Pesquisa da FURB propõe selo e bairro acessível para idosos em Blumenau

O estudo aponta soluções para uma realidade marcada por calçadas estreitas, prédios sem rampas, desconhecimento das leis, entre outros problemas que dificultam a mobilidade.

Imagem ilustrativa: OBlumenauense

Tenho 57 anos, e a chegada da terceira idade se torna mais evidente a cada dia. Como cadeirante, essa realidade me atinge em duas dimensões: pela idade que avança e pela mobilidade já limitada no presente. Por isso, um estudo recém-divulgado pela Universidade Regional de Blumenau (FURB) despertou minha atenção — porque fala diretamente comigo, e com milhares de outras pessoas que vivem, ou viverão, essa mesma realidade.

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A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da FURB e conduzida pelo arquiteto Alexandre de Oliveira Pinheiro, profissional com longa trajetória em projetos de acessibilidade. O foco do estudo foi a análise das políticas públicas de acessibilidade urbana em Blumenau, com especial atenção ao direito de mobilidade das pessoas idosas.

E o diagnóstico não surpreende quem vive a cidade no dia a dia: ruas com calçadas estreitas e desniveladas, prédios com entradas inacessíveis, ausência de rampas em diversos espaços públicos e, principalmente, um desconhecimento generalizado sobre o que diz a legislação.

Blumenau, por sua topografia acidentada e pela herança de construções elevadas para prevenir impactos de enchentes, apresenta barreiras que deixam a cidade  de certa forma “arquitetonicamente excludente”. A pesquisa mostra que mesmo empreendimentos novos, anunciados como “acessíveis”, apresentam degraus inesperados na entrada, rampas fora do padrão exigido por lei, ausência de sinalização tátil ou botões de elevador sem identificação em braile.

Esse cenário é especialmente preocupante quando cruzamos com os dados sobre envelhecimento da população. Segundo o IBGE, o Brasil terá mais idosos do que jovens em menos de 35 anos. Em 2059, estima-se que mais de 33% da população brasileira terá mais de 60 anos. Em Blumenau, conforme apontado em diagnóstico social da FURB, cerca de 20% dos idosos vivem sozinhos, e muitos enfrentam limitações severas de mobilidade, sem qualquer acompanhamento.

Durante a pandemia, essa vulnerabilidade ficou ainda mais visível. De acordo com relatos levantados pelo pesquisador, milhares de idosos sofreram acidentes dentro de casa por conta de ambientes não adaptados — muitos deles, inclusive, sem conseguir pedir ajuda. Problemas como vasos sanitários baixos demais, tapetes escorregadios e a ausência de corrimãos em corredores são mais comuns do que se imagina.

Mas o estudo da FURB vai além de apontar falhas: ele propõe caminhos.

Uma das propostas é a criação de um selo acessível, que poderia ser aplicado a imóveis já existentes, após análise técnica. A ideia é sinalizar claramente se o local está dentro dos padrões exigidos por lei, facilitando a vida de quem precisa — como eu — de acessibilidade real, e não apenas “visual”. Isso ajudaria também a conscientizar síndicos, arquitetos e imobiliárias, muitas vezes alheios à importância dessas adaptações.

Outra solução levantada na pesquisa é a divulgação de um decreto federal pouco conhecido, que garante ao comprador de imóvel na planta o direito de solicitar a entrega da unidade com acessibilidade total — sem qualquer custo adicional. É uma medida que já está em vigor desde 2020, mas raramente é oferecida ou explicada pelas construtoras. Se essa informação chegasse a mais pessoas, muitos poderiam planejar melhor seus futuros, inclusive jovens que, como lembra o pesquisador, podem já enfrentar restrições de locomoção antes mesmo de envelhecer.

E, talvez a proposta mais ambiciosa do estudo: a criação de um bairro acessível em Blumenau. Inspirado em experiências internacionais, como cidades-modelo nos Estados Unidos, Espanha, França e Portugal, o bairro seria planejado para oferecer moradias adaptadas, comércio acessível, calçadas padronizadas, semáforos com tempo estendido para travessia, transporte adequado e espaços públicos pensados para promover o convívio e o bem-estar de quem tem mais idade ou mobilidade reduzida.

Esse conceito se alinha à ideia de envelhecimento ativo, defendida pela Organização Mundial da Saúde, e também pelo próprio pesquisador. Mais do que apenas viver mais, trata-se de viver com autonomia, saúde física e mental, participação social e dignidade. E essa dignidade começa pelo direito de sair de casa com segurança, atravessar uma rua sem medo de cair, morar em um local onde seja possível se movimentar com independência.

Como cadeirante, sei o quanto cada pequeno obstáculo pode se tornar um grande problema. Sei também que envelhecer em uma cidade não preparada significa, muitas vezes, abrir mão da liberdade — aos poucos e em silêncio. Por isso, ver um estudo como esse ser realizado na nossa região traz, ao mesmo tempo, inquietação e esperança.

Inquietação, porque mostra o quanto ainda estamos atrasados em pensar uma cidade para todos. Esperança, porque aponta soluções concretas, possíveis e urgentes.

Adaptar Blumenau — e outras cidades — para a nova realidade demográfica não é só uma questão de inclusão, é planejamento. Quem agir agora, estará cuidando do presente e se preparando para o futuro. Porque a velhice chegará para todos, e o que hoje parece um problema do outro, amanhã pode ser o nosso.

E a cidade que respeita quem tem mais idade ou mobilidade reduzida é, também, uma cidade melhor para todas as idades. A entrevista completa com o pesquisador está disponível no canal da FURB no YouTube, no programa FURB Pesquisa, conduzido pela jornalista Camila Maurer.


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