Os danos provocados pelo sharenting

"Do ponto de vista jurídico, a exposição excessiva de menores nas redes sociais, mesmo com consentimento dos pais, é problemática no sentido da proteção de sua vida privada, imagem e intimidade"; afirmam duas advogadas especialistas em Direitos de Família.

Por *Bianca Lemos e Débora Ghelman

Não é exagero dizer que os hábitos de compartilhamento em redes sociais desenvolvidos pelos usuários das plataformas digitais conduzem a uma superexposição, frequentemente sequer dimensionada por esses indivíduos. O que um perfil divulga em uma rede social, muito provavelmente poderá ser visto pelo mundo inteiro, e, de alguma forma, ficará gravado naquele ambiente para sempre, criando um rastro digital que não poderá ser apagado.

Quando indivíduos praticantes desse tipo de comportamento social obsessivo são pais, a tendência é que as publicações por eles realizadas envolvem também o cotidiano de seus filhos, sejam eles adolescentes, crianças, bebês e até mesmo fetos. Nesse contexto, identificou-se o fenômeno que se convencionou denominar sharenting. A expressão de origem inglesa consiste na junção das palavras ‘share’ (compartilhar) e ‘parenting’ (paternidade) e se refere ao compartilhamento de informações de crianças pelos próprios pais. Porém, longe de ser uma prática inofensiva, o sharenting enseja uma série de danos às crianças e adolescentes expostos.

Justamente pelo fato de as crianças serem caracterizadas como seres humanos ainda em estado de desenvolvimento e, consequentemente, mais vulneráveis, tornam-se, assim, sujeitos merecedores de tutela do estado, da sociedade e sua própria família. Neste sentido, a proteção de aspectos relevantes da privacidade dos menores tornou-se preocupação central do legislador pátrio, podendo ser observadas por meio de disposições específicas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Constituição Federal de 1988, na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), além de tratados internacionais (artigo 12 da Declaração Universal de Direitos Humanos e artigo 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos).

Do ponto de vista jurídico, a exposição excessiva de menor, mesmo com consentimento parental, é problemática no sentido da proteção de sua vida privada, imagem e intimidade, sobretudo, tendo em vista que os referidos direitos estão intrinsecamente ligados ao uso e gozo pelo seu titular e dizem respeito ao seu modo de ser físico e psíquico.

Para a criança, que muitas vezes não tem conhecimento que sua foto circula nas redes sociais ou mesmo discernimento para entender o que isso significa, as consequências podem ser irreparáveis. Uma imagem viralizada é capaz de atingir um número expressivo de indivíduos, fazendo com que seu conteúdo jamais seja apagado, uma vez que muitas pessoas passarão a possuí-lo. Ainda que as divulgações se limitem a festas de aniversário ou ao dia a dia da criança, informações como o nome completo, data de nascimento e local de residência podem ser facilmente descobertos sem que a criança deseje e, infelizmente, usados contra ela mais tarde.

Existem também os casos de exibição e mercantilização. De fato, alguns benefícios são inegáveis, principalmente quando esse montante é revertido para as despesas relativas à educação e subsistência da criança. No entanto, os riscos e inseguranças advindos dessa exposição também existem e são muitos, sem contar a exploração do trabalho infantil que muitas crianças vivenciam sob a maquiagem “do divertimento”.

Os algoritmos do YouTube facilitam cada vez mais a descoberta de conteúdos similares, e os vídeos estrelados por crianças não são exceção. Nesse caso, conteúdos de teor “cômico” entendidos como humilhação de pais aos seus filhos e que geram milhões de visualizações podem ser usados até mesmo como prova para a perda da guarda desses pais, por exemplo.

Outras hipóteses relativas a essa exibição, advém do acesso de pedófilos a vídeos inofensivos de crianças. Através dos algoritmos da internet o vídeo chega ao criminoso que comenta um código de tempo de uma determinada visualização como um sinal para seus companheiros. Da mesma forma, o sharenting corrobora para o advento do cyberbullying, na medida que os menores têm suas informações acessadas e sua vida exposta aos agressores.

É certo que, os direitos das crianças e dos adolescentes aliados com a proteção de dados, devem buscar proteger os menores dentro das redes. E, nas hipóteses de sharenting, as crianças e adolescentes têm aumentadas a sua presença on-line e a exposição a perigos, além de aderir ao vício que é o acesso às redes sociais – isso tudo, como resultado da atividade on-line de seus pais.

Por fim, sobre o caso, precedentes demonstraram que, embora existam exceções consoantes às atividades no círculo doméstico, é possível lesão à privacidade das crianças pelo uso de redes sociais de amplo alcance.

*Bianca Lemos e Débora Ghelman são advogadas especialistas em Direitos de Família e Sucessões e sócias do escritório Lemos & Ghelman Advogados (São Paulo/SC).