Oportunidade que vem do lixo

 

Por Josiani dos Santos e Estéla Becker

Quando o trabalho é honesto, Deus abençoa. Eu acordo cedo, faço minha oração, tomo meu café e vou para a garagem reciclar”, relata Maria Candido. A aposentada de 67 anos, moradora de Rio do Sul (SC), é um exemplo de fé, vitalidade e energia positiva. E são com esses adjetivos que há cerca de 10 anos deu início ao trabalho de reciclagem.

O dinheiro obtido com os materiais é usado para manter os estudos do filho, que cursa medicina na cidade de São Paulo. “Comecei a reciclar para ajudar a construir o sonho dele e, se fosse preciso, faria tudo de novo”, fala emocionada. Dona Maria é a grande incentivadora do filho, que depois de cinco anos de curso preparatório ingressou em uma das melhores universidades do país.

Não bastasse todo o orgulho proporcionado, ele ainda ficou um ano em Harvard. “Foi uma coisa muito boa pra ele. Sempre foi muito estudioso e eu, como mãe, não poderia deixar de acreditar. Comecei a reciclar por causa dele e até hoje, esse trabalho é o que ajuda nas despesas”, ressalta ao mostrar toda orgulhosa um presente que ganhou do filho, a carteirinha de estudante de Harvard.

Não é difícil encontramos personagens como dona Maria, que conseguem ver o que tem além do lixo. No Brasil, milhares de pessoas trabalham com reciclagem e ali, encontram muito mais do que apenas resíduos, mas uma oportunidade de negócio que gera economia, contribui com uma cidade mais limpa, garante o sustento e realiza o sonho de muitas famílias.

 

 

Um novo olhar sobre o lixo

A exemplo de dona Maria, outro Riosulense também investiu na reciclagem como oportunidade de negócio. Antônio Magnani, de 47 anos, transportava reciclados de terceiros até perceber que poderia empreender nesse setor. “Tinha um caminhãozinho e puxava reciclados. Catava uma coisa aqui outra ali e percebi que no lixo havia muita coisa boa. Foi quando resolvi parar de transportar e ter meu próprio ponto de reciclagem”, lembra ele, que ao lado esposa, Blandina Vignoli Magnani, deu início ao negócio em 2002.

Para os investimentos iniciais, Antônio, mais conhecido como seu Tonico, vendeu o caminhão e adquiriu um tobata. O rancho ao lado da casa tornou-se depósito e local de trabalho dele, da esposa e do filho Filipe, que ainda muito novo acompanhava o pai nas funções. “Sempre tive o apoio da minha família e, mesmo nas dificuldades, nunca desistimos”, lembra.

 

 

No lixo que chegava para seu Tonico vinha de tudo. Mas um produto começou a chamar atenção. “Sempre havia muita caixa de papelão que dava pra reaproveitar sem muito trabalho. Limpava ela, tirava fitas e fios e fornecia de novo para quem precisava”. E ali nascia a Embalagens Magnani.

Sem deixar de lado os outros materiais, a família começou a dar mais atenção para as caixas, que foram tendo uma demanda cada vez maior. A excelente aceitação do produto fez com que eles ampliassem o negócio. Seu Tonico começou a fazer parcerias com empresas que descartavam o material, investiu em máquinas de corte e até em um equipamento para personalizar as caixas conforme pedido do cliente. Também tiveram que partir para a compra de lâminas de papelão, já que só o material reciclado não era suficiente para atender a demanda.

 

 

De lá pra cá, a empresa vem crescendo gradativamente. Segundo Filipe Magnani, filho do seu Tonico, que está à frente dos negócios da família, desde 2014 o empreendimento registra um crescimento de 20% ao ano. Com a evolução, a empresa passou a empregar novos colaboradores e também investiu em uma estrutura mais ampla e focada na produção de caixas de papelão.

Tudo isso, aliado ao espírito empreendedor da família Magnani, levou a empresa a receber uma premiação conduzida pela Associação Empresarial de Rio do Sul. A Embalagens Magnani foi a grande vencedora na categoria Modelo de Negócios e Destaque em Inovação, na primeira edição do Prêmio de Inovação realizado pela entidade.

 

 

Corrente do bem

O sucesso da Embalagens Magnani passa por muitas mãos, inclusive da dona Maria, que repassa todo o material que recicla para a empresa. Seu Tonico e a aposentada moram em bairros diferentes de Rio do Sul e se conheceram através do trabalho com reciclados. E a parceria deu tão certo, que há quase 10 anos um ajuda o outro.

E como é impossível não se encantar com a história da dona Maria, no bairro em que ela mora todo mundo se solidariza e contribui. “A vizinhança traz o lixo aqui na minha casa, outras vezes eu busco aqui por perto e tem até um grupo de outro bairro que coleta e traz pra mim. Acho que é porque me dou bem com todo mundo”, fala enquanto abre um sorriso. Pelas mãos da aposentada, formou-se uma verdadeira corrente do bem, onde todo mundo se ajuda e contribui com uma cidade mais limpa e um ambiente mais saudável.

 

 

E se cada um fizesse a sua parte?

Estima-se que, anualmente, cerca de 80 milhões de toneladas de lixo são produzidos em todos os cantos do país. Destes, apenas 3% são reciclados e reaproveitados por pessoas como seu Tonico e dona Maria, que enxergam ali nos resíduos, possibilidades de um bom negócio. O restante, geralmente jogado a céu aberto, transforma-se em um problema de saúde pública e afeta também a economia brasileira, que, segundo dados de janeiro de 2017, perde cerca de R$ 120 bilhões por ano em produtos que poderiam ser reciclados.

Em Rio do Sul, cidade com cerca de 70 mil habitantes, a realidade não é diferente. Segundo dados da empresa Say Muller, que realiza a coleta no município, atualmente são recolhidas 1.200 toneladas de resíduos por mês. Todo esse material é destinado ao aterro sanitário, que fica em Otacílio Costa.

Mesmo com o crescimento da coleta seletiva, de todo o lixo produzido em Rio do Sul apenas cerca de 50 toneladas mês são destinadas para as reciclagens dentro do município. O número é extremamente baixo, mas a empresa trabalha com a meta de chegar a 30% do volume total recolhido por mês. Algo que só será atingido com o apoio do poder público e conscientização da população, que ainda é resistente quando ao assunto é a reciclagem.

“As pessoas acham que o lixo termina ali, onde é depositado para o caminhão pegar. A realidade está muito além disso e só depende de cada um de nós para mudar”, finaliza seu Tonico ao explicar as oportunidades que os resíduos escondem. Segundo ele, quando você recicla você muda o mundo. Diminui o volume dos aterros e, materiais que levam séculos para se decompor na natureza, são reaproveitados. O meio ambiente fica mais limpo e o ar mais puro. Quando você recicla você economiza e ajuda pessoas como dona Maria, que colabora com a Embalagens Magnani, que gera emprego, renda e contribui com a economia de um Brasil que pode ser cada vez melhor.