Metropolis, lançado em 1927, emergiu em um período efervescente e contraditório da história do cinema e da própria Alemanha: a República de Weimar. O cinema alemão, especialmente na década de 1920, vivia uma era de ouro criativa, marcada predominantemente pelo Expressionismo. Este movimento artístico, que buscava expressar mundos interiores e subjetivos em detrimento da realidade objetiva, encontrou no cinema um campo fértil. Filmes como O Gabinete do Dr. Caligari (1920) já haviam estabelecido uma estética de cenários distorcidos, iluminação dramática e atuações estilizadas, refletindo as ansiedades e a instabilidade social e política do pós-Primeira Guerra Mundial.
Nesse cenário, a indústria cinematográfica alemã, liderada por estúdios como a UFA (Universum-Film AG), buscava não apenas a expressão artística, mas também competir com a crescente hegemonia de Hollywood. Isso levou à produção de filmes monumentais (Monumentalfilme), caracterizados por orçamentos vultosos, cenários grandiosos, multidões de figurantes e narrativas épicas. Eram superproduções que visavam impressionar tanto o público doméstico quanto o internacional.
Metropolis representa o ápice dessa tendência, sendo, à época, uma das produções mais caras da história do cinema mundial. Era a tentativa da UFA, sob a batuta do produtor Erich Pommer e do diretor Fritz Lang, de criar uma obra-prima de ficção científica que demonstrasse a capacidade técnica e artística do cinema alemão.
O filme foi concebido e realizado ainda na era do cinema mudo, embora a transição para o som já estivesse no horizonte (o primeiro filme falado comercialmente bem-sucedido, O Cantor de Jazz, seria lançado nos EUA no mesmo ano de 1927). A ausência de diálogos falados era compensada por uma linguagem visual sofisticada, intertítulos elaborados e, crucialmente, por trilhas sonoras orquestrais executadas ao vivo durante as exibições, como a composta por Gottfried Huppertz para Metropolis. Era um cinema que dependia enormemente da imagem, da composição, da edição e da música para construir sua narrativa e seu impacto emocional, e Metropolis explorou esses recursos ao máximo.
FRITZ LANG, O ARQUITETO DE MUNDOS CINEMATOGRÁFICOS
Antes de embarcar na colossal tarefa de dirigir Metropolis, Fritz Lang já era um nome estabelecido e reverenciado no cinema alemão e internacional. Nascido em Viena em 1890, Lang consolidou sua carreira na Alemanha durante a República de Weimar, tornando-se um dos pilares da UFA e um mestre na arte de contar histórias visualmente impactantes. Sua colaboração com a roteirista Thea von Harbou, sua esposa na época, foi fundamental, resultando em roteiros complexos e ambiciosos que Lang traduzia em imagens poderosas.
Lang não chegou a Metropolis como um novato em grandes produções ou temas sombrios. Sua filmografia anterior já demonstrava uma predileção por narrativas épicas, personagens complexos e uma exploração profunda das facetas da sociedade e da psique humana. Filmes como Der müde Tod (A Morte Cansada, 1921) já exibiam sua maestria visual e inclinação para o fantástico e o alegórico. Com Dr. Mabuse, der Spieler (Dr. Mabuse, o Jogador, 1922), um épico criminal em duas partes, Lang mergulhou nas sombras da sociedade alemã contemporânea, retratando o caos, a conspiração e a manipulação, temas que ecoaram em Metropolis.
Contudo, foi com Die Nibelungen (Os Nibelungos, 1924), outra produção monumental da UFA também dividida em duas partes (Siegfried e Kriemhilds Rache), que Lang demonstrou cabalmente sua capacidade de orquestrar espetáculos cinematográficos de larga escala. Baseado na mitologia germânica, o filme foi um triunfo de design de produção, efeitos visuais e narrativa épica, solidificando a reputação de Lang como um diretor capaz de criar mundos inteiros na tela, com uma atenção meticulosa aos detalhes arquitetônicos e à composição visual. A grandiosidade e a ambição de Die Nibelungen serviram como um prelúdio direto para o desafio ainda maior que seria Metropolis, mostrando um diretor no auge de suas habilidades técnicas e artísticas, pronto para levar o cinema a novos patamares.

ENREDO E CONCEITO – A CIDADE DIVIDIDA E A BUSCA PELO CORAÇÃO
Metropolis, em sua versão reconstruída e mais completa, estrutura-se em três atos – “Auftakt” (Prelúdio), “Zwischenspiel” (Interlúdio) e “Furioso” (Furioso) – para desdobrar sua complexa narrativa sobre uma distopia urbana futurista marcada pela profunda divisão social. A cidade de Metropolis é um organismo de dois níveis: no alto, em arranha-céus e jardins suspensos (“Ewigen Gärten”), vive a elite ociosa, liderada pelo frio e calculista Joh Fredersen, o mestre da cidade. Nos subterrâneos profundos, reside a classe trabalhadora, reduzida a uma existência mecanizada, operando as gigantescas máquinas que sustentam o luxo da superfície. A comunicação entre esses dois mundos é inexistente, simbolizada até pelos relógios que marcam tempos diferentes para cada classe.
O catalisador da trama é Freder, o filho privilegiado de Joh Fredersen. Sua vida de prazeres é abalada quando Maria, uma figura carismática e maternal da cidade subterrânea, surge brevemente nos jardins da elite com um grupo de crianças operárias, mostrando-lhes “seus irmãos” que vivem no luxo. Freder se encanta por Maria e desce ao mundo inferior em sua busca. Lá, testemunha a brutalidade do sistema: um acidente em uma das máquinas, que ele visualiza como um Moloch devorador de homens, revela a desumanização dos trabalhadores. Horrorizado, confronta o pai, mas encontra apenas indiferença e pragmatismo. Determinado a entender e ajudar, Freder troca de lugar com um operário exausto, Georgy (número 11811), experimentando na pele a dureza da vida subterrânea.
Enquanto isso, Joh Fredersen, preocupado com a agitação entre os trabalhadores – simbolizada por misteriosos planos encontrados com operários acidentados – e com a influência crescente de Maria, que prega a vinda de um “Mittler” (Mediador) capaz de unir “cérebro” (a elite) e “mãos” (os trabalhadores), recorre ao inventor Rotwang. Rotwang, um gênio amargurado que perdeu seu amor, Hel, para Fredersen (Hel morreu ao dar à luz Freder), criou um Maschinenmensch (homem-máquina) à imagem de Hel. Fredersen ordena que Rotwang dê ao robô a aparência de Maria, para que a falsa Maria semeie a discórdia e destrua a esperança dos trabalhadores. Rotwang, porém, planeja usar a máquina para sua própria vingança, incitando a destruição total de Metropolis e, consequentemente, de Fredersen e seu filho.
O enredo se intensifica com a captura da verdadeira Maria por Rotwang e a ativação da falsa Maria. Esta, com sua dança sensual e discursos inflamados, incita primeiro a elite à decadência no clube Yoshiwara e, depois, os trabalhadores à rebelião violenta, convencendo-os a destruir a “Herz-Maschine” (Máquina-Coração), central para o funcionamento da cidade. Freder, auxiliado por Josaphat (ex-secretário de seu pai, demitido e salvo do suicídio por Freder), tenta alertar sobre as consequências catastróficas da destruição, mas a fúria coletiva, manipulada pela falsa Maria, é imparável. A destruição da máquina leva à inundação da cidade subterrânea, colocando em risco as crianças dos trabalhadores, que haviam sido deixadas para trás. A verdadeira Maria consegue escapar e, junto com Freder e Josaphat, luta para salvar as crianças da enchente.
O clímax (“Furioso”) mostra a cidade em caos. Os trabalhadores, ao perceberem que quase sacrificaram seus filhos, voltam-se contra a falsa Maria, capturando-a e queimando-a na fogueira, revelando sua natureza robótica. Rotwang, enlouquecido, confunde a verdadeira Maria com sua amada Hel e a persegue pelos telhados da catedral. Freder luta contra Rotwang para salvar Maria, culminando na queda e morte do inventor. A cena final traz a reconciliação simbólica: Joh Fredersen e Grot, o capataz dos trabalhadores, ainda relutantes em apertar as mãos, são unidos por Freder, que assume o papel de “Mittler”, o coração que conecta o cérebro e as mãos. A frase final, “O mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o coração”, encapsula a mensagem central do filme, uma alegoria sobre a necessidade de empatia e compreensão para superar a luta de classes e construir uma sociedade mais justa, ainda que essa mensagem tenha sido considerada simplista por alguns críticos.

ESTÉTICA, TECNOLOGIA E IMPACTO:: A VISÃO FUTURISTA QUE MOLDOU O CINEMA
Metropolis não é apenas uma narrativa poderosa; é, acima de tudo, um marco visual e técnico na história do cinema, cuja estética e inovações continuam a reverberar até hoje. Fritz Lang, juntamente com sua equipe criativa, não mediu esforços nem recursos para construir um mundo futurista que fosse ao mesmo tempo grandioso, opressor e visualmente deslumbrante, estabelecendo um novo padrão para a ficção científica cinematográfica.
A estética do filme é uma fusão complexa de influências. Embora frequentemente associado ao Expressionismo Alemão por suas sombras dramáticas, ângulos de câmera e a representação de estados psicológicos através do ambiente, Metropolis também incorpora elementos do Futurismo e, notavelmente, da Art Déco, visível nas linhas geométricas e na suntuosidade dos cenários da cidade superior. A arquitetura da cidade, inspirada em parte pelos arranha-céus de Nova York que Lang observou em uma viagem aos EUA, mas também por visões utópicas e distópicas da época, é um personagem em si. Os diretores de arte Otto Hunte, Erich Kettelhut e Karl Vollbrecht criaram um design monumental, utilizando maquetes elaboradas (centenas delas, algumas com vários metros de altura) e pinturas em vidro para dar a ilusão de uma metrópole gigantesca e verticalizada, um feito notável de design de produção.
Tecnicamente, Metropolis foi pioneiro em diversos aspectos. A equipe de fotografia, liderada por Karl Freund e Günther Rittau, empregou técnicas inovadoras para dar vida à visão de Lang.
O mais famoso é o Efeito Schüfftan (desenvolvido por Eugen Schüfftan), que permitia integrar atores ao vivo em cenários miniaturizados ou pintados usando espelhos estrategicamente posicionados, criando a ilusão de escala e profundidade sem a necessidade de construir cenários em tamanho real para todas as cenas. Além disso, o filme fez uso extensivo de múltiplas exposições para compor imagens complexas, como as ruas aéreas com tráfego de veículos e monotrilhos.
Animações em stop-motion, supervisionadas por Walter Ruttmann, foram usadas para animar carros e máquinas, contribuindo para a sensação de dinamismo da cidade. A criação do Maschinenmensch (o robô) pelo escultor Walter Schulze-Mittendorf foi outro ponto alto, resultando em um dos ícones mais duradouros do cinema, cuja transformação visual na tela, com anéis de luz pulsantes, foi um efeito especial impressionante para a época.
O impacto de Metropolis no cinema, especialmente na ficção científica, é imensurável. Sua visão de uma cidade futurista estratificada, a exploração da relação homem-máquina, a figura do robô (particularmente a gynoid, ou robô feminina), a presença de tecnologias como videofones e carros voadores (ainda que representados por monotrilhos e aviões estilizados) tornaram-se arquétipos visuais e temáticos para o gênero. Filmes como Blade Runner, Star Wars, O Quinto Elemento e inúmeros outros carregam a marca visual e conceitual de Metropolis. Sua influência estende-se para além do cinema, permeando videoclipes (como “Radio Ga Ga” do Queen), moda, design e outras formas de arte. Apesar das dificuldades iniciais de recepção e das mutilações que sofreu ao longo do tempo, a grandiosidade visual, a ambição técnica e a força alegórica de Metropolis garantiram seu lugar como uma obra fundamental, um testemunho do poder visionário do cinema em seus primórdios.

DO FRACASSO INICIAL AO STATUS DE CULT
A trajetória de Metropolis junto ao público e à crítica é uma das mais fascinantes e paradoxais da história do cinema. Se hoje o filme é aclamado como uma obra-prima visionária e um pilar da ficção científica, sua recepção inicial, em 1927, foi majoritariamente negativa e resultou em um retumbante fracasso comercial, quase levando a UFA à falência.
A estreia mundial ocorreu em 10 de janeiro de 1927, no Ufa-Palast am Zoo, em Berlim, com grande pompa. No entanto, a versão original de aproximadamente duas horas e meia não conquistou nem a crítica nem o público. Os críticos da época, embora frequentemente elogiassem os aspectos técnicos e visuais – a grandiosidade dos cenários, os efeitos especiais inovadores –, foram duros com a narrativa, o roteiro de Thea von Harbou e a mensagem do filme.
Muitos consideraram a história simplista, sentimental demais, e a solução proposta para o conflito social – “O mediador entre o cérebro e as mãos deve ser o coração” – ingênua e até mesmo reacionária ou, por outro lado, excessivamente esquerdista, dependendo do espectro político do crítico. Figuras proeminentes como Luis Buñuel e H.G. Wells expressaram desdém pela trama. O público, por sua vez, também não compareceu em massa. O filme atraiu apenas cerca de 15.000 espectadores em Berlim nos primeiros meses, um número muito baixo para uma produção tão cara.
O fracasso financeiro foi desastroso. Os custos de produção exorbitantes (estimados em cerca de 5 milhões de Reichsmark na época) não foram recuperados. A UFA, já em dificuldades financeiras, foi profundamente abalada, levando à sua reestruturação e eventual controle pelo empresário conservador Alfred Hugenberg. Como resultado direto da má recepção, o filme foi drasticamente cortado e reeditado para os mercados internacionais e até mesmo para um relançamento na própria Alemanha em agosto de 1927, perdendo cerca de um quarto de sua duração original. Essas versões mais curtas, que muitas vezes alteravam o sentido da narrativa, foram as que circularam por décadas, obscurecendo a visão original de Lang.
Contudo, o tempo provou ser mais generoso com Metropolis. A partir da segunda metade do século XX, o filme começou a ser redescoberto e reavaliado. Seu impacto visual inegável, sua ambição temática e sua condição de precursor da ficção científica moderna ganharam reconhecimento. Críticos e historiadores de cinema passaram a destacar sua importância histórica e artística, apesar das críticas à sua mensagem social.
O status de “cult” cresceu, e os esforços para restaurar a versão original de Lang se intensificaram, culminando nas restaurações de 2001 e, principalmente, na de 2010, após a descoberta de uma cópia quase completa em Buenos Aires. Essa versão restaurada, aclamada internacionalmente, permitiu uma compreensão mais profunda da obra. Em 2001, Metropolis tornou-se o primeiro filme a ser incluído no Registo da Memória do Mundo da UNESCO, um testemunho definitivo de seu valor cultural universal e de sua extraordinária jornada da rejeição inicial à consagração histórica.
Assista ao clássico do cinema alemão
O LEGADO IMORTAL DE METROPOLIS
Quase um século após seu lançamento conturbado, Metropolis permanece como um colosso cinematográfico. Sua jornada, marcada por ambição desmedida, fracasso inicial, mutilação e, finalmente, ressurreição e reconhecimento universal, espelha a própria complexidade da obra. Mais do que um filme, Metropolis é um artefato cultural que encapsula as tensões, medos e esperanças de seu tempo – a era da máquina, da urbanização acelerada, das profundas divisões sociais e das utopias e distopias que moldavam o imaginário do século XX.
Sua influência estética e técnica é inegável e perdura. A cidade futurista de Lang, com sua arquitetura imponente e sua divisão vertical entre o céu e o subterrâneo, tornou-se um modelo para incontáveis representações de metrópoles futuras no cinema e em outras mídias. O Maschinenmensch, a icônica robô Maria, transcendeu o filme para se tornar um símbolo da inteligência artificial, da sedução tecnológica e dos perigos da desumanização. As inovações nos efeitos visuais, como o Efeito Schüfftan, demonstraram as possibilidades ilimitadas da linguagem cinematográfica.
Tematicamente, embora sua mensagem central sobre a mediação entre “cérebro” e “mãos” pelo “coração” tenha sido criticada por sua simplicidade, Metropolis continua a levantar questões pertinentes sobre luta de classes, tecnologia, poder, manipulação e a busca por humanidade em um mundo cada vez mais mecanizado. A dualidade entre a verdadeira Maria, símbolo de compaixão e esperança, e sua duplicata robótica, agente do caos e da destruição, ressoa com debates contemporâneos sobre autenticidade, inteligência artificial e o potencial disruptivo da tecnologia.
O reconhecimento tardio, culminando com sua inclusão no Registo da Memória do Mundo da UNESCO, solidifica Metropolis não apenas como um grande filme, mas como um patrimônio da humanidade. Sua história é uma lição sobre a resiliência da arte e a capacidade do cinema de transcender seu tempo, oferecendo visões que, mesmo concebidas décadas atrás, continuam a nos desafiar, inspirar e assombrar. Metropolis é, em suma, um testemunho imortal do poder visionário de Fritz Lang e da era de ouro do cinema alemão, uma obra que, apesar de suas imperfeições, continua a pulsar com relevância e um esplendor visual inigualável.
Clay Schulze (@clay.schulze) é Presidente Do Centro Cultural 25 de julho de Blumenau e integrante do Männerchor Liederkranz, Coro Masculino Liederkranz do Centro Cultural 25 de Julho de Blumenau
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