e virtudes. A capoeira propicia isso. Numa aula de capoeira onde tem homens e mulheres, não tem diferença. Somos capoeiros. As habilidades motoras que um homem tem, se a mulher não tiver, ela vai desenvolver e vice e versa.

Há seis anos, saiu na revista Veja uma  pesquisa nacional feita em toda as modalidades de luta no Brasil. A capoeira tinha três milhões de praticantes. Ou seja, todas as outras modalidades juntas, não ultrapassaram a capoeira. E com um detalhe, nessa pesquisa não foram relacionados os praticantes de capoeira nos três estados do Sul.

Por isso esse número deveria já na época ser bem maior. A capoeira é uma ferramenta educacional muito bem aceita. Prova disso vimos hoje aqui, o quanto a criançada aderiu essa pequena aula que praticamos aqui. Quiseram tocar os instrumentos, ficaram atentas às explicações e participaram da aula.

 

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